«Oxalá tudo aquilo que eu tocasse se transformasse em ouro» ― desejou ardentemente um rei mitológico. E o “maravilhoso” dom foi-lhe concedido pelo génio. Porém, a vida não correu como o velho monarca tinha sonhado. Tudo o que tocava se convertia em ouro ― também a comida e a bebida que, desesperadamente, tentava engolir. Assustado, tomou nos braços a sua pequena filha e ela transformou-se numa estátua dourada. Os seus empregados fugiam dele a sete pés com medo de terem a mesma “sorte”.
Era o homem mais rico do mundo... e o mais desgraçado. «Que infeliz sou! Por amor ao ouro, perdi tudo aquilo que na minha vida tinha mais valor». Ao ouvir isto, o génio apiedou-se do “pobre” Midas e mandou-o submergir-se nas águas do rio para purificar-se do malefício. E tudo voltou à normalidade. A partir de então, o rei nunca mais se deixou “cegar” pelo afã de riquezas: tinha aprendido que na vida havia coisas com mais valor.
Esta velha história sempre se interpretou como um convite a viver a virtude da temperança. Só aquele que vive com uma certa exigência pessoal ― sem se deixar escravizar pelos desejos de possuir e acumular muitas coisas ― aprende a usar correctamente aquilo de que necessita e é capaz de alcançar uma felicidade verdadeira nesta vida. Sendo isto tão óbvio, porque é que a temperança é vista por muita gente como algo negativo? Fundamentalmente, porque exige esforço. E o esforço é, para muitos, o inimigo número um da felicidade.
Não é possível vivermos de um modo temperado se não estivermos dispostos a dizer que não a algumas das nossas tendências. A beleza da virtude da temperança só se pode compreender quando percebemos que vale a pena. Ela não é uma simples negação daquilo que nos atrai. Vê-la desse modo seria um reducionismo! A temperança põe ordem na sensibilidade e na afectividade, nos gostos e nos desejos. No fundo, nas tendências mais íntimas que cada um de nós possui. E possuir ordem nessas tendências é o único caminho para sermos felizes de verdade.
Como qualquer virtude, a temperança é, antes de mais nada, uma afirmação do bem e, só como consequência, uma negação a deixar-se arrastar pelo mal. Convém recordar que o mal não estava no ouro, mas no coração desordenado do rei Midas. Necessitamos das nossas tendências, mas elas não podem ter sempre a última palavra no nosso actuar. Porquê? Porque, como reconheceu o rei mitológico, há coisas na nossa vida que possuem mais valor.
Um cristão, que vive na graça de Deus, sabe que leva um tesouro no seu coração. A consciência desse tesouro ― no qual encontra verdade, felicidade e sentido para a vida ― leva-o a viver com delicadeza a virtude da temperança.
Sem comentários:
Enviar um comentário