Discurso do Santo Padre na assembleia-geral da Conferência episcopal italiana
Não se pode pensar em contrastar a crise económica, ignorando a "crise cultural e espiritual" que hoje em dia aflige a Itália, disse o Papa encontrando-se na manhã de 27 de Maio com os bispos italianos congregados por ocasião da sexagésima primeira assembleia-geral da Conferência episcopal. No início do encontro, realizado na Sala do Sínodo, o Sumo Pontífice foi homenageado em nome de todos os presentes pelo presidente da mesma Conferência, cardeal Angelo Bagnasco, e em seguida proferiu o seguinte discurso.
Venerados e estimados Irmãos!
No Evangelho proclamado no domingo passado, solenidade de Pentecostes, Jesus prometeu-nos: "O Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo quanto vos tenho dito" (Jo 14, 26). O Espírito Santo orienta a Igreja no mundo e na história. Graças a este dom do Ressuscitado, o Senhor permanece presente ao longo do transcorrer dos acontecimentos; é no Espírito que podemos reconhecer em Cristo o sentido das vicissitudes humanas. O Espírito Santo faz-nos Igreja, comunhão e comunidade incessantemente convocada, renovada e relançada rumo ao cumprimento do Reino de Deus. Na comunhão eclesial estão a raiz e a razão fundamental da vossa reunião e do meu renovado encontro convosco, com alegria, por ocasião desta assembleia anual; é a perspectiva com que vos exorto a enfrentar os temas do vosso trabalho, no qual sois chamados a reflectir acerca da vida e da renovação da acção pastoral da Igreja na Itália. Estou grato ao Cardeal Angelo Bagnasco pelas amáveis e intensas palavras que me dirigiu, fazendo-se intérprete dos vossos sentimentos: o Papa sabe que pode contar sempre com os Bispos italianos. Em vós, saúdo as comunidades diocesanas confiadas aos vossos cuidados, enquanto estendo o meu pensamento e a minha proximidade espiritual a todo o povo italiano.
Corroborados pelo Espírito, em continuidade com o caminho indicado pelo Concílio Vaticano II e, de maneira particular, com as orientações pastorais da década que acaba de terminar, preferistes assumir a educação como tema principal para os próximos dez anos. Tal horizonte temporal está proporcionado à radicalidade e à vastidão da exigência educativa. E parece-me necessário ir até às profundas raízes desta emergência para encontrar também as respostas adequadas a este desafio. Vejo sobretuto duas. Uma raiz essencial consiste parece-me num falso conceito de autonomia do homem: o homem deveria desenvolver-se unicamente por si mesmo, sem imposições da parte de terceiros, os quais poderiam contribuir para o seu autodesenvolvimento, mas sem entrar neste desenvolvimento. Na realidade, para a pessoa humana é essencial o facto de que só se torna ela mesma a partir do outro, o "eu" só se torna ele próprio a partir do "tu" e do "vós", é criado para o diálogo, para a comunhão sincrónica e diacrónica. E só o encontro com o "tu" e com o "nós" abre o "eu" a si mesmo. Por isso, a chamada educação antiautoritária não é educação, mas sim renúncia à educação: assim, não se compreende em que medida devemos dar aos outros, ou seja o "tu" e o "nós" em que o "eu" se abre a si mesmo. Por conseguinte, um primeiro ponto parece-me este: superar esta falsa ideia de autonomia do homem, como um "eu" completo em si próprio, enquanto se torna "eu" também no encontro colectivo com o "tu" e com o "nós".
Vejo a outra raiz da emergência educativa no cepticismo e no relativismo ou, com palavras mais simples e claras, na exclusão das duas fontes que orientam o caminho humano. A primeira fonte deveria ser a natureza segundo a Revelação. No entanto, hoje a natureza é considerada algo puramente mecânico, portanto que não contém em si qualquer imperativo moral, nem uma orientação como valor: é algo puramente mecânico, e portanto do próprio ser não promana qualquer orientação. A Revelação é considerada como um momento do desenvolvimento histórico, portanto relativo como todo o desenvolvimento histórico e cultural, ou afirma-se talvez haja a Revelação, mas não compreende conteúdos, apenas motivações. E se estas duas fontes, a natureza e a Revelação, se calarem, também a terceira fonte, a história, deixará de falar, porque inclusive a história se tornará apenas um aglomerado de decisões culturais, ocasionais e arbitrárias, que não valem para o presente e para o futuro. Por conseguinte, é fundamental voltar a encontrar um conceito verdadeiro da natureza, como criação de Deus que nos fala; através do livro da criação, o Criador fala-nos e indica-nos os valores autênticos. E depois, assim, encontrar de novo também a Revelação: reconhecer que o livro da criação, no qual Deus nos dá as orientações fundamentais, é decifrado na Revelação, é aplicado e feito próprio na história cultural e religiosa, não sem erros, mas de uma maneira substancialmente válida, a desenvolver e purificar sempre de novo. Deste modo, em tal "concerto" por assim dizer entre criação decifrada na Revelação, concretizada na história cultural que sempre progride e na qual nós encontramos cada vez mais a linguagem de Deus, apresentam-se também as indicações para uma educação que não é imposição, mas realmente abertura do "eu" ao "tu", ao "nós" e ao "Tu" de Deus.
Portanto, as dificuldades são enormes: encontrar as fontes, a linguagem das fontes mas, embora conscientes do peso destas dificuldades, não podemos ceder à desconfiança nem à resignação. Educar nunca foi fácil, mas não devemos render-nos: não cumpriríamos o mandato que o próprio Senhor nos confiou, chamando-nos a apascentar o seu rebanho com amor. Pelo contrário, despertemos nas nossas comunidades aquela paixão educativa, que é uma paixão do "eu" pelo "tu", pelo "nós", por Deus, e que não se resolve numa didáctica, num conjunto de técnicas e nem sequer na transmissão de princípios áridos. Educar é formar as novas gerações, para que saibam entrar em relacionamento com o mundo, fortalecidos por uma memória significativa que não é apenas ocasional, mas corroborada pela linguagem de Deus, que encontramos na natureza e na Revelação, de um património interior compartilhado, da verdadeira sabedoria que, enquanto reconhece o fim transcendente da vida, orienta o pensamento, os afectos e o juízo.
Os jovens têm sede no seu coração, e esta sede é uma exigência de significado e de relacionamentos humanos autênticos, que ajudem a não se sentir abandonados perante os desafios da vida. Trata-se do desejo de um futuro, tornado menos incerto por uma companhia segura e confiável, que se aproxima de cada um com delicadeza e respeito, propondo valores sólidos a partir dos quais crescer rumo a metas elevadas, mas alcançáveis. A nossa resposta é o anúncio do Deus amigo do homem, que em Jesus se fez próximo de cada um. A transmissão da fé faz parte irrenunciável da formação integral da pessoa, porque em Jesus Cristo se realiza o programa de uma vida bem sucedida: como ensina o Concílio Vaticano II, "aquele que segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se também ele mais homem" (Gaudium et spes, 41). O encontro pessoal com Jesus é a chave para intuir a relevância de Deus na existência quotidiana, o segredo para a viver na caridade fraterna, que é a condição para se erguer sempre das quedas e para caminhar rumo à conversão constante.
A tarefa educativa, que assumistes como prioritária, valoriza sinais e tradições, das quais a Itália é muito rica. Ela tem necessidade de lugares credíveis: em primeiro lugar a família, com o seu papel peculiar e irrenunciável; a escola, horizonte comum para além das opções ideológicas, a paróquia, "chafariz da aldeia", lugar e experiência que introduz a fé no tecido dos relacionamentos quotidianos. Em cada um destes âmbitos, permanece decisiva a qualidade do testemunho, caminho privilegiado da missão eclesial. Com efeito, o acolhimento da proposta cristã passa através dos relacionamentos de proximidade, lealdade e confiança. Numa época em que a grande tradição do passado corre o risco de permanecer letra morta, somos chamados a aproximar-nos de cada um com disponibilidade sempre nova, acompanhando-o ao longo do caminho de descoberta e assimilação pessoal da verdade. E agindo assim, também nós podemos redescobrir de modo novo as realidades fundamentais.
A vontade de promover uma renovada estação de evangelização não esconde as feridas que têm marcado a comunidade eclesial, devido à debilidade e ao pecado de alguns dos seus membros. Porém, esta admissão humilde e dolorosa não deve fazer esquecer o serviço gratuito e apaixonado de numerosos fiéis, a começar pelos sacerdotes. O Ano especial que lhes foi dedicado quis constituir uma oportunidade para promover a sua renovação interior, como condição para um compromisso evangélico e ministerial mais incisivo. Ao mesmo tempo, ajuda-nos também a reconhecer o testemunho de santidade de quantos a exemplo do Cura d'Ars se prodigalizam sem reservas para educar na esperança, na fé e na caridade. Nesta luz, aquilo que é motivo de escândalo deve traduzir-se para nós em exortação a uma "profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação e de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade da justiça" (Bento XVI, Entrevista aos jornalistas durante o voo rumo a Portugal, 11 de Maio de 2010).
Caros Irmãos, encorajo-vos a percorrer sem hesitações o caminho do compromisso educativo. O Espírito Santo vos ajude a nunca perder a confiança nos jovens, vos incentive a ir ao seu encontro, vos leve a frequentar os seus ambientes de vida, inclusive aquele constituído pelas novas tecnologias de comunicação, que já permeiam a cultura em todas as suas expressões. Não se trata de adaptar o Evangelho ao mundo, mas de haurir do Evangelho aquela novidade perene, que permite encontrar em todas as épocas as formas adequadas para anunciar a Palavra que não passa, fecundando e servindo a existência humana. Por conseguinte, voltemos a propor aos jovens a medida alta e transcendente da vida, entendida como vocação: chamados à vida consagrada, ao sacerdócio e ao matrimónio, que eles saibam responder com generosidade ao apelo do Senhor, porque somente assim poderão compreender aquilo que é essencial para cada um. A fronteira educativa constitui o lugar para uma ampla convergência de intenções: efectivamente, a formação das novas gerações não pode deixar de estar a peito de todos os homens de boa vontade, interpelando a capacidade da sociedade inteira de assegurar referências confiáveis para o desenvolvimento harmonioso das pessoas.
Também na Itália, a época presente está caracterizada por uma incerteza acerca dos valores, evidente na dificuldade com que muitos adultos conseguem cumprir os compromissos assumidos: isto é sinal de uma crise cultural e espiritual, tão grave quanto a económica. Seria ilusório gostaria de salientá-lo pensar em contrastar uma, ignorando a outra. Por este motivo, enquanto renovo o apelo aos responsáveis do Estado e aos empresários, a fazerem quanto estiver ao seu alcance das suas possibilidades para debelar os efeitos da crise de emprego, exorto todos a reflectirem sobre os pressupostos de uma vida recta e significativa, os quais fundamentam a única autoridade que educa e volta às verdadeiras nascentes dos valores. Com efeito, a Igreja tem a peito o bem comum, que nos compromete a partilhar recursos económicos e intelectuais, morais e espirituais, aprendendo a enfrentar em conjunto, num contexto de reciprocidade, os problemas e os desafios do país. Esta perspectiva, amplamente desenvolvida no vosso recente documento sobre Igreja e Sul, será ulteriormente aprofundada na próxima Semana social dos católicos italianos, prevista para o mês de Outubro em Régio da Calábria onde, juntamente com as melhores forças leigas católicas, vos comprometereis em definir uma agenda de esperança para a Itália, para que "as exigências da justiça se tornem compreensíveis e politicamente realizáveis" (Encíclica Deus caritas est, 28). Prezados coirmãos, o vosso ministério e a vivacidade das comunidades diocesanas por vós guiadas são a melhor garantia de que a Igreja continuará a oferecer responsavelmente a sua contribuição para a prosperidade social e moral da Itália.
Chamado pela graça a ser Pastor da Igreja universal e da esplêndida Cidade de Roma, trago constantemente comigo as vossas preocupações e as vossas expectativas, que nos dias passados depositei com aquelas da humanidade inteira aos pés de Nossa Senhora de Fátima. Dirijamos-lhe a nossa oração: "Virgem Mãe de Deus e nossa caríssima Mãe, que a vossa presença faça reflorescer o deserto das nossas solidões e brilhar o sol sobre as nossas trevas, faça voltar a calma depois da tempestade, para que todo o homem veja a salvação do Senhor, que tem o nome e o rosto de Jesus, reflectida nos nossos corações, para sempre unidos ao vosso. Assim seja!" (Fátima, 12 de Maio de 2010).
Agradeço-vos e abençoo-vos de coração.
(© L'Osservatore Romano - 5 de junho de 2010)
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