A palavra eternidade tem muitas versões
pagãs, porque a ânsia de sobrevivência que palpita no coração humano vem à
superfície ao menor aceno, mesmo quando uma ideologia tenta enterrá-la e
esquecê-la.
Em 1793, sob o impulso da chamada
«Salvação Pública», começou a funcionar o «Terror» em França. Em poucos dias, aproximadamente
meio milhão de pessoas foram parar à prisão. Muitas foram mortas e a salvação consistiu
em destronar o cristianismo e entronizar simbolicamente uma «miss» na catedral
de Notre Dame como deusa Razão. Enquanto os revolucionários das várias facções
se matavam, o encanto da deusa Razão foi substituído pela religião do «Ser
Supremo», com os seus dois dogmas: «O povo francês reconhece o Ser Supremo e a
imortalidade da alma». Enquanto o ritmo da guilhotina acelerava e as guerras
civis se sucediam, outro Governo inventou o culto Teofilantrópico, que outro
Governo substituiu pelo culto Decadário (Décadi,
em francês). Para eliminar a concorrência, prenderam o Papa da época, Pio VI, e
levaram-no para França, onde morreu. A notícia da sua morte dizia: «VI e
último». Em contrapartida, aquele Governo, supostamente eterno, durou poucos
dias e os Cardeais, reunidos em Veneza, elegeram Pio VII para suceder a Pio VI.
Na sequência de outra revolução em França, voltaram a prender o Papa, desta vez
Pio VII. No entanto, o Regime francês colapsou em 5 anos e o prisioneiro regressou
a Roma.
A história destas religiões sumamente
efémeras vem a propósito da eternidade, porque foi essa a justificação de tanta
turbulência e de tanta morte. Os protagonistas passavam a vida a falar de
eternidade. Seriam eternas as promessas de progresso e felicidade, definitivas
as conquistas militares, irrevogáveis as glórias da guerra civil.
Nesta época, as areias do Egipto
presenciaram um momento de grande impacto quanto à possibilidade de perdurar
eternamente. Napoleão tinha sido mandado conquistar o Egipto, porque o Governo
o achava demasiado poderoso para o ter perto. O receio era fundado, mas a campanha
no Egipto entreteve-o pouco tempo e, em menos de um ano, ele regressava à
pátria para derrubar o Governo. Conta a história que, diante das tropas em
parada, no Egipto, Napoleão Bonaparte exclamou: «do alto destas pirâmides, 40
séculos nos contemplam!». Um soldado que espreitasse para o cimo das pirâmides
não via ninguém, mas a ideia fez furor nos salões culturais da Europa: 40
séculos eram já um selo de eternidade. As pirâmides eram tão descomunalmente
pesadas que sobreviviam a tudo. Um tremor de terra podia abrir rachas, a erosão
das águas podia arrastar muita pedra, os construtores de casas podiam ir lá
buscar material... as pirâmides aguentavam tudo e duravam indefinidamente.
Este ideal de longevidade
galvanizou as hostes jacobinas. Em Paris, construíram um Arco do Triunfo tão
grande que, hoje, os aviões de acrobacia passam entre as suas colunas. Numa das
faces do arco, letras enormes e imortais recordam os tais triunfos (felizmente desactualizados,
tais como a ocupação de Portugal pelo exército napoleónico). Em Roma, capital
da elegância, o poder jacobino ergueu um pesadíssimo Palácio da Justiça,
destinado a fazer sombra à basílica de S. Pedro. Mas as margens húmidas do
Tibre não aguentaram o peso, o edifício começou a inclinar-se e teve de ficar
pela parte de baixo, que ainda existe. O arquitecto do imortal edifício suicidou-se, atirando-se do último
andar. Em Lisboa, o exemplo mais característico inspirado nas pirâmides do
Egipto é o monumento ao Marquês de Pombal. Ainda hoje lá está, nem sempre
respeitado pelas pombas. Da alta coluna, escorrem louvores, o primeiro dos
quais se lê mal, por estar tão alto: «expulsão dos jesuítas». Na base, um
templo pagão com uma Minerva sentada situa o Marquês num Olimpo intemporal
designado como universidade.
A arte e os discursos admitem
todas as ficções, mas a realidade tem sempre a última palavra. Por isso, chegados
ao limiar da eternidade, o Rei D. José e o seu Primeiro Ministro, Marquês de
Pombal, compreenderam que o poder absoluto não seria suficiente na nova fase. Três
dias antes de morrer, D. José mandou soltar os religiosos presos e mais de 800
presos políticos que apodreciam nas cadeias do reino. Não pediu desculpa, mas
disse que os perdoava. Talvez contasse com que esta cedência fosse suficiente
para chegar a acordo com Deus.
Mal o Rei morreu, desterraram o
Marquês para Pombal. Cometeu-se algum crime? «Foi El-Rei, meu Senhor! Foi
El-Rei, meu Senhor, quem ordenou!» – repetia o Marquês sem cessar. Diz a
história que o Marquês sempre manteve a profissão de fé católica e que, no
final, recluído no solar de Pombal, mandava alimentar centenas de pobres.
Quando o Bispo de Coimbra, libertado das masmorras nas vésperas de D. José
morrer, passou por Pombal, o Marquês saiu a prestar-lhe homenagem e a pedir-lhe
a bênção.
Visão de Jerusalém Celeste |
José Maria C.S. André
24-VIII-2018
Spe Deus
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