Como é que vou educar duas miúdas numa época que banalizou o sexo até ao ponto em que já não há interdito e erotismo? Como é que vou educar duas garotas numa época em que os rapazes têm o hábito de filmar e publicitar a intimidade sexual?
No meu tempo, o que acontecia em Las Vegas ficava em Las Vegas. Agora não. Como é que vou educar duas miúdas numa época que faz da mulher um mero pedaço de carne?
A coberto da narrativa da emancipação da mulher em relação aos velhos códigos morais, chegámos a um ponto em que a sociedade se afoga todos os dias na carnalização da mulher. O nu feminino está por todo o lado, ora em versão completa, ora em parcelas, um rabo aqui, um busto ali, umas ancas acolá. Seja qual for a versão, este corpo é vendido através da brutalidade porno à Larry Flyint. Há muito que se perdeu o erotismo à Fellini.
Não tenho nada contra rabos, penas e ancas, nem quero que as minhas filhas se comportem como as “virgens sensatas” do Alexandre O’Neill. Não estou a educar, espero, duas botas-de-elástico, nem quero um regresso ao mirífico “antigamente”.
Cá em casa há uma velinha acesa em memória de Dom Rigoberto. Mas julgo que se chegou longe demais. Há miúdas que andam pela rua com t-shirts com inscrições tão sofisticadas como “estrela porno” ou “eat me”. Antes o Che Guevara! Qual é o final desta linha?
E, já agora, quando é isto tudo começou? Talvez em 1960 com o julgamento que opôs o estado britânico à Penguin, que queria fazer uma edição de bolso do romance de D. W. Lawrence, “O Amante de Lady Chaterley” (1928). As autoridades reagiram à massificação de um livro considerado “depravado e corruptor da juventude”. O veredicto foi favorável à editora e simboliza até hoje a viragem da (alegada) repressão religiosa para a (alegada) libertação da nova moral sexual. Philip Larkin eternizaria o momento: “sexual intercourse began/in nineteen sixty-three (...) Between the end of ‘Chatterley’ ban/and The Beatles first LP”.
Claro que é inaceitável voltar ao tempo em que os fariseus podiam censurar um livro considerado “depravado”. Mas o actual caminho também é inaceitável. Em nome da liberdade ou da libertação em relação a um passado considerado retrógrado, uma cultura pornográfica e antifeminista instalou-se no centro da nossa cultura.
Olhe-se, por exemplo, para o mundo dos videoclipes, a começar no hip-hop ou rap: a mulher é sempre retratada como um objecto sexual sem vontade própria, está apenas dois palmos acima da boneca insuflável, não é uma mulher, é a bitch.
Se calhar, é tempo de dizer que chegámos a um beco sem saída. Se calhar, é tempo de dizer que a liberdade e a dignidade da mulher também precisam dos velhos códigos morais que prezavam a contenção (e o erotismo). Se calhar, a religião e a fé são o futuro da mulher, o futuro de uma genuína emancipação feminina feita na cabeça e não no corpo.
Pelo menos, é o que vou tentar ensinar às minhas miúdas, dando-lhes a ler a Bíblia mas também “Os Cadernos de Dom Rigoberto”.
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