A intimidade, nos meios da comunicação social, foi sempre tema escaldante, comentado por autores e discutido em tribunais. Antes do aparecimento das redes sociais, as fotos ou gravações de particulares publicadas sem consentimento expresso e/ou sem motivo informativo claro, constituíam interferências ilegais e mesmo, nalguns casos, consideradas delito.
Com as redes sociais - Facebook, Myspace ou MSN - o assunto é diferente. Não porque os bens protegidos da personalidade tenham mudado ou que as pessoas tenham menos "eu" para proteger, mas diferente porque os limites do que é relevante em informação e, portanto, na rede mudaram; entre outros aspectos, porque nós próprios somos os editores e criadores desses conteúdos que, publicados e reproduzidos on line, alcançam uma difusão inesperada.
Objectivo: compartilhar informação
Para Mark Zuckerberg , CEO e fundador do Facebook, um dos objectivos de toda a rede social é "compartilhar informação". Para Zuckerberg, a privacidade consiste em "dar às pessoas o controle" sobre a sua informação pessoal e sobre o conteúdo que origina, dentro da rede social. Trata-se de ocultar parte desta informação, que é pública a partir do momento em que decidimos fazer parte da rede. No Facebook a configuração por defeito é a publicidade, e não o contrário: pelo menos foi assim até ao passado 26 de Maio.
Vale a pena perguntar se o que Zuckerberg defende é uma verdadeira "filosofia de rede social", onde o que importa é tornar pública na rede parte da nossa vida ou se, pelo contrário, se trata de uma mentalidade puramente comercial em que o objectivo é ganhar dinheiro através do marketing personalizado, fundamentalmente baseado no conhecimento dos gostos e das actividades do utilizador. Se a finalidade é o lucro - recordemos que o Facebook é, acima de tudo, um grande negócio - pretende-se recolher a maior quantidade de informação pessoal possível e dar a máxima publicidade aos conteúdos, para negociar com eles. Fornecer às agências de publicidade informação acerca dos seus aderentes, constitui grande fonte de receita, talvez a única de que dispõem as redes sociais para se tornarem rentáveis.
Facebook enfrenta a crítica
Durante os meses deste ano que precederam o 26 de Maio, os utilizadores e as associações levantaram a voz contra a política de privacidade do Facebook. Alguns consideravam os controles de privacidade muito complicados, com mais de 50 opções diferentes, resultado da experiência de configurar um perfil bastante lento e confuso. Com tanta variedade, era difícil avaliar o grau de publicidade que tinham, tanto a informação com as acções dos utilizadores. Mesmo dentro do Facebook organizaram-se grupos de utilizadores que chegaram a propor abandonar a rede social. No entanto, o número de utilizadores e de visitas diárias contradizem este aspecto da crítica. Para os detractores, o principal problema reside no facto de o Facebook tornar pública a informação do utilizador por defeito, quando é este que deve restringir, caso a caso, a sua visibilidade. A opção por defeito "toda a gente" torna pública a informação, não apenas para todos os utilizadores do Facebook, mas também para toda a rede em geral, incluindo os motores de busca, como o Google.
As muitas queixas de diversos sectores - incluindo instituições públicas como as Agências de Protecção de Dados europeias - ou da imprensa, como The Wall Street Journal ou a revista Time fizeram, finalmente, com que o Facebook anunciasse mudanças na sua política e nos controles de privacidade. Presentemente, as opções de privacidade foram reduzidas de 50 para menos de 15, e a forma como se distribui o conteúdo pode ser regulada por três níveis de acesso: "amigos", "amigos de amigos" e "toda a gente". O texto é mais claro, simples e breve.
O utilizador não tem o controle pleno
Em Espanha, Artemi Rallo, responsável da Agencia de Proteccion de Datos, opina que "a solução ao conflito não consiste em simplificar as ferramentas". Jeffrey Chester do Center for Digital Democracy, refere na revista Forbes que o Facebook "nega-se a dar o pleno controle aos seus utilizadores". Tanto Chester como Rallo coincidem em que o Facebook deveria dar, por defeito, o máximo nível de privacidade e não o contrário, como acontecia até ao mês passado.
Em matéria de tratamento de dados pessoais dos utilizadores do Facebook, a Agência Espanhola de Protecção de Dados considera que o Facebook "ultrapassou as linhas vermelhas" e que "o programa dos seus engenheiros não está projectado para proteger a privacidade mas, sim, para dar a máxima publicidade aos conteúdos e fazer negócio".
Dias depois das mudanças anunciadas, o Comité Judicial da Câmara de Representantes dos Estados Unidos enviou uma carta aos responsáveis do Facebook exigindo uma "explicação detalhada da informação sobre os utilizadores" que esta empresa facultou a terceiros sem o consentimento dos titulares das contas. A carta insiste no esclarecimento das "circunstâncias em que os utilizadores não optaram expressamente por este tipo de troca de informação". A controvérsia continuará e, juntamente com o processo legal que possa ser aberto, é provável que o Facebook tenha que continuar a fazer mudanças na sua política e nos controles, sobretudo para se adaptar à legislação dos diversos países, especialmente à europeia, mais exigente que a dos Estados Unidos, em questões de privacidade e de protecção de dados.
Intimidade é mais do que privacidade
Mas o utilizador tem de estar esclarecido de todo o assunto e igualmente contribuir para que possa exercer o controle efectivo da sua informação. Quem decidir utilizar uma rede social, deve estar consciente de que parte da sua informação ficará acessível a terceiros; e inclusivamente, acessível em muitos casos, a pessoas inteiramente estranhas e a empresas, dedicadas ou não, à publicidade.
A preservação da intimidade constitui um direito fundamental reconhecido pela Declaração Universal de Direitos Humanos. A intimidade é a esfera própria de cada um, onde residem os nossos valores humanos e pessoais. São os nossos sentimentos e pensamentos mais profundos que estão em causa, dos quais só compartilhamos com as pessoas mais chegadas a nós, por motivos afectivos e/ou familiares. Quando se fala de privacidade na rede e de políticas de privacidade das redes sociais, não se pode pensar que se fala de intimidade. As redes sociais, como o nome indica, já contêm em si uma componente pública de relação.
Pode-se controlar, até certo ponto, com quem e como se compartilham alguns dos nossos dados privados mas, no momento em que publicamos algo numa rede social, devemos ficar a saber que a nossa esfera íntima foi ultrapassada. Aquilo que, acerca de nós, desejarmos que jamais saia do nosso círculo íntimo, nunca deve ser transmitido a uma rede social, mesmo que esteja guardado pelo seguro mais incontornável permitido numa configuração de privacidade.
Loreto Corredoira, Professora Titular da Universidad Complutense de Madrid
Rodrigo Cetina, Colaborador da Universidad Complutense de Madrid
Aceprensa
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