Michael Nnadi é o terceiro a contar da esquerda |
Em momentos de tragédia muito forte, a vida ilumina-se com uma luz que põe em causa muitas perspectivas anteriores. De repente, os pequenos objectivos perdem relevo, diluem-se as pequenas contrariedades, as pequenas curiosidades, as pequenas circunstâncias e avultam os grandes ideais. Estes abalos despojam a pessoa dos apegos não muito pensados, nem muito queridos, que se vão colando insensivelmente à vida. Um pequeno passatempo, sem importância; um pequeno gasto, quase insignificante; muitas pequenas coisinhas que amolecem a alma e a entropecem como um lastro. Jesus falou do efeito devastador destes caprichos minúsculos e da esterilidade que produzem:
– «Ouvi o significado da parábola do semeador. (...) O que recebeu a semente entre espinhos é aquele que ouve a palavra, porém os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra e ela fica sem fruto» (Mt 13, 18.22).
– «Os que correm no estádio de tudo se abstêm, para alcançar uma coroa», escreveu S. Paulo aos coríntios (I Cor 9, 25), desafiando-os a pensar no troféu incorruptível que os espera.
As sucessivas notícias chegadas nestes últimos dias da Nigéria recordam aquela purificação dolorosa da igreja católica do Ruanda a que me referi acima.
No dia 8 de Janeiro passado, quatro seminaristas nigerianos – Pius Kanwai, 19 anos; Peter Umenukor, 23 anos; Stephen Amos, 23 anos e Michael Nnadi, 18 anos – foram raptados. Dez dias depois, o primeiro foi libertado, com muitas feridas. No dia 1 de Fevereiro foram libertados mais dois seminaristas e, no dia seguinte, chegou a notícia de que o mais novo, Michael Nnadi, tinha sido torturado e morto.
Este tipo de sacudidelas tem o condão de libertar as almas fortes das distracções e revigorar a sua energia. Da Nigéria, continuam a chegar notícias: «Outros se preparam para servir Deus. Mais gente está a chegar ao seminário para serem padres e pregar o Evangelho como Cristo nos mandou».
Um jornalista recolheu as impressões, a quente, de um seminarista africano de nome Lenine Mudzingwa: «Pondo-me na pele deles, eu ficaria muito aflito. Ficaria aterrorizado. Viver numa situação tão ameaçadora tira a esperança, desalenta. Mas, por outro lado, eu rezo e estou convencido de que esta situação dá mais coragem para seguir o caminho deles e dar a vida pelo Evangelho».
Peter Ameh, outro seminarista: «É aterrador e percebo que ser seminarista pode querer dizer que eu tenho de dar a vida, mesmo no seminário, pelo Evangelho. Isto consola-me, porque se os meus irmãos podem ser chacinados, se podem sofrer pelo Evangelho, eu tenho que perceber que tudo pode acontecer na minha vida».
Para todos, a vida é uma luta. Não com armas de violência, mas com um despojamento radical e um amor entregue até ao último suspiro. A quem não percebeu isto, e anda distraído com caprichos que não valem nada, Jesus disse claramente:
– «O reino dos céus é tomado pela violência e são os violentos que o arrebatam» (Mt 11, 12).
José Maria C.S. André
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