Desde há séculos, a Igreja adoptou a norma, antes de
declarar a santidade de alguém, de exigir a verificação dos homens e a
aprovação de Deus. O crivo humano é o minucioso processo histórico, que
reconstrói a biografia da pessoa, ouve as testemunhas e reúne toda a
documentação possível. A aprovação de Deus manifesta-se em dois milagres claros,
um antes da beatificação e o outro antes da canonização. Não se trata de procurar
fenómenos surpreendentes. Os milagres expressam a aprovação divina porque
alteram as leis da natureza num contexto em que se torna clara a actuação do
Criador. De facto, só Deus é omnipotente e, assim como estabeleceu o curso
normal da natureza, só Ele é capaz de o alterar.
Compreende-se a importância do milagre que foi aceite pelo
Papa Francisco na passada quinta-feira, atribuído à intercessão de Francisco e
da Jacinta, os dois mais novos pastorinhos de Fátima. Este milagre era a
condição que faltava para a sua canonização e por isso muitos pensam que o Papa
os vai canonizar no próximo dia 13 de Maio.
O processo da Irmã Lúcia, a terceira pastorinha de Fátima,
deve demorar tempo, porque a documentação e os milagres têm de passar pelo
escrutínio de várias comissões especializadas. Só depois de percorrer todas essas
etapas é que o assunto chega ao Papa para a decisão final.
Carta manuscrita pela Irmã Lúcia sobre o 3º segredo de Fátima |
Este ano do centenário das aparições de Nossa Senhora em
Fátima é uma boa ocasião para perceber o que aconteceu. Uma fonte são as
«memórias da Irmã Lúcia», uns cadernos que ela escreveu, cada vez que o Bispo
lhe pedia um relatório mais específico sobre algum aspecto. Em geral, não lhe
apetecia pegar na caneta, mas acabava sempre por escrever páginas cheias de
pormenor. Encarava aquele exercício como longas cartas de resposta ao Bispo ou ao
Reitor do Santuário, sem pensar que, no final, poderiam ser publicadas. Talvez
porque as comunicações não eram fáceis naquele tempo, as «memórias» saíram em
livro antes de lhe pedirem a opinião. Paciência! Não era bem a intenção da
autora, mas já não havia nada a fazer.
Um dos pontos notáveis da história de Fátima é a reacção dos
dois pastorinhos. Sendo ainda tão novos (a Jacinta tinha 7 anos e o Francisco
9), eles confiaram totalmente em Deus, com uma intensidade heróica. Fizeram-nos
sofrer muito, suportaram ameaças gravíssimas, mas, em vez de ficarem abatidos,
cada vez confiavam mais, com uma serenidade que contagiou multidões.
Um dia, o Administrador de Ourém, anti-clerical furioso, fechou
as crianças num quarto prometendo que, a seguir, as ia queimar vivas. No
momento em que estavam à espera do destino fatal, umas lágrimas correram pelas
faces da Jacinta, de 7 anos: «Eu queria sequer ver a minha mãe!». «Então tu não
queres oferecer este sacrifício pela conversão dos pecadores?», pergunta-lhe a
prima. «Quero, quero!» e, com as lágrimas ainda a banharem-lhe as faces, faz o
oferecimento. Os outros presos, que presenciaram a cena, comoveram-se. Quando
os três pastorinhos começam a rezar o Terço, todos ajoelharam e alguns, que
sabiam a oração, rezaram também. No final, para distrair as crianças ameaçadas
de morte, os presos começaram a tocar harmónica, a cantar e a dançar. A Jacinta
foi então o par de um pobre ladrão que, vendo-a tão pequenina, terminou a
bailar com ela ao colo. A história de Fátima é um nunca mais acabar de emoções
e de ternura.
Imagem de 13 de outubro de 1917 aquando do milagre do Sol |
A propósito de ajoelhar, ouvi várias testemunhas presenciais
contarem que, em Outubro, quando se deu o milagre, os mais devotos fecharam os
guarda-chuvas e ajoelharam, apesar de o chão estar coberto de lama. No final,
os que tinham ajoelhado estavam limpos e enxutos e os que se tinham protegido
da chuva estavam encharcados…
Graças a Fátima, ajoelharam os peregrinos com fé, os ladrões
de Ourém e até os intelectuais ateus. Quando se deu o milagre do Sol, Afonso
Lopes Vieira saboreava o vento e o mar em S. Pedro de Moel, sem o mínimo interesse pelo que
pudesse acontecer na Cova da Iria, a 40 km de distância. De repente, viu o Sol mudar
de cor e mexer-se. Depois, veio a saber que o mesmo tinha acontecido em Fátima
e converteu-se. Foi ele quem escreveu a letra do conhecido hino de Fátima.
José Maria C.S. André
26-III-2017
Spe Deus
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