Orlando Zapata era um dos mais conhecidos lutadores pela liberdade em Cuba, na Cuba comunista de Fidel Castro. Morreu em greve de fome no seguimento de uma condenação por um tribunal de Cuba a 36 anos de prisão.
Orlando Zapata estava preso na cadeia de Kilo 8, a mais conhecida cadeia dos presos políticos cubanos, onde o regime comunista de Fidel Castro e agora de seu irmão Raúl interna os dissidentes. Numa cadeia que também tem presos de delito comum, prendem os que lutam pela liberdade na ilha que julgam deles.
Cuba foi sempre um dos regimes onde imperou impunemente o terror comunista mais brutal perante o silêncio e mesmo a conivência do mundo ocidental, particularmente dos bem pensantes intelectuais de esquerda europeia, sempre disponíveis a exibir na parede um poster de Che Guevara ou a gritar "Cuba Libre" em qualquer manifestação, ou a cantar o Hasta Siempre Comandante Che Guevara. Che Guevara, esse mesmo companheiro de Fidel e de seu irmão Raúl, que comandou pessoalmente os pelotões de fuzilamento que assassinaram os dissidentes, os "contra-revolucionários", logo a seguir à Revolução da Sierra Maestra.
A greve de fome de um preso político é sempre um acto de desespero. O mais brutal e radical acto de desespero que um lutador pela liberdade pode fazer. É assim como atirar com a sua vida de condenado a prisão perpétua à cara de quem o prendeu, de quem o condenou e lhe roubou a vida e a liberdade. Não se pode viver condenado a 36 anos de prisão numa cela.
Os motivos da greve de fome de Orlando Zapata, as suas principais reivindicações assentavam na exigência de que o regime comunista de Cuba lhe desse condições iguais, na prisão, às que teve Fidel Castro quando esteve preso sob o regime ditatorial de Batista, antes da revolução cubana. Eram afinal tão simples como poder andar vestido de branco para se diferenciar dos presos comuns, poder receber a visita da mãe como Fidel (ele só tinha direito a uma visita cada três meses), poder ter livre acesso ao recreio da prisão como Fidel tinha, poder ter livros e papel para escrever como, repito, tinha Fidel.
Eu, pessoalmente, contactei com dois casos de greve de fome de presos políticos portugueses na luta contra a ditadura de Salazar. Um ainda apenas de relato, de ouvir contar. No outro interferi pessoal e directamente para impedir que José Magro, preso na cadeia de Peniche há 20 anos, entrasse em greve de fome. Transcrevi para papel de mortalha de cigarro uma mensagem da Comissão Executiva do PCP que alguém lhe fez chegar à cela, desaconselhando-o a entrar em greve e apelando a que não o fizesse porque o regime o ia deixar morrer. Guardei sempre esse papel escrito à máquina, que eu transcrevi com lápis muito fino e letra mínima para que das mortalhas se fizessem rolinhos que, disfarçados nos sapatos ou na comida, lhe fizeram chegar. Fiquei meses a sofrer até saber se ele entraria ou não em greve de fome e se as mensagens lhe chegavam ou não. Chegaram, ele não entrou e saiu pelo seu próprio pé no dia 25 de Abril de 1974. O fundamental do que lhe diziam era que não entrasse em greve de fome porque o regime ia deixá-lo morrer. Como agora Fidel e Raúl Castro deixaram morrer Zapata
O outro caso que conheci, não pessoalmente, foi o de Militão Ribeiro, preso na cela ao lado da de Álvaro Cunhal na Penitenciária de Lisboa. No isolamento durante oito anos, entrou em greve de fome e morreu após deixar uma mensagem escrita com o seu próprio sangue.
Orlando Zapata morreu ao fim de 85 dias de greve de fome e condenado a 36 anos. Com um regime ditatorial sem fim à vista, em que Fidel completamente incapaz passa o poder ditatorial ao irmão - numa sucessão sinistra em que nem tentam, ao contrário de outros ditadores da região, fazer um simulacro de "eleições" - o desespero não pôde deixar de chegar à sua cela da cadeia Kilo 8. Não sei se o deixaram enterrar de branco. Sei que não o deixaram vestir de branco porque, como disse Fidel sobre Zapata, ele não era um preso político mas um delinquente - e deve ter dito (que já não li mais) - ao serviço do imperialismo ianque de Obama.
E sobre ele nada disseram os bem pensantes intelectuais europeus de esquerda para quem um preso político numa cadeia de Cuba, uma greve de fome em Cuba, a repressão em Cuba, a morte ou a prisão em Cuba, nada tem a ver com outras vítimas de ditaduras, essas, sim, ditaduras.
Ficou-me na memória as palavras da mãe de Zapata. Não são só os ditadores que são iguais em todos os regimes repressivos. As mães também são iguais.
Zita Seabra
(Fonte: JN online)
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