A guerra não cansa na Colômbia,
desde há 60 anos. Todos os anos morrem milhares de pessoas, milhares de outras
ficam gravemente feridas e povoações inteiras são destruídas. Neste momento, é
difícil saber quem começou, porque também tinha havido crimes gravíssimos há 70
anos, e há 80. Cada nova chacina alimenta ódios e, de qualquer modo, os
rancores não precisam de factos para se justificar, bastam-lhes percepções. Um
boato que se respira como um vapor difuso só pede um pequeno fósforo para incendiar
uma vingança sem freio. A justiça soa como vingança, longe do olhar de Deus.
Há muitas gerações que, na
Colômbia, as palavras perdoar, pedir perdão, reconciliar-se, soam no deserto.
Paulo VI – numa altura em que os Papas ainda não viajavam muito – foi à
Colômbia apelar à paz; João Paulo II insistiu. As pessoas ouviram-nos, mas
lembravam os factos: «eles» mataram toda a minha família... Este «eles» podia indicar
os guerrilheiros, ou a polícia, ou os ricos, ou os indígenas. Ao fim de tantas
gerações em luta sangrenta, não sobra ninguém que não tenha profundas razões de
queixa.
Apesar de tudo, a Igreja
continuou a pregar a paz, o perdão, a convidar cada um a pedir perdão. Aos
poucos, a sociedade começou a entender que os obuses dos canhões serviam para
continuar a guerra mas não serviam para construir a paz. Porque na Colômbia não
se luta só com metralhadoras e emboscadas, também há canhões e armas pesadas.
Nesta fase, em que os números já caíram muito, ainda há mais de 20 mil
guerrilheiros e dezenas de milhar de militares e paramilitares que lutam contra
eles.
Há cerca de um ano, chegou-se a
um acordo, mediado pela Igreja católica, entre o Governo e as forças rebeldes,
mas o projecto não foi aprovado no referendo nacional. Recomeçaram as negociações
e, sobretudo, cresceu na sociedade a convicção de que tinha chegado o momento
de cada um acolher os do outro lado e perdoar.
Francisco decidiu intervir pessoalmente e foi conviver com os colombianos de 11 a 17 de Setembro últimos.
Depois do resultado desanimador do referendo, não estaria esgotado o caminho da
paz? Nem os bispos da Colômbia nem o Papa tiveram essa opinião e Francisco
aterrou no aeroporto de Bogotá disposto a partilhar o drama.
– «Estou aqui não tanto para
falar, mas para estar perto de vós e fixar-vos nos olhos, para vos escutar e
abrir o coração ao vosso testemunho de vida e fé. E, se mo permitis, desejaria
também abraçar-vos e, se Deus me der a graça (porque é uma graça!), quereria
chorar convosco, queria que rezássemos juntos e nos perdoássemos – também eu
devo pedir perdão – e que assim, todos juntos, pudéssemos olhar em frente e
avançar com fé e esperança».
O Papa chorou com os
colombianos e os colombianos choraram com o Papa. Uma multidão nunca vista no
país compareceu nas Eucaristias vestida de branco, como sinal de que estavam
dispostos a perdoar. Numa das Missas, estava um milhão de pessoas. A imagem branca
da multidão falava por si e, desta vez, as palavras do Papa não soaram no
deserto.
Nestes sete dias intensos, o
Papa tocou, ouviu, chorou, comoveu.
Numa casa em que os jesuítas
acolhem crianças órfãs, uma rapariga contou a sua história: a guerrilha tinha
chacinado a povoação inteira, só um bebé sobreviveu – ela –, apanhada do chão
pelos jesuítas.
Noutros encontros, ouviram-se relatos
de sofrimentos incríveis, em que as vítimas tiveram força para terminar dizendo
que perdoavam. Falaram também guerrilheiros, que pediram desculpa pelo mal que
fizeram. Também eles tinham sofrido horrores e injustiças. O Papa comentou que
todos precisamos de perdoar.
O método do Papa foi
transformar os testemunhos em oração. Lembrando um versículo do Salmo 85, profetizou:
«“O amor e a fidelidade vão encontrar-se. Vão beijar-se a justiça e a paz”
(...) – Renovai-nos! Obrigado, Senhor, pelo testemunho daqueles que infligiram
dor e pedem perdão; daqueles que sofreram injustamente e perdoam. Isto só é
possível com a vossa ajuda e a vossa presença».
José Maria C.S. André
24-IX-2017
Spe Deus
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