A Comissão Teológica
Internacional, organismo da Santa Sé que estuda temas de especial envergadura,
publicou recentemente um livro sobre o sentido da liberdade religiosa, com
cerca de uma centena de páginas, fruto de 5 anos de trabalho. O documento foi
aprovado por todos os membros da Comissão e depois pelo Papa. Saiu o original
em francês e já existe uma tradução em italiano.
Como resumir em poucas linhas uma
análise tão complexa?
Certos casos não oferecem dúvida.
Como o dos ditadores, incluindo os de convicções católicas, cuja oração, imagino
eu, poderia ser assim: «Eu vos louvo, Senhor, por terdes feito o Universo
maravilhoso! Na verdade, ter criado os seres humanos livres não foi tão
acertado, mas não há problema: eu encarrego-me de lhes condicionar a liberdade,
para que só façam o bem». A Igreja rejeita liminarmente a boa intenção de
corrigir a obra de Deus. Outra situação clara é o direito da sociedade a
defender-se dos criminosos, limitando a sua liberdade, se for necessário. É igualmente
claro que não se pode invocar o direito à liberdade para vender produtos
tóxicos como se fossem saudáveis, ou transaccionar moeda falsa, porque o
direito do povo a não ser enganado sobrepõe-se aos desvarios individuais. Estes
exemplos não são polémicos, mas até onde deve ir a ingerência do Estado? Existe
um mundo de gradações que têm de ser discernidas com sabedoria e – acrescenta o
documento (nº 80) – com oração.
Em primeiro lugar (nºs 4-5), uma
política de procedimentos puramente formais, sem inspiração ética e religiosa,
não se sustenta, porque não responde à pergunta: «porquê?». Só reconhecendo a autoridade
de onde deriva a justiça podemos dizer que algo «é» justo, ou «é» injusto. Sem
essa referência ao que «é» real, fica o arbítrio de quem tem força para mandar.
Assim, descobrimos que Deus é a
fonte da liberdade. Porque nos criou livres e porque o seu respeito por nós nos
dá direito a ser respeitados por todos: «Deus chama todos os homens, mas não
força ninguém. É por isso que a liberdade se torna um direito fundamental que o
homem pode revindicar em consciência e de forma responsável perante o Estado»
(nº 27).
A origem do direito à liberdade é
esta: Deus criou-me livre, com que direito alguém se atreve a roubar-me o que
Deus me concedeu?! Os direitos fundamentais fundam-se na dignidade da pessoa,
tal como Deus a criou e a respeita (nºs 31-39). Quando se perde de vista o
desígnio divino a respeito do homem e da sua liberdade, põe-se em causa a
própria pessoa humana.
Desrespeitar a liberdade de alguém
é opor-se a Deus, porque é a voz de Deus que ressoa no íntimo da consciência.
Nesse sentido, obrigar alguém a agir contra a consciência é forçá-lo a ir
contra Deus. Daí deriva a enorme responsabilidade de purificarmos a própria
consciência e o imenso respeito que devemos ter pela consciência dos outros (nºs
40-42). Tudo isto está em profunda harmonia com a adesão cristã que, por sua
natureza, só pode ser livre.
Desde o tempo dos Apóstolos, a
Igreja aceitou a legitimidade da autoridade política, porque foi isso que
aprendeu do próprio Jesus (nº 58). Por outro lado, «o Reino de Deus não é deste
mundo» (Jo 18, 36): «a Deus o que é de Deus, a César o que é de César» (Mt 22,
21).
Deus quer que a sociedade se
organize livremente, mas não corresponde ao Estado inventar o que é justo ou
injusto. As formas legítimas de vida em sociedade não rejeitam Deus, nem
pretendem impor uma «ética do Estado» como se este tivesse poderes divinos para
inventar a ética (nº 62). Citando o Papa Francisco: «quando, em nome de uma ideologia,
se quer expulsar Deus da sociedade, acaba-se por adorar ídolos e depressa o
homem se arruína a si mesmo, vê a sua dignidade espezinhada, os seus direitos
violados» (discurso de 2014, citado nº 64).
Um Estado que prescinda das
referências religiosas arruína os alicerces da cultura humana (nºs 45-48). Por
outro lado, nem todas as experiências religiosas têm o mesmo valor (nº 70).
Isto é evidente porque as suas doutrinas se contradizem e a verdade não pode
ser contraditória, no entanto, há algo de comum que é valioso (nº 79) e,
sobretudo, não compete a nenhuma autoridade humana privar as pessoas da
liberdade que o próprio Criador lhes concedeu, salvo os casos que comprometem
gravemente o bem comum.
Em resumo, a visão cristã da
liberdade religiosa inspira-se na verdade da fé e na forma de actuar de Deus,
livremente e sem forçar ninguém (nº 76). O diálogo é a forma justa de anunciar
o Evangelho (nº 77). Se o respeito pelos outros levar ao martírio, isso não é
fraqueza, é fidelidade a Deus (nº 82), como escrevia S. Pedro aos primeiros
cristãos: anunciai, «mas com tal doçura e respeito, tendo uma boa consciência,
para que naquilo que vos caluniam sejam confundidos os que difamam a vossa boa
conduta em Cristo» (I Pe 3, 16, cit nº 86).
José Maria C.S. André
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