“[…] esforço artístico neste domínio, ao invés de pensar em Ti e de me sentir inspirada pelo amor que tanto desejaria sentir. Meu bom Deus, não consigo amar‑Te como pretendo. És o crescente esguio de uma Lua que avisto, e o meu eu é a sombra da Terra que me impede de ver a Lua inteira. O crescente é muito belo, e talvez uma pessoa como eu não deva ou não possa ver mais; mas o que eu receio, meu bom Deus, é que a sombra do meu eu se torne tão grande que obscureça a Lua inteira, e que eu julgue a minha própria valia pela sombra, que nada é.
Não Te conheço, meu Deus, porque eu própria Te encubro. Por favor, ajuda‑me a arredar‑me do caminho.
Desejo muito triunfar no mundo com as coisas que pretendo levar a cabo. Dirigi‑Te preces a este respeito, esforçando a mente e os nervos, mergulhei num estado de tensão nervosa e disse «oh, meu Deus, por favor» e «tenho de conseguir» e «por favor, por favor». Não Te dirigi os meus pedidos da maneira certa, sinto‑o. Doravante, deixa‑me pedir‑Te com resignação — o que não é nem pretende ser um afrouxar das orações, antes um orar menos febril —, com a consciência de que este frenesi é causado por uma ânsia daquilo que desejo, em lugar de uma confiança espiritual. Não pretendo fazer conjeturas. Quero amar.
Oh, meu Deus, por favor, desanuvia a minha mente. Por favor, purifica‑a.
Peço‑Te um amor mais puro pela minha santa Mãe e a ela peço um amor mais puro por Ti.
Por favor, ajuda‑me a entrar no mais fundo das coisas e a descobrir onde Tu estás.
Não pretendo renegar as orações tradicionais que rezei ao longo de toda a minha vida; mas tenho estado a rezá‑las sem as sentir. A minha atenção é sempre muito fugidia. Assim, tenho‑a a cada instante. Sinto uma onda calorosa de amor a aquecer‑me quando penso nisto e quando escrevo estas palavras para Ti. Por favor, não deixes que as explicações dos psicólogos a este respeito arrefeçam de súbito estes meus sentimentos. O meu intelecto é tão limitado, Senhor, que só me resta confiar em Ti para me conservares na senda correta.
Por favor, ajuda todos aqueles que amo a libertarem-se dos seus padecimentos. Perdoa-me, por favor.” (p. 17-18).
Excerto do livro de Flannery O’Connor 'Um Diário de Preces' - Editora: Relógio de Água
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