O espectáculo da parada militar
de 9 de Maio em Moscovo, carregado de símbolos bélicos, não é fácil de
interpretar.
Que significam tantas foices e
martelos? Porque é que muitos esquadrões desfilavam com bandeiras vermelhas? E havia
tantas insígnias comunistas? E enormes decorações da extinta União Soviética?
As iniciais do país voltaram a ser CCCP (União Soviética), como estava escrito
em letras garrafais na praça Vermelha? Que faziam tantas fotografias de Stalin
na parada militar? Ainda mais, porque é que os cartazes de propaganda da parada
de 9 de Maio usavam símbolos nazis e fotografias norte-americanas?
Felizmente, a Rússia não virou
comunista, nem nazi. A história é mais longa.
Quando se deu o Cisma do Oriente (ano
1043) e o mundo grego quebrou a unidade da Igreja Católica, a Rússia acompanhou
Constantinopla, que então se considerava «a nova verdadeira Roma». Quando os
Otomanos invadiram Constantinopla (ano 1453), Moscovo considerou-se a herdeira desse
título, passando a ser «nova-nova verdadeira Roma». É por isso que, até hoje,
os ortodoxos russos se consideram os eleitos por Deus para salvar a Terra.
Durante quase um século, os comunistas
perseguiram o povo em nome do ateísmo. Esse período terrível não deixou
saudades, excepto num ponto: foi o momento em que mais povos estiveram submetidos
à autoridade de Moscovo. Com a queda do comunismo, algumas dessas colónias aproveitaram
para ficar independentes, o que é considerado pela Igreja Ortodoxa russa o retrocesso
mais grave dos últimos séculos. Assim se explica que uma igreja cristã erga as bandeiras
do regime comunista, não já como símbolos marxistas, mas como momento alto do
imperialismo russo.
Nos seus múltiplos esforços para acabar
com a guerra, o Papa falou por vídeo-conferência com o Patriarca Ortodoxo de
Moscovo no dia 16 de Março. Infelizmente, a conversa não correu bem. Ao fim de
ouvir durante 20 minutos o Patriarca ler um discurso a defender o direito da
Rússia a invadir a Ucrânia, o Papa Francisco não se conteve e interrompeu-o: «Irmão!
Não pode fazer de menino do coro de Putin!». Parece que o Patriarca vê a hierarquia
ao contrário: Putin é que é o santo servidor do Patriarcado de Moscovo.
Alguns russos não concordam com este
programa imperialista e talvez isso explique as imagens nazis nos cartazes de
propaganda russa. Quando o regime se deu conta da brincadeira, era tarde demais.
Os cartazes já estavam na rua, a sugerir ao povo russo quem faz actualmente o
papel dos nazis.
José Maria C.S. André
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