Passando os olhos pelos jornais, paro na leitura de uma importante notícia. Como disse ao país o senhor presidente da República em comunicação recente, vivemos um momento muito difícil, estamos em crise, o desemprego bate na casa de muitos portugueses pelo que é necessário concentrarmo-nos no essencial. Leio então os jornais e revistas, diários e semanários, passo à frente o futebol, para encontrar as acções governamentais que me devolvam a esperança e a certeza de que virão melhores dias.
Subitamente paro e concentro-me a ler a notícia do que anda fazendo a ministra da Cultura de Portugal. Não queria acreditar. Percebo que posou para uma sessão de fotografias para uma prestigiada revista de moda. Estranha coisa. Mas leio mais. Leio que vestiu Yves Saint Laurent, usou colar da Chanel, e não só: vestiu também um top preto da Prada e calças de Filipe Faísca...
Assaltam-me dúvidas! A primeira: por que não vestiram à ministra Armani? Francamente, ou a revista discriminou a Armani, ou a Armani não fez um vestido para a ministra porque só publicita o seu vestuário em modelos profissionais. Acho grave porque a Armani é indispensável numa sessão dessas. Será certamente em consequência da crise que só vestiram a senhora de Chanel, YSL e Prada? Por aqui se pode avaliar como a crise está mesmo dura pelo que não admira que o desemprego afecte as famílias e os reformados não tenham dinheiro, pois se até a Armani é assim posta de lado. E a Zara? Já não falo da Maconde que tem vivido momentos difíceis como se sabe pelos seus trabalhadores e muito menos dos tops made in Feira do Relógio - estes impensáveis porque seria certamente contrafacção. A notícia não deixa dúvidas. A ministra não foi vestida pelos vendedores da feira de Espinho.
Esclarecido este ponto, continuo a ler a informação importante que encontrei sem especial esforço. Informam-me que, qual modelo profissional, ou talvez, penso eu, em mero resultado da crise, na preparação da sessão fotográfica no seu gabinete, a ministra só comeu uma sopa e um prato de salada. Nem Armani nem bife. Alface, sopa e Chanel…
A ministra da Cultura do meu país, com um enorme sentido de poupança e exemplo de moderação, posou para a Vogue Portugal, no seu gabinete oficial, mas só comeu sopa e alface. Lamentavelmente, neste caso, não dizem a marca da sopa, nem da alface. Seria Modelo ou Pingo Doce? Só dizem a marca dos vestidos, das calças e do colar. Chegada aqui a minha leitura concentrada na importante notícia da política cultural, porque não me passa pela cabeça que a senhora ministra não estivesse a trabalhar no seu gabinete ao posar para a revista, e as marcas de roupa são um patrocínio certamente à acção cultural do Ministério, começo a imaginar para quem reverterão os vestidos e a receita da campanha publicitária "vestida por": para um filme, um novo autor, um grupo de teatro. Não, não se trata certamente de uma feira de vaidades, mas, sim, de uma forma imaginativa de mecenato cultural.
Repentinamente, dou por mim a meditar na frase portuguesa que mais se ouve por aí. Mas afinal que mal tem isso? É ilegal? Não deve ser de certeza e pouso os olhos na fotografia e até reconheço que o vestido e o colar são bonitos e as chaises do Ministério também.
Começo, porém, a imaginar o que diriam os agentes culturais da Esquerda bem pensante se a ministra não fosse de um governo socialista e de uma Esquerda que acha que está acima de qualquer julgamento ético e que tudo lhe é permitido sem o mínimo sentido crítico.
Mas a ministra da Cultura do meu país servir de modelo ao comércio de marcas de roupa é ético? É para isso que estão nos cargos de maior responsabilidade política do país? Um gabinete ministerial pode ou deve ser usado para esses fins? É isso que se espera de quem está à frente da Cultura em Portugal? Como vão longe as ideias, certamente antiquadas de que ser ministro é um cargo de responsabilidade, que se trata de um serviço aos outros, de uma missão, de trabalho para o bem comum, de serviço aos portugueses e, muito particularmente, aos mais necessitados para que tenham acesso aos benefícios da Cultura. E confesso que senti pena e vergonha deste pobre país.
Zita Seabra
(Fonte: JN online)
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