Ouvi falar de um livro que conta a história de um grupo de rapazes que são os únicos sobreviventes de um acidente aéreo. Sem a ajuda de nenhum adulto, devem organizar a sua vida numa ilha deserta paradisíaca. Tudo parece fácil no começo. No entanto, em pouco tempo, comprovam que conviver uns com os outros não é uma tarefa nada simples.
Surgem conflitos, faltas de entendimento e acaba por aparecer a violência e uma guerra aberta entre eles. Fica claro que, apesar da tendência que todos temos para o bem, a maldade está misteriosamente presente no coração humano. Sem uma aprendizagem séria dos valores acumulados pela Humanidade com o passar dos anos ― valores cívicos, morais, de respeito mútuo ― os rapazes encontram-se indefesos diante das suas más tendências. Não sabem como dirigi-las ou dominá-las. Consideram tudo o que procede do coração como natural e, por esse motivo, bom. A bondade confunde-se com a espontaneidade.
É verdade que possuímos um desejo inato de fazer o bem. Mas também é verdade que a nossa natureza está “ferida” e necessita de muitos cuidados ― uma formação esmerada ― para funcionar correctamente. Aprender matemática e português é muito mais fácil do que aprender a ser boa pessoa, a conviver com os outros e a semear a paz à nossa volta. Este segundo tipo de conhecimento ― teórico e prático ao mesmo tempo ― também deve ser transmitido na escola. No entanto, em primeiro lugar, deve ser assimilado em casa com os pais e os irmãos no ambiente familiar.
É uma ingenuidade atroz muito difundida pensar que o progresso científico e económico da sociedade leva consigo obrigatoriamente um progresso moral. Que o digam muitos professores de escolas secundárias com quem tenho falado ultimamente. Dizem-me que, hoje em dia, existem meios técnicos para transmitir os conhecimentos como nunca houve no passado. No entanto, muitas vezes, falta essa educação básica de saber comportar-se e de respeitar os outros que arruína o bom ambiente na sala de aulas.
São palavras recentes de um professor: «Por muito que tente e me esforce, não consigo dar a matéria. A maior parte das minhas energias gasto-as a ensinar os alunos a estarem atentos, a comportarem-se bem, a respeitarem-se uns aos outros. Aquilo que antes se aprendia em casa com os pais, agora tenho de tentar ensinar na escola».
Por muito progresso que alcancemos, nunca será fácil educar moralmente as pessoas. Além disso, não se trata de uma educação “acumulativa” ― como acontece com os conhecimentos científicos ― mas de uma educação que deve, de algum modo, começar do zero em cada geração. Em matéria de educação moral e formação do carácter é imprescindível o convencimento da parte dos pais e dos educadores da importância primordial que ela possui. Que adianta ter muitos conhecimentos científicos se depois não se sabe conviver pacificamente com os outros respeitando-os? As notas escolares não são a única indicação para os pais ― nem muitas vezes a mais importante ― de que os filhos estão a progredir na sua formação pessoal.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria
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