Terracina, praia italiana ao
Sul de Roma, é uma terra de plebeus. Bonacina é uma povoação histórica do Norte
de Itália, origem de condes, nobres, marqueses e cavaleiros. Como é que uns
plebeus Terracina se transformaram em 1944 nos senhores Bonacina? Como ocorreu
esta promoção meteórica?
A história começou um ano antes e foi revelada agora por Alberto Terracina, que sentiu o dever de agradecer.
A história começou um ano antes e foi revelada agora por Alberto Terracina, que sentiu o dever de agradecer.
Os Terracina eram judeus e
viviam em Roma. A 16 de Outubro de 1943, as tropas alemãs irromperam no bairro
judaico e capturaram uma multidão de pessoas, entre eles todos os familiares do
lado da mãe. Todos eles foram deportados: avós, tios, primos, o mais novo tinha
8 meses. Do lado do pai, capturaram a tia e duas filhas adolescentes. Todos
desapareceram em Auschwitz. Alberto Terracina, hoje septuagenário, conta: «eu
tinha dois anos, o meu irmão Leo tinha quatro. Salvámo-nos porque um de nós
estava doente e a família não quis sair de casa; na altura, morávamos fora de
Roma. Durante três dias, ficámos escondidos num alçapão em casa de amigos e
depois, por iniciativa de Mons. Giovanni Battista Montini (futuro Paulo VI, na
época principal colaborador do Papa Pio XII) que conhecia o meu pai,
acolheram-nos no edifício da Propaganda Fide, junto à casa pontifícia de Castel
Gandolfo, e arranjaram-nos documentação falsa».
Alguns judeus refugiados em Castel Gandolfo |
«Depois de um breve acolhimento
provisório arranjado pelo pároco de Santa Maria, os Bonacina ficámos a morar em
casa de Leopoldo Marri, que tinha uma tabacaria e libertou um dos quartos dos
filhos para nos instalar. O meu pai e a minha mãe revelaram-lhe logo a nossa
verdadeira identidade, mas o tio Leopoldo – como lhe chamávamos o meu irmão e
eu – não nos mandou embora apesar do perigo que corria. Nem lhe passou pela
cabeça que os alemães pagavam 10000 liras por adulto e 5000 por cada criança».
Alberto Terracina com a mãe e um soldado aliado (Todi, Junho de 1944) |
Um dia, Alberto adoeceu e os
pais tiveram de o levar ao médico, o Dr. Paolo Orsini. «Ao ver que eu estava
circuncidado, percebeu imediatamente, mas não disse nada. Só no final da
guerra, abraçando os meus pais, lhes revelou que tinha percebido». Por ser
médico, se alguém o tivesse denunciado, Orsini tinha sido fuzilado.
Finalmente, em Junho de 1944,
Todi foi libertada pelo exército Aliado e os Terracina voltaram a Roma, onde
souberam que todo o resto da família tinha morrido. Depois da guerra,
mantiveram uma amizade muito próxima com os Marri, em casa de quem tinham
vivido. Os contactos com o Dr. Paolo Orsini foram esporádicos, até que ele
faleceu em 1964.
Recentemente, Alberto
Terracina, achou que não tinha agradecido suficientemente e recorreu à
televisão italiana para contactar os parentes de Orsini, conseguindo encontrar
alguns sobrinhos. A verdade é que Alberto era muito pequeno na altura e «não me
lembro do Dr. Orsini, mas penso nele como um homem de grande humanidade. Um
homem justo numa época trágica. Pareceu-me que tinha o dever de dar um abraço
pelo menos a alguém da família. Tenho pena de não os ter procurado há mais
anos». Gaetano Vallini conta mais pormenores numa reportagem do «Osservatore
Romano».
Agora, acerte o relógio: às 16h00 do dia 12 de Maio, o
Papa Francisco aterra no aeroporto perto de Fátima.
José Maria C.S. André
07-V-2017
Spe Deus
Sem comentários:
Enviar um comentário