O verdadeiro problema da última (se calhar literalmente) edição da Playboy caseira é a bizarria de servir Saramago a quem apenas espera encontrar meninas em pelota. Curiosamente, o polémica surgiu de outro lado, isto é, da "homenagem" (sic) que a revista quis fazer ao falecido Nobel: meia dúzia de retratos de um infeliz fantasiado de Cristo junto a uma amostra das referidas meninas. Os responsáveis da publicação explicam que pretenderam transmitir uma "mensagem forte", a exigir "análise profunda".
De análise profunda, embora a cargo de uma junta psiquiátrica, precisam os que vêem no conjunto de fotografias mais do que aquilo evidentemente é: um monumento ao atraso de vida e, talvez, um golpe publicitário. Qualquer que fosse o motivo, o que correu é que a Playboy original tenciona cancelar a licença da versão portuguesa e eu diverti-me a contar os (poucos) minutos que separaram a divulgação da notícia dos primeiros berros de "Censura!".
Naturalmente, os berros surgiram num blogue subsidiário do Bloco de Esquerda. Por acaso, nem o blogue em causa nem o Bloco são conhecidos por patrocinar opiniões que consideram contrárias aos seus princípios, e não me lembro de ler no www.esquerda.net (o site oficial do bando) textos simpáticos para com a globalização, o Vaticano ou as políticas de Israel, por exemplo. Trata-se de critérios editoriais, claro, os quais pelos vistos não se aplicam à Playboy, que deve publicar tudo o que os funcionários do dr. Louçã acham publicável ou sujeitar-se a acusações de fundamentalismo e, se lhes puxarem pela língua, a equivalências com os islâmicos que protestam as ofensas a Maomé.
Na perspectiva dos rapazes da esquerda folclórica, todo o pretexto serve para realçar a intolerância do Ocidente, apontar o puritanismo dos americanos e relativizar a fúria do Islão, incluindo comparar a decisão interna de uma empresa com multidões que babam ódio e estados que emitem sentenças de morte. É lá com eles, mas, de um arrevesado modo, em matéria de censuras e fundamentalismos o fait-divers da Playboy diz mais sobre os que o criticaram do que sobre os que o produziram. Como o acto de censura homenageia melhor do que a pretensa homenagem o censor que Saramago foi.
Alberto Gonçalves
(Fonte: DN online)
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