Bem-aventurado João XXIII (1881-1963), papa
Diário da alma, 1901-1903 (trad. a partir de Cerf 1964, p. 240)
«De onde Lhe vem esta sabedoria [...]? Não é Ele o filho do carpinteiro?»
De cada vez que penso no grande mistério da vida oculta e humilde de Jesus durante os Seus primeiros trinta anos, o meu espírito fica ainda mais confundido e faltam-me as palavras. Ah! É tão evidente: face a uma lição tão luminosa como esta, não só os julgamentos do mundo, mas também os juízos e a maneira de pensar de muitos eclesiásticos parecem completamente falsos e se encontram no extremo oposto.
Da minha parte confesso que ainda não cheguei a fazer uma ideia disto. Da maneira como me conheço, parece-me que não tenho senão a aparência de humildade, mas que do seu verdadeiro espírito, desse «desejo de passar despercebido» que Jesus Cristo de Nazaré tinha, não conheço senão o nome. E dizer que Jesus passou trinta anos de vida oculta e que era Deus e era o resplendor da glória e a imagem fiel da substância do Pai (cf. Heb 1, 3), e que veio para salvar o mundo, e fez tudo isso apenas para nos ensinar como é necessária a humildade e como é indispensável praticá-la! E eu, que sou tão grande pecador e tão miserável, não penso senão em me comprazer a mim próprio, em me comprazer nos sucessos que me valem um pouco de honra terrena; nem sequer posso conceber o pensamento mais santo sem que nele se imiscua a preocupação com a minha reputação face aos outros. [...] No fim de contas, só com grande esforço me consigo acostumar à ideia do verdadeiro apagamento pessoal, tal como Jesus Cristo o praticou e tal como mo ensina.
(Fonte: Evangelho Quotidiano)
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