É fácil ser-se católico em Portugal, pelas tradições, pela cultura das origens. Somos um Estado laico com uma sociedade de legado judaico-cristão. A melhor roupa dos nossos avós seria a dominical, a minha geração fica de pijama. As nossas revoluções verdadeiramente democráticas nunca foram executadas em princípios religiosos, muito menos os romanos. Em 1910 perseguiram a Igreja. Em 1974 a ideologia era comunista, não havendo, mais uma vez, lugar para a cristandade no reconstruir. Pergunto-me agora se não teriam apresentado resultados menos temerosos se guiados ou, pelo menos, dispostos a ouvir algum conselho mais milenar.
Neste sentido, o preconceito quase geral justifica-se. Um mesmo que também possuía quando entrei pela primeira vez num Colégio de fundamentação jesuíta. Em três anos é evidente que a minha vida mudou e as várias partes que melhoraram se devem ao investimento no colégio, em ter a possibilidade de o frequentar.
Aí encontrei Deus. Comecei a fazer parte de uma paróquia, tive um ano de reuniões de preparação para o Crisma. A maneira inaciana de ensinar é especial. Cada aluno é um potencial. Assim, as dificuldades não são resolvidas em conjunto, existindo uma preocupação com cada indivíduo. Um reconhecimento da positividade dentro da diferença, e da presença de, por isso, sermos iguais. Há a criação de um sentido de respeito. É-me mais fácil respeitar alguém que conheço, não se vendo um ‘fosso’ nas relações entre professor e aluno. Vê-se sim uma amizade. Uma predisposição natural à interajuda entre toda a comunidade e isso é, de facto, um ideal essencialmente cristão. Jesus bem disse que nos devíamos amar a todos.
Torna-se inspirador. Os nossos heróis deixam de ser o Figo ou o Homem-Aranha. Porque houve um homem, chamado Pedro Arrupe, que quando a displicência americana bombardeou Hiroshima e Nagasaki, decidiu ignorar os avisos de perigo devido às radiações e partiu rumo ao desastre. Para ajudar o outro. Porque na sua consciência tão viva de Fé sabia que a sua vida não era mais importante que nenhuma outra. Que se salvasse dez teria valido a pena. E muitos salvou. E viveu para ajudar mais.
Eu encontrei Deus tarde. Ou talvez não. Encontrei-o – ou melhor, quis vê-Lo – quando teve que ser. Naquela altura em que passamos de jovem criança para jovem adulto. Quando começam a crescer liberdades e as correspondentes responsabilidades das mesmas. Quando as escolhas difíceis surgem, as perguntas sem resposta, a morte, o falhanço depois do esforço. A desilusão. O entender que o mundo não se trata, de todo, de um sítio fácil. Muito menos hoje, mas isso já há vinte anos presumo que se dissesse.
E foi numa dessas alturas em que senti algo mais que o ‘costume’. Que, no meio de não fazer ideia do que fazer, achei um aconchego, uma linha de luzes pequeninas a mostrar-me um caminho para aterrar. Penso, todavia, que não tem somente que ver com uma mão amiga, um apoio na tristeza. A Fé transforma-se em algo sempre presente. Se, quando choramos, Ele está sempre lá, também aprendi a celebrar com Ele, a reunir dentro de nós uma gratidão por poder existir. Porque vale a pena.
Deixa de contar apenas se hoje o meu copo está meio cheio ou meio vazio. O vazio deixa de ser uma falta para passar a motivação, uma força para o encher e partilhar. Nem preciso de olhar para o lado para ver que há tantos que nem copo têm.
Sebastião Reis Bugalho texto para a revista 'Caritas' em setembro de 2013
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