«A primeira variação da presunção, (…), é o pelagianismo burguês-liberal, que se baseia mais ou menos na seguinte consideração: Se Deus tem de existir e se toma realmente conta do homem, não pode ser assim tão tremendamente cheio de pretensões, tal como nos é apresentado pela fé da Igreja. No fundo eu não sou pior que os outros, cumpro o meu dever, e as pequenas fraquezas humanas não podem realmente ser assim tão perigosas. Nesta atitude tão comum estão novamente escondidas a auto-redução e a modéstia pessoal (…) perante o amor infinito, do qual o indivíduo, com o burguês contentamento de si mesmo, pensa não ter necessidade. Talvez durante tempos tranquilos se possa viver prolongadamente nesta atitude, mas nos momentos de crise ou a pessoa se converte ou cai no desespero».
«A outra face do mesmo vício é o pelagianismo dos piedosos. Estes não querem ter perdão algum e, de um modo geral, nenhum verdadeiro dom de Deus. Querem estar em ordem, não querem perdão, mas justa recompensa. Quereriam não esperança, mas segurança. Com um duro rigorismo de exercícios religiosos, com orações e ações, querem ter direito à beatitude. Falta-lhes a humildade essencial para qualquer amor, a humildade de receber dons que ultrapassam a nossa ação e o nosso merecimento. A negação da esperança a favor da segurança, diante da qual nos encontramos agora, baseia-se na incapacidade de viver a tensão do que está para vir e de se abandonar à bondade de Deus. Assim, este pelagianismo é uma apostasia do amor e da esperança e em profundidade também da fé».
(“Olhar para Cristo” – Joseph Ratzinger)
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