Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

domingo, 14 de maio de 2017

“Fátima é no mundo a melhor expressão do Céu” - Mons. Luciano Guerra ex-Reitor do Santuário de Fátima

A propósito deste mês de Maria e de mais uma peregrinação aniversária de 13 de maio, fomos conversar com monsenhor Luciano Guerra, que foi reitor do Santuário entre 1973 e 2008. Um exercício de memória pela história da instituição, a mensagem e a espiritualidade, os Videntes e os Papas, as emoções e a reflexão de um padre que nunca olhou para Fátima sob o ponto de vista da sua grandeza.
Continua a residir no Santuário, onde celebra mas não assume qualquer cargo, dedicando-se atualmente à missão de capelão do Convento da Visitação, na Batalha. Da longa conversa, foi preciso sintetizar e retirar assuntos, que darão – quem sabe – para uma outra publicação.

Qual é a sua primeira memória de Fátima?
É a da minha primeira vinda a pé, a 13 de maio de 1941, da Calvaria. Recordo que ensaiámos na paróquia o cântico à Rainha da Paz, com aquele pedido “faz com que a guerra se acabe na terra”, um canto lírico muito belo. Ao chegar, era um lamaçal imenso, à volta dos fontanários onde estava já a imagem ao Sagrado Coração de Jesus. Mas foi um grande momento para mim.
Antes disso, lembro-me de o meu pai relatar que a minha avó tinha vindo a Fátima no dia 13 de Outubro de 1917 e que ele lhe perguntara se tinha visto Nossa Senhora. Ela respondeu que não, mas que tinha visto o sol a girar sobre si mesmo, tomando várias cores e que parecia cair sobre a terra. Também o meu pároco, padre João Menitra, tinha vindo à Cova da Iria nesse dia e contava o episódio com a mesma vivacidade. Esses relatos serão o meu primeiro contacto com a mensagem de Fátima.

E quando teve consciência da dimensão dessa mensagem e da espiritualidade de Fátima?
Isso foi mais tarde, já seminarista. Vínhamos às peregrinações mensais, cantávamos na liturgia, dormíamos em camaratas enormes... Impressionavam-me muito aquelas noites de adoração ao Santíssimo, com grandes pregadores. Cheguei a pensar restaurar isso mais tarde, mas optámos pela celebração da Missa. Ficou-me de então uma impressão muito forte e muito bela... a fresquidão e o silêncio da noite, as pessoas em adoração dispersas pelo recinto, junto às suas velinhas acesas.

Nasceu aí o seu amor por Fátima?
Sem dúvida. Aliás, ainda seminarista, aos 18 anos, tive uma pleurisia, o médico aconselhou-me ares puros, de montanha, e o Bispo D. José mandou-me para Fátima, onde passei alguns meses. Foi aqui que comecei a aprender inglês, com um padre australiano que estava em ano sabático, a quem eu ensinava português. Um tempo muito interessante. Havia ainda muito ruído à volta da Capelinha, mas vinham já muitos peregrinos, mesmo do estrangeiro. Apercebi-me mais tarde de que Deus foi sempre providenciando para que Fátima realizasse um aprofundamento espiritual, mas sem que o povo deixasse de ter uma certa liberdade, no respeito pela sua simplicidade.
Vem daí a minha convicção de que a pastoral das multidões é tanto ou mais importante do que a pastoral das elites. Jesus Cristo dedicou a maior parte do seu tempo às multidões, que são quem melhor exprime o fundo geral e mais profundo do ser humano, incluindo o espiritual.

Essa relação com o Santuário continuou após a ordenação...
Sempre. Ordenei-me estava em Roma em 1957; fiz o último ano de teologia em Salamanca e logo fui nomeado capelão do Santuário, onde estive dois anos. Entre 1961 e 1964, dirigi o Externato da Marinha Grande. Viajei depois para Paris, onde fiz estudos de filosofia e realizei uma rica revisão da minha fé sacerdotal, regressando ao Externato em 1968. Em 1973, fui nomeado reitor do Santuário, e aqui fiquei como tal até 2008.

Como recebeu essa nomeação?
Como uma escolha, um chamamento de Deus. Olhando a todos esses anos, posso pensar que foi Ele quem me mandou e me destinou para esta missão. Se fiz as obras que Ele queria e se cumpri o mandamento do amor como Ele queria, disso já não posso ser juiz. Mas tentei, apesar das fraquezas que só eu e Ele conhecemos.
Guardo a memória de uma conversa com o então bispo D. João Venâncio, quando eu estava ainda em Paris. Falou-me de um projeto de obras a realizar e eu sugeri que se fizesse um plano geral para o desenvolvimento e a ação pastoral do Santuário. Ele observou: “tu é que podias pensar nisso”. Mas, de facto, eu não pensava então que viria a ser chamado para aqui. Na verdade, nunca me preocupei muito com o meu futuro, nem com os lugares onde poderia trabalhar, nem os títulos, mesmos académicos, nem os cargos. Vivi sempre mais o momento presente, o prazer do estudo, os desafios que se me apresentavam a cada dia.

E qual a sua primeira memória como reitor?
Quando assumi esta função, a minha primeira preocupação foi conversar com os capelães. Lembro-me de lhes ter perguntado: “Os senhores estão suficientemente ocupados?”. Surpreendentemente a resposta foi que não. Decidi então começar por escrever um projeto de plano pastoral – pelo ano 2000, faria um segundo já mais elaborado. Enviei-o a umas dezenas de pessoas de Fátima, da Diocese e de fora. Nesse primeiro projeto desenhava a estrutura organizativa, com os departamentos em que desde então se encaixam os vários campos de atividade do Santuário, cada um com o seu diretor. Começámos também a estruturar o arquivo. Um cuidado especial foi dado às celebrações litúrgicas e aos atos da chamada piedade popular. A partir daí, reuníamos frequentemente, em vários conselhos e também com os trabalhadores, de modo a captar a boa vontade de toda a família dos Servidores de Nossa Senhora, denominação que já se usava e me agradava muito. Sempre acreditei que é importante trabalhar em equipas alargadas, com abertura e partilha de conhecimento. Nunca gostei de ter segredos...

Este é um lugar pouco indicado para quem não gosta de “segredos”...
(Risos) Esses são os segredos de Deus, é diferente! Os segredos dos homens ocultam medos de revelação, de contestação e, às vezes, da verdade. E é isso que é pena; não temos de ter medos. O Papa Francisco é um grande exemplo de franqueza.

Mudou, então, a forma como se geria a instituição.
Em certo sentido. Quando cheguei, havia gente muito séria e honesta e com amor à missão, mas estavam todos bastantes dispersos, faltava um condutor. O padre Reis era considerado reitor interino, mas nem sequer tinha sido nomeado. Então, o que procurei foi esse sentido comunitário de condução. Reconheço que a função de chefia é importante, mas o segredo está na responsabilidade partilhada por todos.

Além desses aspetos mais administrativos, como foi para si, emocionalmente, vir como reitor deste santuário?
Sempre fui devoto de Nossa Senhora de Fátima e crente neste acontecimento, desde a infância. Ao ler os documentos de Fátima, particularmente as Memórias da Irmã Lúcia, convenci-me ainda mais de que havia o dedo de Deus em toda esta história. Lúcia é a grande testemunha e a última fonte humana de Fátima, pelo que é fundamental estudar a sua personalidade, muito sólida espiritualmente, e marcada por um profundo amor à verdade.
Eu penso que Deus é o primeiro tema da minha vida, tal como a eternidade e a espiritualidade, realidades básicas na relação com Ele, sem as quais a matéria não tem valor, nem explicação, nem sentido. Mas, em termos de emoções, o que mais me tocou sempre foi a vida e a sinceridade dos Pastorinhos, assim como o “fundo religioso” das multidões, a necessidade que sente o ser humano de louvar e recorrer ao Criador. Essas coisas, e a minha incapacidade para as abarcar totalmente, é que podem fazer-me chorar. Há coisas nas Memórias de Lúcia que ainda hoje não consigo ler ou contar sem chorar, por perceber que não chego aí, a essa generosidade de entrega à fé e de domínio da própria temporalidade.

Entretanto, o Santuário ia crescendo. Quando teve a noção de estar à frente de um centro religioso desta dimensão, a que alguns chamam o “altar do mundo”?
Não gosto muito dessa expressão, digamos, algo publicitária e que considero exagerada. Explico: Fátima não é “o” altar do mundo, mas só “um” dos grandes e mais importantes altares do mundo, disso não duvido. O Papa Bento XVI terá dito a D. António Marto que não há na Igreja celebração ou ambiente espiritual igual ao das multidões de Fátima. Se bem entendo o sentido da sua ideia, não haverá no mundo, nem noutras religiões, um acontecimento tão multitudinário, tão regularmente repetido e, ao mesmo tempo, tão profundamente recolhido em oração. Às vezes tenho vontade de dizer que Fátima é no mundo a melhor expressão da Jerusalém Celeste. Quando o clima e o ambiente ajudam, de dia ou de noite, há momentos em que se sente uma “total” plenitude de paz: digamos que aqui se consegue saborear o Céu.

Essa acaba por ser uma afirmação da enorme importância do Santuário...
Sim, mas não a vejo no sentido que alguns lhe atribuem. Certo dia, um amigo censurou-me por eu ter aceitado um “cargo político”! Nunca o encarei desse modo. Nunca fiz um pedido ou uma concessão a um político. Também houve quem me dissesse que eu tinha muito “poder” ou que era “vip”. Nunca senti isso; não sou dado a grandezas, acho que não tenho esse pecado. Por isso, também nunca olhei para Fátima numa perspetiva de grandeza ou de poder. Nem religioso, nem muito menos civil.
Mesmo em relação à Mensagem, que muitos apontaram como “esperança do mundo”. Recentemente tenho refletido mais sobre a influência global que teve na história universal. Acho muito importante a promessa da conversão da Rússia, que então era comunista, oficialmente ateia, e berço de um movimento que pretendia eliminar Deus do universo humano. Este lugar foi donde partiu o alerta, a promessa e as condições da vitória, no grande combate do século XX, entre o ateísmo e a fé religiosa. Sob esse ponto de vista, sim, Fátima teve e tem um papel importante, pelo teor da promessa divina e pela sua universalidade. Mas esse é um poder especial.
Sempre me contentei com os peregrinos que vinham aqui, nunca procurei que viessem mais, mas sim acolhê-los cada vez melhor. No caso de Fátima, sobretudo, é evidente a sua enorme força de atração, mesmo a nível mundial. Se acreditamos que é Deus e Maria que fazem o que aqui acontece de maravilhoso, não será necessário senão estarmos atentos à força da graça de Deus.

Uma atração que também trouxe cá os Papas. Voltemos às memórias...
Vim cá quando veio o Papa Paulo VI, em 1967. Pediram-me então para fazer de comentador nas celebrações, de dia e na adoração noturna. Vindo de Paris, eu vivia a peregrinação naquela ideia conciliar de que era conveniente purificar a religiosidade popular. Mas Nossa Senhora quis dar-me então uma lição: no final, as pessoas, às centenas, fizeram um verdadeiro “assalto” às flores que ornamentavam a poltrona onde o Papa celebrara, e eu não me tive sem confrontar uma delas: “Ó minha senhora, deixe lá essa paixão das flores! Isso é uma superstição!”. Resposta que me calou fundo: “Sabe? Vim buscar este raminho para um doente que visito no hospital!”.
É essa “alma do povo” que clarifica o mistério de Fátima: o amor de Deus. Essa é a razão pela qual Deus se fez homem. O amor aos pequenos, ao povo. É a linha, providencial, do Papa Francisco que, tal como Jesus, não deixa de receber as elites, que são ricas, mas dedica-se sobretudo às multidões, que são pobres.

Como foi a sua relação com João Paulo II, que veio cá três vezes?
Na verdade, nunca me relacionei muito de perto com os Papas. Pedem-me que conte histórias dos contactos pessoais nessas visitas, mas tive muito poucos. Por razões práticas. Talvez a memória mais íntima seja a da visita a Roma com a Imagem Peregrina, em 1984. Aí, sim, almocei e conversei pessoalmente com o Papa. Gostei muito da experiência dessa visita, no fim da qual ele ofereceu ao santuário a bala do seu atentado. Lembro-me de ele perguntar se estaria feito tudo o que Nossa Senhora queria se fizesse. A minha opinião era que “com certeza, cada Papa fez aquilo que poderia ter feito”. Eu acredito que, num acontecimento divino, só Deus tem o segredo do tempo oportuno para cada tarefa, sobretudo dos seus representantes máximos na terra.

Mas com a Irmã Lúcia teve várias conversas em privado...
O primeiro contacto com ela foi por questões relacionadas com a escritura de doação da sua casa paterna ao Santuário. Voltámos a conversar talvez uma dezena de vezes. Pedi-lhe que escrevesse uma Memória sobre o pai e ela sugeriu escrever também uma sobre a mãe. Enviei-lhe também um questionário com umas 200 perguntas, resumindo as dúvidas que normalmente nos colocavam, e a que ela respondeu por escrito. Mais tarde, pedi para registar em vídeo a sua resposta oral a algumas delas, para ficarmos com esse registo “vivo”. Foi feito o filme de umas quatro horas de conversa, com a reserva de só o tornarmos público após a sua morte.

Muito do que constitui a mensagem de Fátima foi revelado por ela vários anos depois. Entre os primeiros relatos e a linguagem posterior da Irmã Lúcia, há uma grande diferença, as chamadas Fátima I e II. Alguma vez duvidou da veracidade dessas revelações?
Eu sou muito sensível à questão da intromissão do humano nas revelações divinas. No caso de Lúcia, é evidente essa evolução da linguagem e coloca-se o problema. Mas o seu caráter e sobriedade, a clareza com que distingue o que lhe foi revelado e o que pessoalmente acrescenta não deixam margens para dúvidas. Em muitas centenas de páginas, resume-se a meia dúzia aquilo que ela afirma ter sido dito pelo Anjo ou por Nossa Senhora. Se a mensagem fosse invenção dela, teria aparecido com certeza muito mais conteúdo. A sua excelente memória foi muitas vezes testada e quase nunca vacilou, mesmo em relação a outros assuntos. As orações complexas do Anjo, por exemplo, teriam sido facilmente decoradas, atendendo às vezes que as crianças as repetiram. E não é verosímil que tivessem a capacidade de inventar fórmulas como aquelas.

Mais uma vez a memória. Qual a mais forte que guarda destes 35 anos?
Não consigo identificar alguma. Posso dizer que tudo correu sempre bastante bem, graças a Deus. Penso não ser muito dado nem a otimismos nem a pessimismos. Graças a Deus, a Nossa Senhora, e aos Pastorinhos.

Mas vê que muito mudou desde que chegou cá...
Vejo, pouco a pouco, mas mesmo agora procuro não fazer exercícios comparativos. Até sobre a própria cidade de Fátima. Hoje tenho mais tempo para andar a pé e vou descobrindo como cresceu e se desenvolveu, com muitos elementos em que nunca tinha reparado. Épocas diversas, crescimentos diversos, também no Santuário.

Pensa escrever as suas memórias?
Não. Teria de consultar muita documentação, pois já não recordo muitos pormenores. E seria um exercício perigoso, por temas melindrosos e conflitos que não interessa lembrar ao vivo num lugar dedicado à paz. Aliás, ficam arquivados inúmeros documentos para alguém que no futuro sinta vocação para a história do Santuário.

Para terminar, que grande memória do mundo reside em Fátima, neste século de história das Aparições?
Uma das maiores memórias será o pedaço do muro de Berlim, que representa simbolicamente as duas grandes guerras que marcaram o século XX e a vitória sobre o materialismo comunista. Também as casas dos videntes e as estátuas dos Papas, que testemunham a própria história da Igreja a que Fátima esteve sempre ligada. Mas, acima de tudo, a presença dos peregrinos do mundo inteiro na Capelinha das Aparições.

...e que grande memória de Fátima reside no mundo atual?
É a afirmação de Deus como Senhor da história, da existência e soberania de Deus na sua relação com o universo material criado. Fátima sublima e cristianiza a resposta de todas as religiões a Deus, com ênfase para a redenção operada por Jesus Cristo, e para o papel que o mesmo Deus quis reservar a sua Mãe. Mas, sobretudo, faz renovar no mundo a convicção de que só com Deus é que podemos ter uma ideia satisfatória da existência humana.

Luís Miguel Ferraz | Presente Leiria-Fátima 
http://www.leiria-fatima.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=9427:entrevista-a-monsenhor-luciano-guerra-fatima-e-no-mundo-a-melhor-expressao-do-ceu&catid=79&Itemid=671

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