Há quem entenda que a Igreja católica tem um problema com as mulheres. O tópico, que não chega a ser sequer um argumento, era recorrente na voz das feministas de 68, que hoje são, pela certa, muito respeitáveis avós. Contudo, como o preconceito persiste, merece algumas sumárias considerações.
Desde os primórdios do Cristianismo que mulheres e homens gozam da mesma dignidade. A distinção funcional não obsta a esta fundamental igualdade de todos os fiéis porque, como ensina o Concílio Vaticano II, todos são chamados por igual à perfeição da vida cristã. Lucas enaltece a Mãe de Jesus e esclarece que, a par do grupo masculino dos doze apóstolos, também um conjunto de mulheres seguia o Mestre, com igual dedicação. Não estranha, portanto, que os relatos bíblicos da ressurreição de Cristo tenham, como protagonistas, as mulheres. Pelo facto de Maria Madalena a todos se ter antecipado no anúncio do ressuscitado, foi até cognominada “apóstola dos apóstolos”.
Na Igreja, desde sempre foi assim. São mulheres as superioras dos conventos e das ordens femininas, sem ingerência de nenhum poder masculino, salvo o do Papa, a que todos os católicos, sejam homens ou mulheres, estão sujeitos. Houve até abadessas que foram tidas por preladas, porque exerceram um poder quase episcopal. As rainhas cristãs, que o foram por direito próprio, exercitaram um poder em tudo igual ao dos reis. Note-se que, em pleno século XXI, a mulher do monarca marroquino não só não reina como nem sequer rainha é, mas apenas princesa e, como tal, inferior e subalterna ao seu augusto cônjuge. Mas isto não incomoda as feministas, que parecem mais interessadas em atacar a Igreja, do que em defender os direitos das mulheres de outras religiões.
Não consta que a religiosa Beata Teresa de Calcutá, a leiga C. Lubich, ou a médica Santa Joana Beretta Mola, casada e mãe de vários filhos, tivessem tido, por razão da sua condição feminina, nenhum problema com a Igreja do seu tempo, que é o nosso. Pelo contrário, mais e melhor do que muitos homens, enriqueceram a instituição eclesial com a alegria das suas vidas santas e, as duas primeiras, também com o dinamismo das entidades que originaram.
O movimento fundado por Chiara é até um caso de salutar feminismo cristão: embora misto, só as mulheres podem chegar à presidência. Seria caso para dizer que a Igreja católica tem um problema com os seus fiéis do sexo masculino, uma vez que nunca poderão ascender ao topo dessa meritória organização…
A questão da mulher na Igreja, como outras análogas, reporta-se a um aspecto para o qual o Papa Francisco tem chamado a atenção e que vai muito além do pormenor, significativo mas de somenos importância, de lavar os pés a duas adolescentes: a necessidade de entender a Igreja como serviço e não como poder. Quem vê ainda a Igreja como um poder, não pode compreender que, para um cristão coerente, seja homem ou mulher, o único que importa é o serviço e que, para esse efeito, tanto dá a condição masculina como a feminina, ser leigo ou sacerdote, viver vida contemplativa ou activa, ser religioso ou cidadão do mundo.
Decididamente, não é a Igreja que tem um problema com as mulheres, mas algumas mulheres que têm um problema com a Igreja. Umas quantas — Maria de Nazaré, Maria Madalena, Isabel de Portugal, Alexandrina de Balazar, Joana Beretta Mola, Teresa de Calcutá, Chiara Lubich, etc. — resolveram-no. Outras, pelos vistos, ainda não, mas estão a tempo de também serem, como alguém disse de Teresa de Lisieux, o rosto de Cristo na face de uma mulher.
P. Gonçalo Portocarrero de Almada - artigo publicado no PÚBLICO (Domingo, dia 14-4-2013)
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