Como transmitir a mensagem cristã numa sociedade pós-moderna, caracterizada por uma pluralidade de visões do mundo e uma crescente ignorância religiosa? Para Jutta Burggraf, professora de Teologia Dogmática na Universidade de Navarra, é preciso assumir as necessidades e as esperanças dos homens e mulheres contemporâneos.
Como tantos outros pensadores actuais, Burggraf considera que estamos numa época de mudança. A expressão "sociedade pós-moderna" indica o final de uma etapa -a modernidade - e o início de outra que ainda não conhecemos.
Nesta situação de mudança, de pouco serve movimentar-se com a mentalidade própria de tempos passados. "Actualmente, uma pessoa apreende os diversos acontecimentos do mundo de uma outra forma em relação às gerações anteriores, e também reage afectivamente de outra maneira", diz Burggraf.
Isto exige, na sua opinião, descobrir um novo modo de falar e de actuar que insista mais na autenticidade. Um cristão converte-se num testemunho credível quando vive a sua fé com alegria e, ao mesmo tempo, partilha com os outros as dificuldades que encontra no seu caminho.
Por outro lado, acrescenta Burggraf, a mudança cultural a que assistimos não pode levar os cristãos a lamentarem-se ou a encerrarem-se num gueto. "Quem quer influir no presente, tem de amar o mundo em que vive. Não deve olhar para o passado com nostalgia e resignação, mas sim adoptar uma atitude positiva perante o momento histórico concreto".
Identidade e diálogo
- Num congresso realizado há pouco em Roma defendia-se a ideia de que afirmar a identidade cristã própria enriquece o diálogo, na medida em que contribui para esclarecer as diversas posições. Mas também há lugar para outra leitura menos optimista: se reafirmar demasiado as minhas convicções, não existirá o risco de me fechar aos outros ou, pelo menos, de os ouvir com menos interesse?
- Sim, este risco existe. Mas então não seria uma autêntica identidade cristã. Quanto mais cristãos somos, mais nos abrimos aos outros. Esta é a dinâmica do cristianismo: sair de si próprio para se entregar ao outro. A identidade cristã leva-nos a dialogar com todos, estejam ou não de acordo com a nossa maneira de pensar ou o nosso estilo de vida. Nesse diálogo, o cristão pode enriquecer-se com a parte de verdade que vem do outro, e aprender a integrá-la harmoniosamente na sua visão do mundo.
Ora, esta atitude de abertura aos outros exige assumir com clareza a identidade cristã própria. Porque caso contrário, pode-se ficar exposto às modas e acabar por procurar não o verdadeiro, mas o apetecível: aquilo de que gosto e me serve. Por outro lado, sem essa sólida identidade cristã faríamos um fraco favor aos outros: ficaríamos sem respostas para as suas interrogações, e não poderíamos dar-lhes algo da luz do cristianismo.
Tem interesse a linguagem não verbal
- Que características deveria ter o diálogo entre duas pessoas com diferentes visões sobre o mundo, para não cair na indiferença olímpica?
- Parece-me fundamental ouvir o outro com uma atitude aberta e, ao mesmo tempo, com muita actividade interior. Ouvir os outros não é assim tão simples: exige colocar-se no lugar do outro e tentar ver o mundo com os seus olhos. Se ambos tiverem essa atitude, nunca haverá um vencedor e um vencido, mas duas pessoas (con)vencidas pela verdade.
Logicamente, isto só é possível num clima de amizade e de benevolência. Cada um tem de captar o que há de bom no outro, como aconselha um refrão popular: "Se queres que os outros sejam bons, trata-os como se já fossem". Onde reina o amor, não é preciso fechar-se por medo de ser ferido. Daí ser tão importante mostrar simpatia e carinho ao falar com os outros.
Existe uma linguagem não verbal, que substitui ou acompanha as nossas palavras. É o clima que criamos à nossa volta, normalmente através de coisas muito simples como, por exemplo, um sorriso cordial ou um olhar de apreço.
Mas o carinho tem de ser real. Não basta sorrir e ter uma aparência agradável. Se queremos tocar no coração dos outros, temos de mudar primeiro o nosso próprio coração. Uma pessoa percebe quando não é bem-vinda, por muito que lhe sorriam.
O ambiente actual
- Os sociólogos Alain Touraine e Zygmunt Bauman, recentemente galardoados com o prémio Príncipe das Astúrias, há algum tempo que falam sobre o fim da modernidade. O que é que mudou no modo de pensar e de sentir do homem de hoje?
- A modernidade dava por adquirido que a vida é um progresso contínuo. Hoje, após o eclipse das grandes narrativas políticas e sociais do século XX, somos mais cépticos. Caminhamos sem rumo fixo. A esta falta de orientação acrescenta-se muitas vezes a solidão. Por isso não é estranho que se queira alcançar a felicidade no prazer imediato, ou talvez no aplauso. Se alguém não é amado, pelo menos quer ser louvado.
Simultaneamente, podemos descobrir uma verdadeira "sede de interioridade", tanto na literatura como na arte, na música ou no cinema. Há cada vez mais pessoas a procurarem uma experiência de silêncio e de contemplação.
Outro aspecto característico da modernidade era a confiança excessiva na razão. Hoje, pelo contrário, sabemos que o racionalismo fechado nos leva a perspectivas erradas. O problema é que agora passámos para o extremo contrário: a aposta excessiva na afectividade, no sentimentalismo. O desafio actual é chegar a uma visão mais harmoniosa do homem, que integre a razão, a vontade e os sentimentos.
Ir ao essencial
- Como falar de Deus às pessoas neste contexto menos racionalista e mais emotivo que acabou de descrever?
- Penso que a transmissão da fé na sociedade actual é possível se os cristãos viverem como testemunhas em vez de como mestres, ou como mestres-testemunhas. Isto exige utilizar uma linguagem pessoal, mais persuasiva. Trata-se de interiorizar essa grande verdade que Bento XVI nos tem vindo a repetir constantemente: "Deus é amor".
Talvez noutras épocas, esta ideia tenha podido soar-nos como demasiado romântica. Mas hoje temos de a redescobrir e entender o que significa, porque toda a mensagem cristã tem que ver com o amor. O Papa ensina-nos a concentrar-nos no essencial: descobrir a beleza e a profundidade da fé.
Não nos podemos deixar apanhar nas controvérsias que continuamente a opinião pública levanta. Claro que as questões morais são importantes, mas se não se conseguir entender bem o fundamento - Deus é amor - muito menos se compreenderá a resposta da Igreja para certos problemas morais.
Antes de nos deixarmos enredar em questões controversas, devemos mostrar às pessoas o atractivo das verdades cristãs (a revelação de Deus, a salvação, a liberdade da fé...) e, somente depois, poderemos propor-lhes uma mudança de comportamento.
Uma fé mais acolhedora
- Em sociedades pluralistas como a nossa, já não se aceita que alguém possa estar na posse da verdade. Significa isto que a firmeza de convicções conduz necessariamente à arrogância extrema?
- A firmeza de convicções não se encontra em conflito com a humildade nem com a abertura da mente, necessárias para um autêntico diálogo com os outros. Embora possamos afirmar que a Igreja Católica tem a plenitude da verdade, eu - como crente - pessoalmente não a tenho. Ou, melhor, tenho-a de forma implícita quando faço um acto de fé e participo da plenitude da Igreja.
Mas, como na minha vida quotidiana não cheguei a essa plenitude, os outros podem sempre ensinar-me alguma coisa. Posso aprender com todos - crentes ou não -, sem perder a minha própria identidade. Além disso, conhecer os pontos de vista dos outros pode servir-me para rever algumas ideias próprias que talvez se tenham tornado demasiado rígidas.
Há pessoas que têm uma forte identidade cristã e, no entanto, não convencem ninguém. Quando alguma pessoa se mostra demasiado segura, em geral costuma despertar rejeição. Já não se aceita que alguém fale "a partir de cima" ao comum dos mortais, como se fosse o único portador da verdade.
O que mais atrai nos nossos dias não é a segurança, mas a sinceridade: explicar aos outros as razões que nos levam a acreditar e, ao mesmo tempo, falar-lhes também das nossas dúvidas e incertezas. Trata-se de se colocar ao lado do outro e procurar a verdade juntamente com ele. Certamente, posso dar-lhes muito se tiver fé; mas os outros também podem ensinar-me muito.
Como pode alguém compreender e consolar os outros se nunca foi arrasado pela tristeza? Há pessoas que, depois de sofrerem muito, se tornaram compreensivas, cordiais e sensíveis à dor alheia. Numa palavra, aprenderam a amar. Desta forma, a fé torna-se mais acolhedora.
Juan Meseguer
Aceprensa
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