A proliferação dos e-readers, ou leitores de livros electrónicos, leva-nos a questionar qual será o futuro dos livros em papel e que mudanças se produzirão nos hábitos de leitura e nos leitores do futuro.
Provavelmente não haverá uma "revolução": os livros electrónicos não conseguirão pôr a ler aqueles que, por hábito, não o fazem. Para os bons leitores, pelo contrário, a literatura digital é uma bênção, porque lhes dá mais opções e maiores facilidades, com menor custo.
Quem é leitor, porá em causa se vai comprar ou não um e-reader e, em caso afirmativo, qual dos modelos que existem no mercado. Tudo depende do perfil de cada utilizador. Por isso, nos parágrafos seguintes, referir-me-ei àquilo que conheço em primeira mão: a minha condição de utilizador do Kindle e os motivos particulares que me levaram para o comprar.
Com a edição electrónica, livros valiosos que não são grandes êxitos, poderão chegar melhor ao seu grupo concreto de leitores; também assim não se perde o acesso a livros que, de outra forma, seria necessário retirar do mercado por se venderem pouco
Virtudes do Kindle
A vantagem do Kindle - o seu verdadeiro valor acrescentado, apesar das restrições de uso sobre os livros que o seu formato específico impõe - é a sua ligação directa com a Amazon. Para quem como eu adquire, todos os anos, alguns livros nessa livraria, tal facto traz consigo a comodidade de compra, a poupança em despesas de expedição e, nalguns casos, uma boa diferença de preço relativamente às edições em papel. Resumindo, é mais barato que outros modelos.
Também devo acrescentar que não o teria comprado, nem esse nem nenhum outro e-reader, se pensasse ler somente livros em castelhano, que já tenho à mão em bibliotecas ou em livrarias, e aqueles que me poderiam interessar e dos quais não existe ainda quantidade suficiente para figurar em formato electrónico (na realidade não existem quase nenhuns). Também não o teria comprado para ler jornais, pois não sinto nenhuma necessidade de estar imediatamente informado e, se assim fosse, seria suficiente o computador; o mesmo penso relativamente à opção de usar o leitor electrónico para ter acesso à Wikipedia e a outros recursos da Internet.
Relativamente ao uso, se se pretende simplesmente ler, a sua utilização é perfeita e, pelo que sei, o mesmo se poderá dizer de outros e-readers. A velocidade de arrefecimento do ecrã poderia ser melhorada e também seria útil ter a opção da retro iluminação para ler com pouca luz, se bem que, tal como está a tecnologia neste momento, a bateria duraria horas, em vez de dias.
Além disso, para um leitor como eu, são úteis as vantagens de sublinhar textos e de tomar notas que, depois, podemos passar para o computador, assim como a de comprovar directamente as palavras no dicionário e de poder ouvir o livro. Mais outro aliciante, para quem viaja, é a possibilidade de prescindir de livros físicos e carregar os que interessem no disco externo: cabem uns duzentos livros, se usamos o formato do Kindle, e mais ainda se utilizamos outros.
Lacunas no catálogo
Assim como numa livraria podemos examinar e folhear o livro e ler umas páginas, também com o Kindle se pode ficar com uma primeira impressão do livro, tanto para ver a qualidade da leitura - pois não é igual em todos os casos - como para ver se o assunto interessa. Entre outras coisas, isso serve para podermos aceder, seguidamente, a um livro de que ouvimos falar e pensamos que nos poderia agradar. Examinar uma amostra não tem custo: a Amazon só cobra a ligação por GPRS quando se descarrega a obra inteira.
Por enquanto, muitos livros ainda não estão disponíveis na edição Kindle, se bem que às vezes haja possibilidade de o conseguir noutro formato e transformá-lo. Neste sentido, para dar um exemplo entre outros, surpreende-me não ter ainda encontrado o Catecismo da Igreja Católica na edição Kindle, nem em inglês nem noutras línguas. Eu diria que, para livros deste género, parece de toda a conveniência que haja uma presença rápida em todos os formatos electrónicos, sem necessidade de adaptações acrescentadas.
Um aparelho para tudo?
Discute-se acerca dos e-readers se, futuramente, será melhor um disco multifuncional ou um disco para cada função. Não creio que haja uma resposta concreta mas, pelo que conheço, penso que quem diz que gosta de um disco para ver filmes e escutar canções e também ler livros, fará fundamentalmente as duas primeiras coisas e mais raramente a terceira. Já nem falo se o disco permite ler revistas, aceder ao You Tube, ver o correio, entrar nas redes sociais, entreter-se com videojogos, etc. e farto-me de rir que se imagine um disco com todas estas possibilidades, como o recente iPad, a ser levado para a aula com os livros de texto carregados...Enfim, quem é leitor quer ler e sabe que a leitura leva tempo e necessita de calma, e essa parece ser a aposta do Kindle da Amazon, com base nas declarações dos seus directores, que encontram vantagem nas suas limitações.
Outra controvérsia frequente, própria de leitores veteranos, é a de ser difícil acostumarmo-nos a ler no ecrã relativamente à leitura tradicional em papel, apesar dos e-readers intentarem simular a tinta do livro. Aos que se acostumarem desde jovens a ler no ecrã, essa discussão será comparável a pensar se é melhor o papiro ou o pergaminho. Também é irrelevante divagarmos se é preferível ler em ecrã grande ou em ecrã pequeno, como o de uma PDA ou o do iPhone; depende dos costumes e da decisão de cada leitor, e também se prefere um tipo de letra grande e edição em capa dura ou se tanto lhe faz um tipo mais pequeno e capa mole.
Mais livros e mais acessíveis
Para a indústria, a expansão dos livros electrónicos provocará que as editoras decidam publicar primeiro livros em formato electrónico e só depois em papel, nos casos especiais. De uma maneira geral, isto parece positivo: todo o processo será mais barato, muitos livros valiosos que não têm grandes êxitos, poderão chegar melhor ao seu grupo concreto de leitores, os livros não desaparecerão das estantes, e uma grande quantidade de livros medíocres nunca chegará a ser impressa (o que suponho será também um alívio para as selvas do Amazonas). Neste sentido, vale a pena referir que, quando um livro se encontra disponível tanto no Kindle como noutras edições, a Amazon já vende em Kindle 48% do total.
As perspectivas são também de que tudo isto poderá clarificar parte das polémicas à volta dos direitos de autor: conforme as suas posições, editoras e autores poderão pôr os seus livros à disposição das pessoas conforme lhes apeteça, grátis ou ao preço que queiram, e poderão optar por uns formatos ou outros, os que não permitem cópia entre utilizadores, ou os de livre acesso a todos. Da nova situação e da concorrência entre grandes e pequenos editores e entre grandes e pequenos distribuidores, seguramente - assim o esperamos - sairá beneficiado o leitor: a redução de custos irá notar-se nos preços, e em muitos casos mudarão técnicas que também encareciam os livros ou jogavam muito com as expectativas do leitor como, por exemplo, a sequência típica de lançamento de muitos livros primeiro em capa dura e só depois em capa mole.
Discos simples como o Kindle vão permitir que aumente a circulação de livros e que para a maioria das pessoas seja mais fácil ler; haverá quem os use para ler nos transportes urbanos; outros, poderão conseguir livros que não encontram perto ou que procuram há mais tempo; e muitos poderão aceder assim com mais simplicidade e sem intermediários a livros gratuitos. Um artigo recente (The New York Times, 22-01-2010) falava de que Orgulho e Preconceito de Jane Austen é um dos livros mais lidos do Kindle.
Luis Daniel Gonzalez
Aceprensa
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