Com a solenidade dos
pergaminhos latinos, o Papa Francisco publicou «junto a S. Pedro, no dia 11 de
Junho de 2017, ano quinto do nosso pontificado», uma Carta apostólica sobre a
memória daquelas pessoas que entregaram a sua vida por amor e perseveraram até
à morte. Os documentos deste tipo são conhecidos pelas palavras iniciais, que neste
caso são «maiorem hac dilectionem»: aquela frase em que Jesus diz que não há
maior amor do que dar a vida pelos seus amigos (Jo 15, 13). Como é que começou a
veneração aos santos?
Não se conhecem todos os
pormenores. Conservar a memória dos mártires foi algo instintivo na Igreja. Os
arquivos da burocracia romana ajudavam a compilar as actas dos martírios, mas o
mais valioso era sempre espreitar o coração daqueles homens, daquelas mulheres,
daquelas crianças. Os nomes dos juízes ou dos carrascos aparecem só de
passagem, sem mais relevo que o local e as circunstâncias, porque as actas não perpetuavam
a memória dos crimes, guardavam a memória do amor, mais forte que a morte, como
diz o Cânticos dos Cânticos. A Igreja entende-se como uma família presente na Terra
e no Céu, de modo que, para ela, os mártires continuam unidos aos vivos. Não em
sentimento, na realidade. E, quem diz os mártires, diz os santos, porque a
morte violenta nunca foi o elemento importante.
Há quem discorde deste culto; o
facto é que tem sido assim há séculos e continua. Deus deu-nos a companhia dos
santos, deveríamos prescindir deles?
Será que Deus esquece os que O
amaram, quando eles morrem? A Igreja deveria deixar de imitar Deus, que guarda
amorosamente a memória dos seus amigos através dos séculos?
Pormenor
de uma das fachadas da catedral anglicana de Westminster, em Londres. A estátua central deste friso representa o Arcebispo católico Óscar Romero. |
Na época em que Óscar Romero
foi bispo, El Salvador sofria uma guerra civil sangrenta. De um lado, os
Esquadrões da Morte, armados pelos militares e pelos Estados Unidos; do outro,
a Frente Farabundo Martí, armada pela União Soviética através de Cuba. Uns e
outros, mataram a eito. Perdeu-se o respeito pela vida, matavam porque sim, por
hábito, por preconceito, por ódio. A morte do Arcebispo atingiu um sadismo requintado:
um automóvel do Esquadrão da Morte parou em frente da porta aberta da capela do
hospital, durante a Eucaristia, a seguir à Consagração, e um atirador disparou
uma bala explosiva, com o gozo de ver o sangue do Arcebispo pingar sobre as
hóstias brancas e a toalha do altar. A Igreja perdoou e reza pelo desgraçado
assassino, mas, sobretudo, guarda no seu coração a memória de Óscar Romero, cristão
vibrante, cheio de zelo pelas almas.
Felizmente, aquela guerra civil
acabou, mas continua a morrer gente às mãos das marras (as organizações de
tráfico de droga) e persistem injustiças gritantes, que afectam um grande
número de pobres. O presente jubileu tem sido uma intensa oração ao Céu, para
que Deus cuide o seu povo que sofre e lhe dê finalmente a justiça e a paz. O
Papa encarregou o enviado especial às celebrações do dia 15 de lembrar aos
salvadorenhos este «bispo e mártir, ilustre pastor e testemunha do Evangelho e
defensor da Igreja e da dignidade dos homens, porta-voz do amor de Cristo entre
todos, especialmente entre os pobres, os marginalizados e descartados», «que
difundiu, a justiça, a reconciliação e a paz».
S. Maximiliano Kolbe |
Carta de D. Álvaro del Portillo ao Arcebispo Óscar romero |
José Maria C.S. André
13-VIII-2017
Spe Deus
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