Foi uma verdadeira “Lectio magistralis”, uma “oração de sapiência” o discurso que Bento XVI pronunciou nesta sexta-feira à tarde, em Paris, no “Colégio dos Bernardinos”, “lugar histórico… edificado pelos filhos de São Bernardo de Claraval”, desejado pelo cardeal Lustiger como “um centro de diálogo da Sabedoria cristã com as correntes culturais intelectuais e artísticas” da sociedade.
Tendo escolhido como tema “Das origens da teologia ocidental e das raízes da cultura europeia”, o Papa deteve-se a reflectir antes de mais sobre a própria natureza do monaquismo ocidental. Em tempos de grande fractura cultural, provocada pela migração dos povos e reformulação de novas nações e estados, os mosteiros foram espaços onde sobreviveram os tesouros da cultura antiga e onde se forjou pouco a pouco uma nova cultura. Como é que tal aconteceu? Que motivação congregava as pessoas nesses lugares? Que desejavam? Como viveram? – interrogou-se Bento XVI, que logo sublinhou que “o objectivo deles era “procurar a Deus”. No meio da confusão daqueles tempos…, os monges desejam a coisa mais importante: … encontrar a própria Vida. Eles queriam passar, das coisas secundárias, às realidades essenciais”. “Por detrás do provisório, procuravam o definitivo”.
E “como eram cristãos, não se tratava de uma aventura num deserto sem caminho, de uma busca em total obscuridade. O próprio Deus colocou marcos no caminho, ou melhor, aplanou as veredas. Por isso a tarefa deles era descobrir o caminho e segui-lo. “Esta via era a sua Palavra que se encontrava oferecida aos homens nos livros das Sagradas Escrituras”.
A busca de Deus requer portanto, intrinsecamente, uma cultura da palavra… O desejo de Deus abarca o amor das letras, o amor da palavra, a sua exploração em todas as direcções… Era precisamente em razão da busca de Deus que se tornavam importantes as ciências profanas que nos indicam os caminhos para a língua. A biblioteca, como também a escola, fazia assim parte integrante do mosteiro”.
Progredindo depois, passo a passo, na sua reflexão sobre o vasto tema escolhido, Bento XVI sublinhou que “a Palavra que abre o caminho da busca de Deus e que é, em si mesma, esse caminho, é uma Palavra que suscita o nascimento de uma comunidade”…
“A Palavra não conduz unicamente no caminho de uma mística individual, mas introduz-nos também na comunidade daqueles que caminham na fé. É por isso que não basta reflectir sobre a Palavra, é preciso igualmente lê-la de maneira justa”.
Fazendo notar que cada vez que no Novo Testamento se fala da Bíblia hebraica (“Antigo Testamento”) se usa o termo “Escrituras” (no plural).
“Este plural sublinha já, claramente, que a Palavra de Deus só chega até nós através da palavra humana, através das palavras humanas, por outras palavras – que é somente na humanidade dos homens que Deus nos fala, através das suas palavras e da sua história”.
O que quer dizer – prosseguiu Bento XVI – que “a Escritura tem necessidade de ser interpretada, tem necessidade da comunidade onde se formou e viveu”. “A estrutura própria da Bíblia constitui um desafio sempre novo colocado a cada geração. Por sua natureza, ela exclui tudo o que hoje em dia se designa como fundamentalismo”.
“A Palavra de Deus nunca está simplesmente presente na mera literalidade do texto. Para a atingir, é necessário uma superação e um processo de compreensão que se deixa guiar pelo movimento interior do conjunto dos textos e, a partir daí, tornar-se igualmente um processo vital”.
Um processo vital que é vivido num “tensão entre o elo da inteligência e o elo do amor”. “Esta tensão entre o elo e a liberdade, que vai bem para além do problema literário da interpretação da Escritura (sublinhou o Papa), determinou também o pensamento e a obra do monaquismo e modelou profundamente a cultura ocidental”.
“Esta tensão apresenta-se de novo à nossa geração como um desafio face aos dois pólos que são, de um lado, o arbitrário subjectivo, do outro, o fanatismo fundamentalista”. Encaminhando-se para a conclusão da sua dissertação, Bento XVI referiu ainda a dupla dimensão da vida monástica – “ora et labora” (reza e trabalha).
Sem esta cultura do trabalho que, com a cultura da palavra, constitui o monaquismo, são impensáveis o desenvolvimento da Europa, o seu ethos e a sua concepção do mundo. A originalidade deste ethos deveria contudo levar a compreender que o trabalho e a determinação da história pelo homem são uma colaboração com o Criador, que têm n’Ele a sua medida”.
Bento XVI concluiu a sua reflexão observando que o objectivo dos monges medievais continua necessário no nosso tempo, com a sua ausência de Deus:
“Uma cultura unicamente positivista, que remetesse para o domínio puramente subjectivo, como não científica, a questão sobre Deus, seria a capitulação da razão, a renúncia às suas mais elevadas possibilidades e portanto o malogro do humanismo, cujas consequências poderiam ser graves.O que fundou a cultura da Europa, a busca de Deus e a disponibilidade para O escutar, permanece ainda hoje em dia o fundamento de toda a verdadeira cultura”.
(Fonte: site Radio Vaticana)
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