Por uma muito feliz coincidência, o Papa Bento XVI visita Portugal, pela primeira vez nessa sua qualidade de sucessor de Pedro, no preciso ano do centenário da República. Sendo Fátima a principal razão da vinda do Vigário de Cristo à Terra de Santa Maria e etapa culminante desta sua visita pastoral, vem a propósito relembrar a atitude da primeira República em relação às aparições da Cova da Iria.
Como é sabido, não foi a Igreja que impôs Fátima, mas Fátima que se impôs à Igreja, na feliz frase do Cardeal Cerejeira. A instituição eclesial, desde o prelado diocesano até ao pároco local, olhou inicialmente com algum cepticismo para os acontecimentos de que eram protagonistas três crianças analfabetas, a mais velha das quais de apenas dez anos de idade. Mas, não obstante a sua prudente reserva original, a hierarquia não se opôs às manifestações da piedade popular, que imediatamente irromperam no local das aparições marianas. Mais tarde, a Igreja viria a reconhecer oficialmente o carácter sobrenatural do fenómeno.
Outra foi a atitude das autoridades públicas, na pessoa do então Administrador do Concelho, que era também Presidente da Câmara local e Juiz da respectiva comarca, cujo laicismo maçónico e acirrado anticlericalismo logo se fez sentir de forma brutal. Com efeito, à medida que crescia o número dos peregrinos, crescia também o seu ódio à religião católica e a sua feroz determinação em impedir que, no território sob a sua jurisdição, renascesse uma fonte da fé que o regime instaurado sete anos antes se propusera extinguir. Se, em nome da laicidade, seria desculpável a sua indiferença e, em nome da liberdade, seria de admitir a sua descrença, em nome da legalidade e dos mais fundamentais direitos humanos não eram minimamente aceitáveis os procedimentos então empregues pelo referido representante do poder central, autarca e magistrado judicial, com manifesto abuso de poder, contra os videntes, não obstante a sua pouca idade e a sua atitude civicamente irrepreensível.
Em nome da República e com a sua autoridade, o Latoeiro, alcunha por que era conhecido o então Administrador do Concelho de Vila Nova de Ourém, permitiu-se raptar as três crianças, sem o consentimento de seus pais, detê-las por algum tempo na prisão municipal, junto aos presos de delito comum, e, depois, aterrorizá-las com interrogatórios, ameaças de morte e torturas psicológicas que a mais severa e desumana polícia política não desdenharia. Todos estes comportamentos – escusado será dize-lo – tipificam acções puníveis pela lei e todos estes flagrantes delitos perpetrados contra os inocentes pastorinhos foram realizados por um representante do Estado republicano, no exercício das suas funções oficiais.
A Igreja em Portugal não quer certamente indemnizações, nem qualquer tipo de reparação pelas ofensas sofridas há quase um século por três dos seus mais egrégios fiéis, a Irmã Lúcia, de santa memória, e os Beatos Francisco e Jacinta Marto. Mas ao Estado português não lhe ficaria mal, no próximo 13 de Maio, pedir perdão à Igreja, na pessoa de Sua Santidade o Papa, pelas ofensas que a primeira República cometeu em geral contra a Igreja Católica e, em particular, contra os videntes de Fátima.
Em nome da justiça e da verdade, espera-se que o máximo representante da República portuguesa não deixe de aproveitar a imensa graça da visita do Santo Padre, para apresentar as desculpas a que o Estado português está moralmente obrigado. Em prol da reconciliação da República com a Igreja e para o bem de Portugal.
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Crónica publicada na ‘Voz da Verdade’ e gentilmente cedida pelo autor
(O realce do penúltimo parágrafo é da responsabilidade de JPR )
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