O instrumentum laboris do sínodo para o Médio Oriente, isto é o documento de trabalho da assembleia sinodal é publicado em 4 línguas : árabe, francês, inglês e italiano. Bento XVI entregou-o este Domingo aos representantes do episcopado do Médio Oriente, no final da Missa celebrada no Palácio dos Desportos Eleftherìa de Nicósia.
A assembleia sinodal terá lugar no Vaticano de 10 a 24 de Outubro sobre o tema: a Igreja Católica no Médio Oriente, comunhão e testemunho. "A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma" (Act 4, 32)
O documento, de cerca de 40 paginas foi realizado com a colaboração das numerosas respostas ao questionário dos lineamenta, enviadas pelos sínodos dos bispos da Igrejas Orientais sui iuris, pelas conferencias episcopais, pelos dicastérios da Cúria Romana, pela União dos Superiores Gerais e por tantas pessoas singularmente e por grupos eclesiais.
Na introdução, o secretário-geral do Sínodo dos Bispos, o arcebispo Nikola Eterovic sublinha que a situação actual no Médio Oriente é em muitos aspectos pouco diferente daquela vivida pela primitiva comunidade cristã na terra Santa, “ no meio de dificuldades e perseguições.”Os primeiros cristãos agiam em situações bastante adversas. Encontravam a oposição e a inimizade dos poderes religiosos do próprio povo, a sua pátria encontrava-se ocupada, inserida no interior do poderoso império romano. Não obstante esta situação proclamavam na íntegra a Palavra de Deus, inclusive o amor pelos inimigos, chegando a testemunhar com o martírio a fidelidade ao Senhor da vida”.
Na introdução recorda-se que Bento XVI quis anunciar pessoalmente tal acontecimento a 19 de Setembro de 2009, acolhendo assim o pedido de numerosos irmãos no episcopado que perante a actual delicada situação eclesial e social tinham proposto a convocação de uma assembleia sinodal. Dois os objectivos principais do Sínodo: antes de mais confirmar e reforçar os cristãos na sua identidade mediante a Palavra de Deus e os Sacramentos; em segundo lugar reavivar a comunhão eclesial entre as Igrejas sui iuris, para que possam dar um testemunho de vida cristã autêntica, alegre e atraente. Sublinhados com força também o empenho ecuménico e o diálogo com judeus e muçulmanos para o bem de toda a sociedade e para que a religião, sobretudo de todos aqueles que professam um único Deus se torne cada vez mais motivo de paz. O Sínodo deseja fornecer aos cristãos as razões da sua presença numa sociedade prevalentemente muçulmana, seja ela árabe, turca, iraniana ou judaica no estado de Israel. A reflexão é guiada pela Sagrada Escritura.
O primeiro capitulo fala da Igreja católica no Médio Oriente, recordando que todas igrejas do mundo remontam á Igreja de Jerusalém. Afirma-se que as divisões entre os cristãos (Concílios de Éfeso e de Calcedónia no século V, e separação de Roma e Constantinopla no século XI) foram devidas sobretudo a motivos políticos e culturais. Contudo o Espírito opera nas Igrejas para as aproximar e fazer cair os obstáculos á unidade visível desejada por Cristo.
No Médio Oriente a única Igreja Católica está presente em várias Tradições, em várias Igrejas Orientais Católicas sui iuris Além da Igreja de tradição latina existem 6 Igrejas patriarcais cada uma com o seu rico património espiritual, teológico e litúrgico. Estas tradições são, ao mesmo tempo, uma riqueza para a Igreja universal. Recorda-se que as Igrejas do Médio Oriente são de origem apostólica e que seria uma perda para a Igreja universal se o Cristianismo se enfraquece-se ou desaparecesse precisamente ali onde nasceu. Existe portanto a grave responsabilidade de manter a fé cristã nestas terras santas. Os católicos são chamados a promover o conceito de laicidade positiva do Estado para aliviar o carácter teocrático do governo, e permitir maior igualdade entre os cidadãos de religiões diferentes favorecendo assim a promoção de uma democracia sã, positivamente laica, que reconheça plenamente o papel da religião, e também na vida pública, no pleno respeito da distinção entre a ordem religiosa e temporal.
O documento sublinha que os conflitos regionais tornam ainda mais frágil a situações dos cristãos, que se encontram entre as vitimas principais da guerra no Iraque. Ainda hoje a politica mundial não os tem na devida conta. No Líbano os cristãos estão divididos no plano politico e confessional. No Egipto, o crescimento do Islão politico, dum lado e o desempenho, em parte forçado, dos cristãos em relação á sociedade civil expõem as suas vidas a serias dificuldades. Noutros países, o autoritarismo, isto é a ditadura, leva a população, inclusive os cristãos, a suportar tudo em silencio para salvar o essencial. Na Turquia, o conceito actual de laicidade cria ainda problemas á plena liberdade religiosa no País. Os cristãos são exortados a não descurar os seus empenhos na sociedade não obstante as tentações do desalento. No Oriente – salienta o documento de trabalho do próximo sínodo – liberdade de religião geralmente quer dizer liberdade de culto, portanto não liberdade de consciência, isto é a liberdade de acreditar ou não acreditar, de praticar uma religião sozinhos ou em público sem nenhum impedimento, e portanto liberdade de mudar de religião. No Oriente, a religião é em geral uma opção social e até mesmo nacional, não individual. Mudar de religião é considerado uma traição em relação á sociedade, à cultura e á Nação construída principalmente sobre uma tradição religiosa. Por isso a conversão á fé cristã é vista como fruto de um proselitismo interessado não de uma convicção religiosa autentica. Para os muçulmanos, ela é muitas vezes proibida pelas leis do estado.
O Segundo capitulo é dedicado á comunhão eclesial. O documento salienta que os fiéis do Médio Oriente estão conscientes do facto de que a comunhão cristã tem como fundamento o modelo da vida divina no Mistério da Santíssima Trindade. Deus é amor e as relações entre as pessoas divinas são relações de amor. Assim é necessário que no seio de cada Igreja, cada um dos seus membros viva a mesma comunhão da Santíssima Trindade. A vida da Igreja e das Igrejas do Oriente deve ser comunhão de vida no amor.
Para promover a unidade na diversidade é necessário superar o confessionalismo naquilo que pode ter de limitado ou exagerado, encorajar o espírito de cooperação entre as várias comunidades, coordenar a actividade pastoral e estimular a emulação espiritual e não a rivalidade.
Os cristãos são convidados a sentirem-se membros da Igreja Católica no Médio Oriente e não apenas membros de uma Igreja particular. Os ministros de Cristo e os consagrados são chamados a serem modelo e exemplo para os outros…….muitos fiéis por seu lado desejam uma maior simplicidade de vida, um desapego real em relação ao dinheiro e ás comodidades do mundo, uma pratica edificante da castidade e uma pureza de costumes transparente.
O Sínodo deve encorajar os fiéis a assumirem mais o seu papel de baptizados promovendo iniciativas pastorais, especialmente pelo que diz respeito ao empenho social, em comunhão com os pastores da Igreja.
O Terceiro capítulo enfrenta o tema do testemunho cristão. Reafirma-se antes de mais a importância da catequese para conhecer e transmitir a fé eliminando a distância entre a verdade que se crê e a viva vivida. Pelo que diz respeito á liturgia o documento salienta os votos de muitos de que se faça um esforço de renovação, que embora permaneça profundamente arreigado na tradição, tenha na devida conta a sensibilidade moderna e as necessidades espirituais e pastorais actuais.
Reafirma-se a urgência do ecumenismo superando preconceitos e desconfianças através do diálogo e da colaboração. São passadas em resenha as relações com o judaísmo que encontram no Concilio Vaticano II um ponto de referência fundamental. O diálogo com os hebreus é definido essencial, embora não seja fácil, ressentindo o conflito entre Israel e palestinianos. A Santa Sé deseja que os dois povos possam viver em paz numa pátria que seja deles, no interior de fronteiras seguras e internacionalmente reconhecidas. Reafirma-se a firme condenação do anti-semitismo sublinhando que as actuais atitudes negativas entre povos árabes e o povo judaico parecem ser sobretudo de carácter politico e portanto estranhos a qualquer discurso eclesial. Os cristãos são chamados s levar um espírito de reconciliação ao meio da realidade religiosa e política.
Também as relações da Igreja Católica com os muçulmanos têm fundamento no Concilio Vaticano II. São reafirmadas as palavras de Bento XVI:”o diálogo interreligioso e intercultural entre cristãos e muçulmanos não pode reduzir-se a uma opção ocasional. Ele é de facto uma necessidade vital, da qual depende em grande parte o nosso futuro. Salienta-se que é importante, por um lado manter diálogos bilaterais – com os judeus e com o Islão – e depois também o diálogo trilateral. As relações entre cristãos e muçulmanos são, não poucas vezes difíceis - salienta o documento de trabalho do Sínodo – sobretudo pelo facto de os muçulmanos não fazerem distinção entre religião e politica, facto que coloca os cristãos na situação delicada de não-cidadãos, quando eles são cidadãos destes países já muito antes da chegada do Islão.
A chave do sucesso da coexistência entre cristãos e muçulmanos depende do reconhecimento da liberdade religiosa e dos direitos do homem”…. Os cristãos são chamados a não se isolarem em ghetos, em atitudes defensivas, fechando-se em si mesmos, Muitos fiéis insistem no facto de que cristãos e muçulmanos são chamados a trabalhar juntos para promoverem a justiça social, a paz e a liberdade, e defender os direitos humanos e os valores da vida e da família .
Na situação conflitual da região os cristãos são exortados a promover a pedagogia da paz: trata-se de uma via realística embora corra o risco de ser recusada pela maioria.
O documento de trabalho do sínodo analisa também o forte impacto da modernidade que ao muçulmanos crente se apresenta com um rosto ateu e imoral. Ele vive-a como uma invasão cultural que o ameaça, perturbando o seu sistema de valores. A modernidade é contudo também luta pela justiça e a igualdade, defesa dos direitos.
O documento enfrenta depois o tema da evangelização numa sociedade muçulmana que pode verificar-se apenas através do testemunho; mas pede-se que ela seja garantida também por oportunas intervenções externas.
De qualquer maneira, a actividade caritativa das comunidades católicas em relação aos mais pobres e excluídos, sem descriminação, representa a maneira mais evidente, da difusão do ensinamento cristão. Tais serviços muitas vezes são assegurados apenas pelas instituições eclesiais.
Na conclusão, o documento de trabalho do próximo sínodo dos bispos sobre o Médio Oriente põe em realce a preocupação pelas dificuldades do momento presente, mas ao mesmo tempo a esperança fundada na fé cristã.
A história – lê-se – fez com que nos tornássemos um pequeno rebanho. Mas nós, com a nossa conduta, podemos voltar a ser uma presença que conta. Desde há decénios a não resolução do conflito, o não respeito do direito internacional e dos direitos humanos, e egoísmo das grandes potencias desestabilizaram o equilíbrio da região e impuseram ás populações uma violência que corre o risco de as lançar no desespero.
A consequência de tudo isto é a emigração, especialmente dos cristãos. Perante este desafio e sustentado pela comunidade cristã universal, o cristão do Médio Oriente é chamado a aceitar a própria vocação, ao serviço da sociedade. O convite aos crentes é que sejam testemunhas conscientes de que testemunhar a verdade pode levar a ser perseguidos.
Aos cristãos do Médio Oriente – conclui o documento de trabalho do Sínodo – pode-se repetir ainda hoje: “ não temeis, pequeno rebanho, tu tens uma missão, de ti dependerá o crescimento do teu País e a vitalidade da tua Igreja, e isto acontecerá somente com a paz, a justiça e a igualdade de todos os cidadãos”.
(Fonte: site Radio Vaticana)
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