Publicamos o texto da homilia improvisada por Bento XVI durante a Missa presidida na manhã de 1 de Dezembro na Capela Paulina, na presença dos participantes na sessão plenária da Comissão Teológica Internacional.
Queridos irmãos e irmãs!
As palavras do Senhor, que há pouco ouvimos no trecho evangélico, são um desafio para nós teólogos, ou talvez para dizer melhor, um convite a um exame de consciência: o que é a teologia? O que somos nós, teólogos? Como fazer bem teologia? Ouvimos que o Senhor louva o Pai porque escondeu o grande mistério do Filho, o mistério trinitário, o mistério cristológico, diante dos sábios, dos doutos eles não o conheceram mas revelou-o aos pequeninos, aos népioi, àqueles que não são doutos, que não têm uma grande cultura. A eles foi revelado este grande mistério.
Com estas palavras, o Senhor descreve simplesmente um facto da sua vida; um facto que começa já na época do seu nascimento, quando os Magos do Oriente perguntam aos competentes, aos escribas, aos exegetas, o lugar do nascimento do Salvador, do Rei de Israel. Os escribas sabem-no, porque são grandes especialistas; podem dizer imediatamente onde nasce o Messias: em Belém! Mas não se sentem convidados a ir: para eles é um conhecimento académico, que não diz respeito à sua vida; eles permanecem fora. Podem dar informações, mas a informação não se torna formação da própria vida.
Depois, durante toda a vida pública do Senhor, encontramos a mesma coisa. É inacessível para os sábios compreender que este homem não douto, galileu, possa ser realmente o Filho de Deus. Permanece-lhes inacessível o facto de que Deus, o grande, o único, o Deus do céu e da terra, possa estar presente neste homem. Sabem tudo, conhecem também Isaías 53, todas as grandes profecias, mas o mistério permanece escondido. Ao contrário, é revelado aos pequeninos, a começar por Nossa Senhora até aos pescadores do lago da Galileia. Eles conhecem, como também o capitão romano, aos pés da cruz, reconhece: Ele é o Filho de Deus.
Os acontecimentos essenciais da vida de Jesus não pertencem unicamente ao passado, mas estão presentes, de vários modos, em todas as gerações. E assim também na nossa época, nos últimos duzentos anos, observamos a mesma coisa. Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura, da história da salvação, mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo: que Jesus era realmente Filho de Deus, que Deus trinitário entra na nossa história, num determinado momento histórico, num homem como nós. O essencial permaneceu escondido! Poder-se-iam citar facilmente grandes nomes da história da teologia destes duzentos anos, dos quais aprendemos muito, mas o mistério não foi aberto aos olhos do seu coração.
Em contrapartida, no nosso tempo existem também os pequeninos que conheceram este mistério. Pensemos em Santa Bernadete Soubirous; em Santa Teresa de Lisieux, com a sua nova leitura da Bíblia "não científica", mas que entra no coração da Sagrada Escritura; até aos santos e beatos da nossa época: Santa Josefina Bakhita, Beata Teresa de Calcutá, São Damião de Veuster. Poderíamos enumerar muitos deles!
No entanto, de tudo isto nasce a pergunta: por que é assim? É o cristianismo a religião dos néscios, das pessoas sem cultura, não formadas? Apaga-se a fé onde se desperta a razão? Como se explica isto? Talvez tenhamos que olhar mais uma vez para a história. Permanece verdadeiro o que Jesus disse, aquilo que se pode observar em todos os séculos. E todavia, existe uma "espécie" de pequeninos que são inclusive doutos. Aos pés da cruz encontra-se Nossa Senhora, a humilde serva de Deus, a grande mulher iluminada por Deus. E encontra-se também João, pescador do lago da Galileia, mas é aquele João que será justamente chamado pela Igreja "o teólogo", porque realmente soube ver o mistério de Deus e anunciá-lo: com olhos de águia, entrou na luz inacessível do mistério divino. Assim, mesmo depois da sua ressurreição o Senhor, no caminho de Damasco, sensibiliza o coração de Saulo, um dos sábios que não vêem. Ele mesmo, na primeira Carta a Timóteo, define-se "ignorante" naquela época, apesar da sua ciência. Mas o Ressuscitado toca-o: ele torna-se cego e, ao mesmo tempo, realmente vidente, começa a ver. O grande douto torna-se um pequenino, e precisamente por isso vê a loucura de Deus que é sabedoria, sapiência maior do que todas as sabedorias humanas.
Poderíamos continuar a ler toda a história deste modo. Só mais uma observação. Estes doutos sábios, sofói e sinetói, na primeira leitura, aparecem de outro modo. Aqui, sofia e sínesis são dádivas do Espírito Santo que pairam sobre o Messias, sobre Cristo. O que significa? Sobressai o facto de que existe um uso dúplice da razão e uma maneira dupla de ser sábio ou pequenino. Há um modo de utilizar a razão que é autónomo, que se põe acima de Deus, em toda a gama das ciências, a começar pelas naturais, onde é universalizado um método adequado para a pesquisa da matéria: Deus não faz parte deste método, portanto Deus não existe. E assim, finalmente, também na teologia: pesca-se nas águas da Sagrada Escritura com uma rede que permite capturar somente peixes de uma certa medida, e aquilo que vai além desta medida não entra na rede, e por conseguinte não pode existir. Assim o grande mistério de Jesus, do Filho que se fez homem, reduz-se a um Jesus histórico: uma figura trágica, um fantasma sem carne nem ossos, um homem que permaneceu no sepulcro, que se corrompeu e é realmente um morto. O método sabe "capturar" certos peixes, mas exclui o grande mistério, porque o homem se faz ele mesmo a medida: possui esta soberba, que é contemporaneamente uma grande loucura, porque torna absolutos certos métodos não adequados às grandes realidades; entra neste espírito académico que vimos nos escribas, os quais respondem aos Reis magos: não me diz respeito; permaneço fechado na minha existência, que não é tocada. É a especialização que vê todos os pormenores, mas já não vê a totalidade.
E existe o outro modo de utilizar a razão, de ser sábio, a do homem que reconhece quem ele mesmo é; reconhece a própria medida e a grandeza de Deus, abrindo-se na humildade à novidade do agir de Deus. Assim, precisamente aceitando a sua pequenez, fazendo-se pequenino como realmente é, chega à verdade. Desta maneira, também a razão pode expressar todas as suas possibilidades, não é anulada mas amplia-se, torna-se maior. Trata-se de outra sofia e sínesis, que não exclui do mistério, mas é precisamente comunhão com o Senhor, em quem repousam a sapiência e a sabedoria, e a sua verdade.
Neste momento, queremos rezar ao Senhor a fim de que nos conceda a verdadeira humildade. Que nos conceda ser pequeninos, para sermos realmente sábios; nos ilumine, nos faça ver o seu mistério do júbilo do Espírito Santo, nos ajude a ser verdadeiros teólogos, que podem anunciar o seu mistério porque foram tocados na profundidade do seu coração, da sua existência. Amém.
(© L'Osservatore Romano - 5 de Dezembro de 2009)
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