Começou no dia 3 (2018) o Sínodo dos bispos, em Roma, dedicado à juventude e à vocação. Logo no início, o Papa pediu aos participantes que falassem com franqueza e se disponibilizassem para ouvir. «Somos chamados a colocar-nos à escuta daquilo que o Espírito nos sugere, segundo modalidades e direcções muitas vezes imprevisíveis».
Este assunto tem uma larga história na Igreja, porque muitas vezes a confiança em Deus parece mais temerária que saltar de um avião sem paraquedas. Perante uma opção razoável e um caminho inspirado pelo Espírito Santo, a tendência a agarrar-se aos paraquedas desta vida é quase irresistível.
Um destes momentos de clara definição ocorreu em 1965, durante o Concílio Vaticano II. Examinava-se o celibato dos padres. Por um lado, estava claro que não existia uma necessidade absoluta de que os padres fossem solteiros e não se ignorava a escassez de clero. Por outro lado, reconhecia-se a grande conveniência do celibato.
Antes de a teologia se ocupar do assunto, o Povo de Deus captou a profunda relação entre o celibato e o sacerdócio e escolheu os padres com este critério (nos primeiros séculos, as pessoas não se propunham para serem padres, eram escolhidas). O Magistério reconheceu que o Espírito Santo inspirava o povo e por isso recomendou e mais tarde estabeleceu que, excepto em casos específicos, só fossem ordenados padres na Igreja Latina homens solteiros. Diversas vezes, ao longo de dois mil anos, esta disposição foi confirmada. Em 1965, reunida no Concílio Vaticano II, a Igreja voltou a examinar a questão.
A primeira pergunta foi: «a autoridade eclesiástica pode impor o celibato?» – evidentemente que não. A segunda pergunta foi: «qual a origem da virgindade pelo Reino de Deus?» – é um dom de Deus livremente recebido, um tesouro que Deus entrega a quem quer. A terceira questão dizia respeito ao próprio sacerdócio: «qual a sua origem deste chamamento?» – é um dom divino, uma graça que a pessoa pode rejeitar ou aceitar. A questão que teve mais eco nos meios de comunicação social é se seria prudente só ordenar quem tivesse recebido de Deus os dois dons, da vocação ao celibato e da vocação ao sacerdócio.
Normalmente, ao amadurecer a vocação ao sacerdócio, ao abrir-se generosamente ao convite de Deus, a pessoa toma consciência de que esse caminho lhe vai ocupar tão completamente as forças e o coração que decide entregar-se no celibato. Não compete à hierarquia forçar essa decisão, que tem de ser absolutamente livre, mas cabe-lhe decidir quem admite à ordem sagrada. Assim, a Igreja, reunida em Concílio, decidiu confiar inteiramente em Deus. Face às inquietações da sociologia e da estatística, o Concílio argumentou que o dom do celibato era tão importante para a vida de um padre que o Espírito Santo, ao suscitar em alguém a vocação sacerdotal, o faria compreender igualmente a vocação à entrega plena no celibato.
Chegou o dia 7 de Dezembro de 1965, véspera da grande festa de Nossa Senhora a quem o Concílio queria oferecer os seus trabalhos. Dos 2394 bispos reunidos, 2390 votaram a favor do decreto «Presbyterorum ordinis», no qual se diz:
«O celibato harmoniza-se por muitos títulos com o sacerdócio. [Segue-se uma lista de razões]. Por todas estas razões, fundadas no mistério de Cristo e na sua missão, este sagrado Concílio aprova e confirma novamente a legislação (...), confiando no Espírito Santo que o dom do celibato, tão harmónico com o sacerdócio do Novo Testamento, será dado generosamente pelo Pai, desde que (...) toda a Igreja o peça, humilde e insistentemente. (...) Por isso, este sagrado Concílio pede (...) a todos os fiéis que tenham a peito este dom precioso do celibato sacerdotal e supliquem a Deus que o confira sempre abundantemente à sua Igreja».
Confiar ao Espírito Santo as vocações sacerdotais, tão essenciais para a Igreja, colocando ao mesmo tempo a fasquia tão alta ...parece equivalente a saltar de um avião sem paraquedas. Mas a Igreja, quando trata de vocação, atira-se mesmo ou, como dizia o Papa Francisco, «escuta aquilo que o Espírito sugere, segundo modalidades e direcções muitas vezes imprevisíveis».
José Maria C.S. André
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