Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Virgílio, BUCÓLICAS, canto IV

Tradução da IV écloga de Virgílio por Luís Filipe Thomaz a partir do latim, repassada de um messianismo que atesta da esperança universal no Emanuel — o "Deus connosco", a que a antiga liturgia romana aplicava o epíteto de "desideratus cunctarum gentium", o desejado de todas as gentes. Escrita necessariamente antes da morte do autor, em 19 A. C., a écloga — a que Jerôme Carcopino dedicou um detalhado e sábio estudo — fala do nascimento de um menino, que os primeiros cristãos identificaram com Jesus, fazendo, por conseguinte, de Virgílio uma espécie de profeta pagão, como a Sibila.

*****
           
Sicilianas Musas, nossos cantos, um tanto soergamos:
nem a todos deleitam os arbustos, os tamariscos franzinos,
se é aos bosques que cantamos,
que de um cônsul os bosques sejam dinos!
            Eis que na verdade,
do oráculo de Cumas vem chegando a derradeira idade:
dos séculos a grande ordem de novo recomeça;
eis que volta a Virgem; eis que de Saturno o reino já regressa,
e dos altos céus nova linhagem dece!
            Mal nasça o menino com que já fenece
a férrea idade, e de polo a polo
se mostre a áurea estirpe, tu, casta Lucina, o favorece!
Já reina o teu Apolo!
            Em teu consulado, ó Polião, e sob a tua guia,
principiará a glória desta nova era,
e dos grandes meses o transcurso, dia a dia.
Se de nosso crime algum vestígio houvera,
írrito será doravante,
e livre quedará do pavor eterno a esfera.
            Dos deuses receberá vida o nascituro infante,
e aos deuses juntos os heróis verá;
ver-se-á a si a estes mesclado,
e o orbe regerá,
pela virtude paternal pacificado.
            E a ti, menino, como dom primeiro,
hedras trepadeiras e acanto sorridente
bácaro abundante e colcas, juntamente,
sem qualquer lavoura, em profusão
dará o campo inteiro.
            De livre moto, as cabras ao curral trarão
túrgidos de leite os úberes dilatados;
e ao corpulento leão
não voltarão jamais a recear os gados.
            De si o berço se te porá, meigo, em flor;
tombará morta a serpente,
e murcha a erva do veneno enganador;
mas o amomo da Assíria vicejará vulgarmente.
            Quando dos feitos paternos fores ciente,
dos heróis saibas ler o elogio,
e da virtude discernir o vulto,
louros, lentamente,
se porão os campos com o brando estio;
a uva rósea penderá do tojo inculto,
e do roble agreste escorrerá o mel em fio.
            Da prístina fraude algum vestígio quedará, porém, oculto,
forçando a jangada a arrostar o mar ingente,
a cidade a manter em torno o muro,
e o arado a sulcar ainda o solo duro.
            Um novo Tífis haverá então, e novamente,
Argo aparecerá, que dos heróis transfrete a jóia,
pois virão novas guerras no futuro,
e uma vez mais o grão Aquiles será mandado a Tróia.
            Quando a idade firme te tornar, porém, sisudo,
desistirá do mar o próprio marinheiro,
e inútil quedará, sem conteúdo,
a nave talhada do pinheiro,
pois toda a terra produzirá de tudo.
            Não mais o solo padecerá lavoura,
nem tampouco a vinha o golpe da seitoura.
            Soltará da canga aos bois o lavrador robusto,
e não terá mais a lã de se tingir de laivos variados,
pois ao pascer nos prados,
o mesmo anho mudará, venusto,
ora em púrpura suave, ora em amarelo,
as cores do próprio velo.
            Espontâneo vestirá o azarcão de tons profusos
o cordeiro que retouça nos montados.
"Fiai tais séculos" - disseram as Parcas a seus fusos,
conformes como sempre com os fados.
            Das honras mais augustas chegando vem o momento!
Ó cara prole dos deuses, de Júpiter ó maior rebento!
Acerca-te, enxerga asinha:
vacilante, ajoujado ao cárrego do mundo,
as terras, a extensão do mar, o céu profundo,
vê como se alegra tudo com a era já vizinha!
            Oh, que da já longa vida me reste um tempo derradeiro,
e me não falte quanto hei mister de alento,
p'ra de teus feitos lavrar o rol inteiro…
Não me vencerá em carmes o talento
nem do Orfeu trácio, nem de Lino,
ainda que a este inspire o pai divino,
e àquele assista a mãe que o trouxe ao colo:
de Orfeu Caliopeia, de Lino o belo Apolo.
O próprio Pan, com Arcádia por juiz, se comigo se batia,
o próprio Pan, com Arcádia por juiz, vencido se diria.
            Começa, pois, menino, a conhecer pelo sorriso
a mãe que dez meses o fastio suportou mofino;
começa, pequenino,
pois, de feito,
quem jamais conheceu nos pais o riso,
nem da mesa um deus reputa dino,
nem uma deusa do leito.

Sem comentários: