O primeiro-ministro grego reconheceu há dias que muitas das medidas impostas para reduzir o défice das contas públicas da Grécia são"injustas e desiguais", mas não havia tempo a perder para evitar a falência do país. Algo de semelhante poderá ser dito quanto às medidas de austeridade tomadas em Portugal, com o apoio pontual do maior partido da oposição, o PSD.
É o caso, nomeadamente, dos aumentos de impostos. O IVA é um imposto que arrecada muita receita fiscal; e uma alteração na sua taxa reflecte-se a curto prazo no dinheiro que entra nos cofres do Estado - ao contrário do IRS e do IRC, boa parte da receita dos quais só será cobrada em 2011.
Ora o IVA é um imposto pago, à mesma taxa, tanto pelo rico como pelo pobre. Nessa perspectiva é injusto. E a taxa mais baixa do IVA, 5 por cento, também foi agora aumentada de um ponto percentual, tal como as outras taxas. A taxa reduzida incide sobre bens de primeira necessidade (além de outros, como a coca-cola...), pelo que as pessoas e as famílias de mais baixos recursos sofrerão uma sobrecarga fiscal que teria sido de justiça evitar.
A austeridade agora decretada envolve sobretudo agravamento de impostos. O corte na despesa deveria ter maior peso. Mas tal apenas seria possível em escala significativa se, antes, tivesse havido uma redefinição das funções do Estado, coisa a que o actual Governo sempre se mostrou alérgico.
Há também reduções e limitações nos gastos sociais. Em tempo de forte desemprego cortar na despesa social não será o mais o mais adequado nem o mais justo. Mas, dado o carácter de urgência da redução do défice orçamental português, como única maneira de transmitir confiança aos mercados de que Portugal pagará as suas dívidas, não parece realista ter seguido por outros caminhos, eventualmente mais justos.
Claro que os atingidos pela austeridade não tiveram responsabilidade na crise. Ou melhor - nem todos tiveram. Porque é um facto que os portugueses, no seu conjunto, gastam mais de 10 por cento acima daquilo que produzem. Não é possível continuar assim, financiando a diferença com crédito concedido por estrangeiros. Este é o grande problema nacional, que o Governo subestimou ou não quis enfrentar.
Acontece que os credores estrangeiros, a certa altura, dão-se conta de que se arriscam a não receber o seu dinheiro, porque Portugal não tem sido capaz de equilibrar a suas contas. Equilibrar as contas do Estado e, porventura mais importante, as contas com o estrangeiro.
Aliás, mais de dois terços da dívida do Estado português é detida por estrangeiros. Só agora veio o Governo anunciar o lançamento de obrigações do Estado destinadas à subscrição por particulares nacionais, com juros menos baixos do que os dos certificados de aforro. É uma medida que vai no sentido certo, uma vez que a poupança das famílias baixou muito nos últimos anos (mais recentemente começou a recuperar, porque as pessoas agem racionalmente e perceberam que os próximos tempos serão difíceis).
Em boa parte, o facto de vivermos acima das nossas possibilidades não é apenas culpa de governantes irresponsáveis, que promoveram um optimismo económico desajustado da realidade, ou dos banqueiros que facilitaram o crédito a quem tinha e a quem não tinha meios para o pagar. Muito do excessivo endividamento das famílias tem a ver com compras feitas numa onda de consumismo, estimulada pela publicidade e pela ideia de que certos bens (o automóvel, por exemplo) são indispensáveis porque marcam o status social da pessoa.
Temos, agora, que baixar de nível de vida. Para uns, tal não representará um grande sacrifício visto que partem de um alto nível de rendimentos. Para a chamada classe média será uma situação complicada, sobretudo para aqueles que recentemente se sentiram promovidos a um novo e superior estrato social.
Mas o apertar do cinto poderá ser dramático para quem já esgotou os furos - para os mais pobres e os mais vulneráveis. É para esses que terá de ir, prioritariamente, a nossa solidariedade. A nossa solidariedade colectiva, através do Estado e de outras instituições, públicas e privadas. E a nossa solidariedade pessoal.
Francisco Sarsfield Cabral
Aceprensa
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