Portugal vive uma crise grave. Não tão grave que não haja quem se aproveite dela para ganhar poder. Quando quem o faz é grande responsável pela crise, ultrapassa-se os limites da decência.
O descontrolo orçamental tem muitas origens. Entre os serviços, sectores e interesses culpados pelo endividamento galopante, ocupa lugar de destaque o Ministério da Educação, cuja dimensão e desregramento criaram tantos desperdícios e derrapagens.
A crise geral implica reduções nas verbas para o ensino. Compreende-se. Esses cortes, se afectam as escolas públicas, devem também atingir o regime de associação das escolas privadas. Não surpreende. A coisa fica estranha quando o ministério usa a crise como pretexto para rever o regime desses contratos, que vigora há 30 anos (DL 553/80 de 21 de Novembro). Que tem isto a ver com austeridade? Porque razão o Governo, que nos sucessivos PEC sempre se recusou a mexer nas suas múltiplas regras ruinosas, preferindo medidas pontuais e avulso, insiste aqui em mudar o estatuto? Para mais sem com isso cortar despesas?
A trama entende-se quando o aspecto central da proposta é a redução da duração dos contratos de associação, que era de cinco anos, para anual. A partir de agora todos os anos lectivos o Ministério decide se mantêm ou não o subsídio que torna gratuito ou acessível o ensino em algumas escolas particulares.
A ideia é aberrante! Por que razão querem os serviços repetir de 12 em 12 meses o esforço de avaliar as escolas? Como é possível os alunos, cuja formação dura 12 anos, viverem na incerteza contínua de terem ou não o seu ensino assegurado, prejudicando logo os mais pobres? Como podem as escolas gerir o seu funcionamento e manter o corpo docente e auxiliar debaixo desta permanente ameaça?
A mais elementar sensatez, prudência e economia chega para ver que a proposta é um enorme disparate educativo, social, administrativo e económico. Como pode tal dislate passar pela cabeça dos responsáveis, para mais no meio da grave emergência nacional? A resposta é simples: pelo poder. A partir de agora as escolas privadas andam de trela curta, sempre sujeitas aos caprichos administrativos. Burocratas da Direcção Regional de Educação, políticos da câmara municipal ou simplesmente caciques locais têm os responsáveis escolares no bolso.
O vício vem da própria estrutura do sector. O ministério tem duas funções. A primeira consiste em regular o sistema de ensino. Essa é a sua missão pública, que pouco lhe interessa, porque o melhor dos seus esforços e preocupações dirige-se ao fornecimento de instrução. A senhora mi- nistra raramente é ministra, sendo sobretudo gestora da escola pública.
O Estado tem a função decisiva de vigiar a qualidade escolar. Mas não há razão para se envolver no negócio das aulas. Para quê meter--se entre pais e professores, cobrando impostos aos primeiros para pagar salários aos segundos? Para quê o Estado proporcionar ensino aparentemente de borla, que fica caríssimo pelas distorções e desperdícios que causa? Pior, depois de arruinar múltiplas escolas com concorrência desleal, ainda se finge magnânimo apoiando alguns colégios nos contratos de associação, anomalia a eliminar logo que a escola pública seja universal.
A alegada razão disto tudo é dar aos pobres acesso ao ensino. Mas se é essa a finalidade, deveria entregar o dinheiro dos impostos aos necessitados, deixando-os escolher. Este mecanismo do cheque--educação seria mais barato, justo e sobretudo excelente para os carenciados, livres de inscrever os filhos no melhor, em vez de ficarem presos à escola pública gratuita. Todos beneficiavam.
Porque não se faz? Por causa do poder. Com este esquema os funcionários do ministério passariam a meros distribuidores de cheques e os professores públicos perderiam a clientela forçada, devendo concorrer em qualidade pelos alunos. Até o Estado deixaria de ter a máquina de doutrinação ideológica.
Toda a crise da educação vem da sofreguidão do poder. O pior é que é este o mecanismo que ensina as nossas crianças.
João César das Neves
(Fonte: DN online)
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