Do lado russo, há milhares de soldados
mortos, a economia afunda-se no esforço de conquistar a Ucrânia e ouve-se o
estribilho doloroso de uma injúria repetida contra quase todos os habitantes do
mundo. Qual a origem deste insulto?
Nazis e soviéticos começaram de
candeias às avessas, até ao pacto de 1939 que definiu entre eles a expansão territorial
de ambos. A Alemanha ficava com direito a anexar países vizinhos e metade da
Polónia; a União Soviética conquistava a Estónia, a Lituânia, a Letónia e
partes da Polónia, da Roménia, além de manter em seu poder a Bielorrússia, a
Ucrânia, a Chechénia, a Geórgia, etc. Nessa altura em que o pacto foi útil para
o alargamento do domínio soviético, os alemães eram os «irmãos nacional-socialistas».
O problema surgiu quando, depois de engordar a União Soviética com tantas
conquistas, Hitler decidiu invadi-la. Nessa batalha, longa e sangrenta, alguns
povos apoiaram a Rússia para se verem livres dos nazis e outros, como a Ucrânia,
juntaram-se à Alemanha para se verem livres da Rússia. O resultado do gigantesco
conflito cifrou-se em dezenas de milhões de mortos e, como a Alemanha acabou
derrotada, os soviéticos apoderaram-se de todos os países do pacto, mais a
Hungria, a Bulgária, parte da Alemanha, da Finlândia e falharam, por um triz, a
Áustria. Além dos extensos territórios que anexaram a Sul.
Aliás, esse é justamente o ingrediente
fundamental de um insulto: atribuir a alguém um conceito que ele rejeita. Se
chamarem «russo» ao Putin, ou «ucraniano» ao Zelenskiy, eles agradecem, tal como
se chamassem «nazi» ao Hitler, ele respondia alegremente «Heil!» e se chamassem
fascista ao Mussolini, este dizia comprazido «Eia, eia, eia! Alalà!». Em
contrapartida, qualquer saudação se torna insultuosa quando se aplica à pessoa
errada. Se chamarem «ucraniano» ao Putin, ele não acha graça. O mesmo, se
chamarem «russo» ou «nazi» ao Zelenskiy. Ou se chamarem «mulher» a um homem, ou
«homem» a uma mulher.
Ainda hoje, nos meios ligados à tradição
comunista soviética, as palavras «nazi» e «fascista» são as mais usadas para insultar
quem quer que seja. Por isso os comunistas de orientação chinesa lhes chamam precisamente
«social-fascistas», para os enfurecer maximamente.
Quando o regime comunista
implodiu e a Rússia concedeu a liberdade a muitos países —entre eles, a Ucrânia—,
trocou o próprio nome de União Soviética para Federação Russa, para significar
que abandonava a ditadura e começava uma era de paz e liberdade. Desde 1991 até
agora, os ucranianos era um povo-irmão, reconhecido pela Rússia; agora, a Rússia
decidiu invadi-los e recuperou o antigo insulto: fascistas! Nazis!
Por mero acaso, o chefe desses
«nazis» é filho de judeus, tão duramente perseguidos pelo regime nazi que Zelenskiy
não tem nenhuma simpatia pelo nazismo… Mas é da essência do insulto não se adequar
ao ofendido!
Corre pela internet a imagem
desta página, retratando humoristicamente os países do mundo tal como o regime
russo os classifica, em variantes de nazi-fascismo. Podíamos acrescentar os «neo-fascistas»
e mais variantes divertidas. Os epítetos mais cómicos são o da América do Sul («futebolistas
nazis») e sobretudo o da Austrália. Como a Austrália está no hemisfério Sul, são
nazis de pernas para cima e cabeça para baixo: o insulto escreve-se de pernas
para o ar.
José Maria C.S. André
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