Um turismo organizado de uma maneira apropriada e um importante recurso de desenvolvimento e bem estar para muitas populações. Mas o seu impacto sobre as zonas interessadas pode causar também graves prejuízos de tipo ambiental e por isso, o turismo não pode eximir-se de defender a biodiversidade. É o que afirmam os responsáveis do Conselho Pontifício da pastoral para os migrantes e itinerantes na mensagem para o dia mundial do turismo de 2010 que será celebrado a 27 de Setembro.
Com o tema “Turismo e biodiversidade”, proposto pela competente Organização Mundial, o Dia Mundial do Turismo quer oferecer sua contribuição a este 2010, declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas “Ano Internacional da Diversidade Biológica”.
Tal proclamação nasce da profunda preocupação “pelas repercussões sociais, económicas, ambientais e culturais da perda da diversidade biológica, incluídas as consequências adversas que entranha para a consecução dos objectivos de desenvolvimento do Milénio, e destacando a necessidade de adoptar medidas concretas para inverter esta perda”.
A biodiversidade, ou diversidade biológica, faz referência à grande riqueza de seres que vivem na Terra, assim como ao delicado equilíbrio de interdependência e interacção que existe entre eles e com o meio físico que os acolhe e condiciona. Esta biodiversidade se traduz nos diferentes ecossistemas, dos quais são um bom exemplo os bosques, os pantanais, as savanas, as selvas, o deserto, os recifes de corais, as montanhas, os mares, ou as zonas polares.
Perante isto colocam-se três grandes perigos, que requerem uma solução urgente: a mudança climática, a desertificação e a perda da biodiversidade. Esta última está se desenvolvendo nos últimos anos a um ritmo sem precedentes. Estudos recentes indicam que, a nível mundial, estão ameaçados ou em perigo de extinção 22% dos mamíferos, 31% dos anfíbios, 13.6% das aves e 27% dos recifes.
Existem numerosos sectores de actividade humana que contribuem grandemente a estas mudanças, e um deles é, sem dúvida alguma, o turismo, o qual se situa entre os que têm experimentado um maior e rápido crescimento. A este respeito, podemos recordar os números que nos são apresentados pela Organização Mundial do Turismo (OMT). Os turistas internacionais foram de 534 milhões em 1995, e 682 milhões em 2000 e as previsões que apareciam no relatório Turism 2020 Vision são de 1006 milhões para o ano de 2010, e que chegariam a 1561 milhões em 2020, com um crescimento médio anual de 4.1%. E a estas cifras do turismo internacional ter-se-ia que acrescentar as mais importantes do turismo interno. Tudo isto nos mostra o forte crescimento deste sector económico, o que comporta alguns importantes efeitos na conservação e uso sustentável da biodiversidade, com o consequente perigo de que se transforme num sério impacto meio ambiental, especialmente pelo consumo desmedido de recursos limitados (como a água potável e o território) e pela grande geração de contaminação e resíduos, superando as quantidades que seriam assumíveis por uma determinada zona.
A situação agrava-se pelo facto de que a procura turística se dirige cada vez mais aos destinos da natureza, atraída pelas suas inumeráveis belezas, o que supõe um impacto importante nas populações locais, na sua economia, no seu meio ambiente e no património cultural. Este facto pode ser um elemento prejudicial ou, ao contrário, contribuir significativamente e em modo positivo à conservação do património. O turismo vive assim um paradoxo. Se por um lado surge e cresce graças à atracção de paisagens naturais e culturais, por outro lado estes podem chegar a ser deteriorados e inclusive destruídos pelo mesmo turismo, o que significa ser rejeitados como destinos e não gozar da atracção que era na origem.
Por tudo isso, devemos afirmar que o turismo não pode eximir-se de sua responsabilidade na defesa da biodiversidade, pelo contrário, deve assumir um papel activo na mesma. O desenvolvimento deste sector económico deverá ser acompanhado inevitavelmente dos princípios de sustentabilidade e respeito à diversidade biológica.
De tudo isto se preocupou seriamente a comunidade internacional, e sobre o tema realizaram-se reiteradas declarações. A Igreja quer juntar a sua voz, a partir do espaço que lhe é próprio, partindo da convicção que ela mesma “sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também na esfera pública. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar, como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo”. Embora evitando de intervir sobre soluções técnicas concretas, a Igreja, preocupa-se em chamar a atenção para a relação entre o Criador, o ser humano e a criação. O Magistério reitera insistentemente a responsabilidade do ser humano na preservação de um ambiente integro e sadio para todos, a partir do convencimento que “a tutela do ambiente constitui um desafio para toda a humanidade: trata-se do dever, comum e universal, de respeitar um bem colectivo”.
Como foi indicado pelo Papa Bento XVI na sua encíclica Caritas in veritate, “o crente reconhece o resultado maravilhoso da intervenção criadora de Deus, de que o homem se pode responsavelmente servir para satisfazer as suas legítimas exigências — materiais e imateriais — no respeito dos equilíbrios intrínsecos da própria criação”, e cujo uso representa para nós “uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira”. Por isso, o turismo deve respeitar o meio ambiente, procurando alcançar uma perfeita harmonia com a Criação, de modo que, garantindo a sustentabilidade dos recursos de que depende, não origine irreversíveis transformações ecológicas.
O contacto com a natureza é importante e, portanto, o turismo deve esforçar-se para respeitar e valorizar a beleza da criação, a partir do convencimento de que “muitos encontram tranquilidade e paz, sentem-se renovados e revigorados quando entram em contacto directo com a beleza e a harmonia da natureza. Existe aqui uma espécie de reciprocidade: quando cuidamos da criação, constatamos que Deus, através da criação, cuida de nós”.
Todavia há um elemento que torna ainda mais exigente este esforço, isto é, na sua busca de Deus, o ser humano descobre algumas vias para aproximar-se ao Mistério, que tem como ponto de partida a criação. A natureza e a diversidade biológica falam-nos do Deus Criador, o qual se faz presente na sua criação, “de facto, partindo da grandeza e beleza das criaturas, pode-se chegar a ver, por analogia, o seu criador” (Sb 13,5), “pois foi o Principio e Autor da beleza quem as criou” (Sb 13, 3). É por isso que o mundo na sua diversidade, “oferece-se ao olhar do homem como rasto de Deus, lugar no qual se desvela a sua força criadora, providente e redentora”. Por este motivo, o turismo, aproximando-se à criação em toda a sua variedade e riqueza, pode ser ocasião para promover ou acrescentar a experiência religiosa.
É urgente e necessário encontrar um equilíbrio entre o turismo e a biodiversidade biológica, em que ambos se apoiem mutuamente, de modo que desenvolvimento económico e protecção do ambiente não apareçam como elementos opostos e incompatíveis, mas tenda a conciliar as exigências de ambos.
Os esforços de proteger e promover a diversidade biológica na sua relação com o turismo passam, em primeiro lugar, por desenvolver estratégias participativas e partilhadas, nas quais se comprometem os diversos sectores envolvidos. A maioria dos governos, instituições internacionais, associações profissionais do sector turístico e organizações não governamentais defendem, com uma visão a longo prazo, a necessidade de um turismo sustentável, como única forma possível para que o seu desenvolvimento seja ao tempo economicamente rentável, proteja os recursos naturais e culturais, e sirva de ajuda real na luta contra a pobreza.
As autoridades públicas devem oferecer uma legislação clara, que proteja e potencie a biodiversidade, reforçando os benefícios e reduzindo os custos do turismo, e também vigiar para o cumprimento das normas. Para que isto aconteça devem prever certamente um importante investimento em planeamento e em educação. Os esforços governamentais deverão ser maiores nos lugares mais vulneráveis e onde a degradação tenha sido maior. Quiçá em alguns deles, o turismo deveria ser restrito ou, até mesmo evitado.
Pede-se ao sector empresarial do turismo de “planear, desenvolver e conduzir seus empreendimentos minimizando impactos e contribuindo para a conservação de ecossistemas sensíveis, do meio ambiente em geral e levando benefícios às comunidades locais e indígenas. Por isso, seria conveniente realizar estudos prévios da sustentabilidade de cada produto turístico, evidenciando os aportes positivos reais com os riscos potenciais, a partir da convicção de que o sector não pode buscar o objectivo do máximo benefício a qualquer custo.
Finalmente, os turistas devem estar conscientes de que a sua presença em alguns lugares nem sempre é positiva. Com este fim, devem ser informados sobre os benefícios reais que comporta a conservação da biodiversidade, e ser educados em modo compatível ao turismo sustentável. Assim mesmo deveriam reclamar às empresas turísticas propostas que contribuam realmente ao desenvolvimento do lugar. Em nenhum caso, nem o território nem o património histórico-cultural dos destinos devem sair prejudicados em favor do turista, adaptando-se aos seus gostos e desejos. Um esforço importante, que de modo especial deve realizar a pastoral do turismo, é a educação à contemplação, que facilite aos turistas descobrir os rastos de Deus na grande riqueza da biodiversidade.
Assim, graças a um turismo que se desenvolve em harmonia com a criação, facilitar-se-á no coração do turista o louvor do salmista: “ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso teu nome em toda a terra!” (Sal 8,2).
Cidade do Vaticano, 24 de Junho de 2010
(Fonte: site Radio Vaticana com adaptação do português do Brasil para o de Portugal de JPR)
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