
A linguagem do perdão revela o amor e a consideração que Nosso Senhor tem para com todos os que O ofendem. É uma prova da sua confiança e da grande misericórdia que verte sobre todos os homens. O que eles fazem pode ser censurável, mas merecem, apesar dos seus actos, que a amizade divina continue a manter-se, na esperança de que se convertam e voltem ao bom caminho.
Perdoar é, ao fim e ao cabo, acreditar na capacidade de regeneração de quem prevaricou. Não se dá por suposto que alguém seja incapaz de reconhecer os seus erros, recomeçar a vida de outro modo mais honesto e sério e passar a trilhar as vias da justiça e da caridade. Até à hora da morte, Deus, que é Pai, quer que a pessoa pecadora se arrependa. E tudo faz para que isso aconteça. Quantas e quantas almas, na hora da sua ida para a eternidade, pedem finalmente perdão pela sua conduta e abraçam o perdão de Deus, que assim as conquista para a felicidade que não termina.
Ou então, também pode suceder que um desaire vital – económico, social ou de saúde –, seja aproveitado por Deus para chamar a atenção da pessoa para o seu comportamento desorientado e cheio de auto-suficiência. Com isso se convence da veracidade da frase de S. Paulo "aqui, não temos morada permanente". Reflecte, sente a sua insignificância, as suas limitações e recomeça o caminho pela via da humildade. Não é dona de si mesma nem senhora dos factos e das coisas: tudo isto a supera. Daí que sinta necessidade de recorrer a Quem é mais forte do que ela, a Quem é a razão de ser da sua existência e do seu futuro. Só n’Ele encontra a paz e a justificação para seguir em frente por direcções mais exigentes de senso comum, de sujeição e de honestidade. Curiosamente, quando assim procede, sente dentro de si uma tranquilidade cheia de significado e tem nítida consciência de que Aquele a Quem se dirigiu lhe perdoou sem ressentimentos o que ela Lhe confessou. É um perdão perfeito.
O problema não reside, por isso, na capacidade de perdoar de Deus, mas na humildade de quem faz o mal e não pede desculpa. O orgulho pessoal, a vanglória, a afirmação inflada da sua capacidade e a perseverança na perversidade podem levar, primeiro, a uma atitude de indiferença para com Deus e a gravidade das infidelidades cometidas. Por este processo se chega ao pecado de presunção de salvação sem merecimento: Deus é infinitamente bom, por isso não me vai castigar. Mais: tem obrigação de me salvar independentemente da minha conduta. Assim prova o seu amor para comigo. Num âmbito oposto, gera-se o pecado do desespero de salvação, que pode ser provocado pelo primeiro tipo de atitude, após um longo caminhar na ofensa repetida a Deus: a minha vida foi tão má, sou um pecador tão inveterado, que não tenho perdão possível.
Se no primeiro caso, se trata a Deus como um ser que deve satisfazer todos os nossos caprichos, no segundo julga-se a sua capacidade de perdoar semelhante à nossa. Em qualquer das situações, esquece-se que Deus é perfeito em tudo: nos juízos que faz e na forma de administrar o seu perdão às criaturas a que deu origem e sobre o destino das quais Se sente responsável. Não é juiz competente aquele que não sanciona o que é devido, embora deixando sempre aberta a porta ao arrependimento; nem é verdadeiramente bom quem não é capaz de perdoar, mesmo que as faltas e as ofensas do prevaricador possam ser gravíssimas. Deus não Se assusta com os pecados que cometemos, mas com a nossa falta de arrependimento.
Imagem: O regresso do Filho Pródigo. Pintura de Rembrandt
(Pe. Rui Rosas da Silva – Prior da Paróquia de Nossa Senhora da Porta Céu em Lisboa in Boletim Paroquial de Setembro, selecção do título da responsabilidade do autor do blogue)
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