A oportunidade acontece a partir do dia 4 de Maio, quando estrear nos cinemas «Francisco – o Papa do povo» (no título original «Call me Francesco»).
É caso para dizer, a vida deste homem dá um filme. O argumento (de Martín Salinas e Daniele Luchetti) é magnífico, as interpretações muito convincentes (com destaque para Rodrigo de la Serna no papel principal), a realização está à altura (do italiano Daniele Luchetti) e a fotografia também. Para os cinéfilos, é um filme a não perder. Para quem se quer informar sobre a vida de Jorge Bergoglio até ele se tornar Papa, ainda vale mais a pena.
Bergoglio vence obstáculos aparentemente intransponíveis, desafios atrás de desafios, conferindo à acção um ritmo de «thriller». O argumento consegue contar histórias densas de forma cinematográfica: a imagem apresenta a situação, uns diálogos breves explicam o resto e o espectador capta a complexidade do problema e a ambiguidade dos detalhes. Os recursos do cinema permitem esta eficiência narrativa, que ocuparia várias páginas para se transmitir por palavras.
Rodrigo
de la Serna interpreta de modo muito convincente o jovem Pe. Bergoglio |
A vida do padre Jorge Bergoglio foi tão intensa que, apesar da capacidade de síntese dos argumentistas, foi preciso resumir. Por exemplo, não se fala da situação dramática que levou à nomeação do jovem Bergoglio para provincial dos Jesuítas da Argentina. No início da década de 1960 havia mais de 400 jesuítas, passados 10 anos estavam reduzidos a metade, a desorientação era grande, os conflitos pessoais muito agudos, não se via ninguém experiente com capacidade para ultrapassar a crise. Pelo caminho, atravessou-se a guerrilha marxista e a violência descontrolada da resposta militar. Com este ponto de partida, o jovem padre remodelou a formação da Companhia, recuperou o ímpeto evangélico e, por milagre, as vocações afluíram em qualidade e quantidade. Mas nada disto aparece no filme.
Uma época que o filme omite quase totalmente foi um tempo posterior ao mandato de provincial, em que os obstáculos foram ainda mais graves. A sua acção pastoral ficou muito limitada, viu-se proibido de contactar com algumas pessoas e os que tinham trabalhado com ele tiveram de ir para o estrangeiro. A crise agudiza-se ao longo dos anos, até que, quando o Papa João Paulo II beatificou Josemaria Escrivá em Roma, no dia 17 de Maio de 1992, o padre Bergoglio reza ao novo beato para que o ajude. Pouco depois, o Núncio comunica-lhe que o Papa decidira nomeá-lo bispo, notícia que se tornou pública no dia 20 de Maio. O filme não fala do sofrimento destes anos e limita-se a oferecer um «flash» simbólico: o padre Bergoglio está sozinho a cuidar de uma capoeira pobre num local remoto, quando chega um cardeal a transmitir-lhe a nomeação episcopal.
O filme conta algumas histórias do tempo de bispo auxiliar de Buenos Aires, mas salta novamente o período em que ele se tornou o arcebispo titular da diocese e foi feito cardeal.
Apesar destes saltos inevitáveis, o filme é esplêndido. A narrativa está bem construída e, sobretudo, a vida do padre Bergoglio é realmente interessante.
Há apenas um pormenor desagradável, que dura um segundo. Durante um segundo, a despropósito, surge num canto do «écran» um nu feminino, sem rosto, num segundo plano. Dá a sensação de ser a assinatura de alguém que quis mostrar quem manda no mundo do cinema. Noutro filme, nem se notava, numa obra tão valiosa, faz pena.
José Maria C.S. André
23-IV-2017
Spe Deus
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