Eminência Reverendísima Senhor Patriarca de Lisboa e Magno‐Chanceler da Universidade Católica Portuguesa;Excelências Reverendísimas Senhor Núncio Apostólico e Senhores Bispos; Senhor Embaixador de Portugal junto da Santa Sé;
Senhora Reitora da Universidade Católica Portuguesa; Senhores Professores;Caríssimos Alunos;
Estimados colaboradores e amigos da Universidade Católica Portuguesa;
Constitui para mim uma enorme alegria que, a caminho do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, possa estar no meio de vós, aqui na Universidade Católica Portuguesa. As aparições de Fátima celebram cem (100) anos, como sabeis, e a Universidade Católica celebra cinquenta (50), representando um dos frutos que testemunham a vibrante fecundidade espiritual de Fátima em Portugal. Obrigado pelo vosso acolhimento.
Pensei aproveitar o convite que me foi dirigido, e que agradeço vivamente, para falar convosco sobre o tema da Europa e, sobretudo, da sua identidade: tema que – penso que estaremos todos de acordo – é de grande atualidade e que nos interpela enquanto cristãos não menos que como europeus. Creio que só histórica e culturalmente se possa definir a identidade da Europa. Não de outro modo. A Europa é uma história. Não um simples dado de facto. Ela não tem uma expressão geográfica bem definida (parece um remate das enormes extensões da Ásia). Nem tem uma identidade linguística, pela variedade das suas línguas, derivadas de raízes distintas: grega, latina, céltica, germânica, eslava, fino‐úgrica… A Europa é o resultado aberto de uma história de liberdade de mulheres e de homens concretos.[1] Uma história percorrida também por grandes contradições, lutos e tragédias. Em mil novecentos e trinta e nove (1939), quando eclodia a Segunda Guerra Mundial, o filósofo Karl Löwith, num escrito dedicado à unidade da Europa e à sua dissolução, podia afirmar que o “núcleo da sua unidade não se pode absolutamente entender em sentido material; ele reenvia‐nos, pelo contrário, a um comum modo de sentir, de querer e de pensar desenvolvido no curso da história europeia, bem como a uma determinada maneira de conceber e dar forma a si mesmos e ao mundo. A Europa: este é o espírito europeu e a sua guarda comum”[2]. Identidade como história, portanto, como história do espírito! Sempre que a Europa se identificou com a forma profunda do seu espírito foi uma história que, através das mais altas formas expressivas do pensamento (da poesia à música, da filosofia à ciência, da literatura à arte, do direito à política), construiu, podemos dizer, a mais alta imagem do homem: o homem como dignidade inalienável, indeterminável unicidade, sujeito de liberdade. Quanto há de bíblico nesta imagem! Quanto de cristão! Aquela imagem tornou‐se a forma concreta do humano universal, e foi entregue à inteira civilização mundial. Daquela imagem brotaram ideais e finalidades que têm nomes concretos: chamam‐se “direitos humanos universais”, “democracia”, “igualdade”, “emancipação da mulher”, etc. Quanto caminho fez a afirmação do apóstolo Paulo: “Não há judeu nem grego; nem escravo nem livre; nem homem nem mulher”. Mesmo quando o reconhecimento da sua raiz não foi acolhido positivamente: “por que todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gal 3,28). Sim, o papel do cristianismo na construção da identidade europeia foi imprescindível. Isto não exclui outros importantes encontros, outros reconhecimentos, outras contaminações, outras raízes.
A Europa é uma história plural, inclusive dentro do próprio cristianismo, nas suas divisões e especificidades. Mas a forma judaico‐cristã é aquela que, mais do que qualquer outra, configurou a Europa, determinando a grande revolução antropológica europeia. E essa história inicia‐se simbolicamente com o episódio reportado nos Atos dos Apóstolos. Paulo, durante a sua segunda viagem missionária a Tróade, na Frígia (Ásia Menor), teve uma visão: “Um Macedónio suplicava‐lhe: ‘Vem até à Macedónia e auxilia‐nos” (Act 16,9). E Paulo dirigiu‐se à Macedónia, depois a Tessalónica, Atenas, Corinto e, por fim, a Roma. Deste modo a Palavra de Deus passou da Ásia para a Europa. Há assim um laço profundo e fontal entre a causa do cristianismo e a causa da Europa.
Perder a alma própria
Depois das catástrofes da primeira metade do século vinte (XX), ocorridas todas no coração da Europa – as duas terríveis guerras mundiais, os totalitarismos, a Shoah – a Europa soube reinventar‐se a si mesma a partir das suas cinzas. Fê‐lo graças à inspiração cristã de três grandes estadistas (Konrad Adenauer, Robert Schuman, Alcide De Gasperi). A Europa tornou‐se o ideal e a meta de construção de uma comunidade de estados e de povos que antes se haviam combatido e que agora, superando odiosos nacionalismos, podiam reencontrar‐se conjuntamente. Nações antagonistas tornavam‐se parceiras. Diante do Parlamento europeu, em vinte e cinco (25) de Novembro de dois mil e quinze (2015), o Papa Francisco afirmou: “Os pais fundadores da Europa desejaram um futuro baseado na capacidade de trabalhar conjuntamente para superar as divisões e favorecer a paz e a comunhão entre todos os povos do continente. No centro deste ambicioso projeto político estava a confiança no homem, não tanto enquanto cidadão, enquanto sujeito económico, mas no homem enquanto pessoa dotada de uma dignidade transcendental”.
Hoje, aquele feliz desígnio estando em parte cumprido, aparece quase perdido. Recebendo o Prémio Carlos Magno, a seis (6) de Maio passado, o Papa Francisco lamentou que “aquela atmosfera de novidade, aquele desejo ardente de construir a unidade surjam cada vez mais apagados”[3]. Que te aconteceu Europa? Há quinze anos atrás, em dois mil e um (2001), na Charta oecumenica assinada pelas Igrejas europeias (KEK e CCEE) declaravase que “não se pode alcançar a unidade de forma duradoura sem valores comuns”[4]. Tal preocupação era expressa por Jacques Delors, então presidente da Comissão europeia, num discurso apresentado a seis (6) de Fevereiro de mil novecentos e noventa e dois (1992) precisamente aos representantes das Igrejas europeias. E dizia: “É necessário dar uma alma à Europa. Se nos decénios que virão não conseguirmos dar‐lhe uma alma, uma espiritualidade, um significado, teremos perdido o desafio da Europa….. Apenas com o talento jurídico ou só com o knowhow económico a Europa está condenada a falhar. Sem uma respiração mais profunda não é possível realizar a União europeia”. Cumprimento e crise de um projeto.
Nas atuais circunstâncias internacionais, aumentaram as preocupações pelo futuro do projeto europeu. E, contudo, não podemos esquecer os resultados históricos obtidos, antes de mais pela própria União Europeia. O seu alargamento, a construção de uma moeda única, através da qual se procurou dar um rosto institucional à Europa, e a definição de um conceito de cidadania. Se pensamos no campo dos direitos humanos, a Convenção europeia dos direitos do homem, a própria constituição do Tribunal europeu dos direitos do homem, a Carta social europeia e a Carta dos direitos fundamentais, são tudo conquistas emblemáticas. As políticas de cooperação e de alargamento foram um fator importante na superação dos regimes totalitários, que, nem há trinta anos atrás, dominavam ainda vastas áreas a Leste e no Sul do Continente e promoveram um processo de democratização. Mesmo se em alguns países esse processo pareça hoje encalhado. O Tratado de Lisboa (dois mil e sete 2007), elaborado depois das falhas do Tratado Constitucional (dois mil e cinco 2005), exprimia ainda a ambição de unir os povos da Europa em torno de uma “comunidade de valores partilhados”. O Fundo social europeu e a Política agrária comum atuaram como instrumentos financeiros de compensação entre as regiões ricas e pobres, entre áreas rurais e urbanas. No tema da solidariedade internacional, a União Europeia gere um Fundo financeiro para ajudas humanitárias de emergência (ECHO) que é o mais importante a nível mundial. O mesmo se pode dizer do Fundo europeu de desenvolvimento para a cooperação internacional. Com a aprovação do Parlamento europeu (quatro 4 de outubro de dois mil e dezasseis 2016), a União Europeia ratifica o Acordo de Paris sobre o clima e mantém de certo modo a leadership internacional sobre os temas do ambiente. Nas vésperas dos seus sessenta (60) anos a União Europeia reafirma os valores do seu projeto. Mas a sua voz tornou‐se mais flébil, incerta e temerosa diante de um mundo tomado por fortes processos de diferenciação e de desagregação. É como se, precisamente no momento em que o mundo tem mais necessidade da Europa, ela duvidasse maioritariamente de si mesma.
Emergências simultâneas
A União Europeia encontra‐se hoje a enfrentar simultaneamente um somatório de crises sem precedentes na sua história. Algumas são globais (como a recessão económica e a crise do Euro, ou as grandes migrações de massas); outras geopolíticas (aquela “terceira guerra mundial em pedaços” de que fala o Papa Francisco, com os conflitos na Síria, Iraque, Líbia, Somália… ou o conflito congelado no sul da Ucrânia, dentro da Europa); outras sociais, frequentemente ligadas às políticas da União Europeia (a crise do emprego, sobretudo juvenil); outras ainda de tipo cultural (uma difusa orientação que desvaloriza a generatividade e a família, um processo de desertificação da religião); outras, por assim dizer, transversais, como a segurança e o terrorismo. Por fim, a crise institucional e democrática que é interna à própria União e aos Países aderentes, com a abertura de um processo de deseuropeização lançado pelo referendo inglês de Junho passado, com o chamado Brexit. Diante das crises geopolíticas em curso, a União Europeia não consegue falar eficazmente a uma só voz. Mesmo as nações que a integram de forma consolidada movem‐se muitas vezes individualmente, por interesses nacionais, e acabam por agravar este ou aquele aspeto do problema. Falta uma Europa como sujeito forte e equilibrador na construção e na manutenção da paz. Falta uma Europa na oposição ao tráfico de armas que alimenta as guerras. Falta uma Europa na construção de um projeto de ajudas e intervenções humanitárias que visem o fim dos conflitos. Os ataques terroristas de matriz islâmica que feriram gravemente Países como a Espanha, a Grã‐Bretanha, a França sobretudo, a Bélgica desencadearam o curto‐circuito do medo e demonstraram não só a necessidade de uma melhor coordenação europeia em matéria de segurança, mas também a necessidade de um regresso às raízes culturais profundas do continente. Identidades débeis, também no plano religioso, geram processos sociais de desorientação e, por vezes, respostas geracionais de radicalismo. Identidades débeis impedem o diálogo e processos de integração baseados na verdadeira solidariedade e no reconhecimento da cidadania. Na perceção de uma crescente opinião pública europeia este fenómeno liga‐se erroneamente ao maior desafio que a Europa tem hoje para enfrentar: a grande emigração de massa do Norte de África e do Médio Oriente que chega à Europa meridional e depois ao continente inteiro. Uma humanidade vária, em fuga da pobreza, da violência e das guerras, que procura dar um futuro à própria vida. Mais que as instituições da União, estão aqui em causa os estados singulares que não aceitam um sistema europeu comum de acolhimento, deixando cair, também graças ao Regulamento de Dublin, o peso do acolhimento sobretudo sobre os estados do Sul. Não se deve desvalorizar o crescente sentimento de medo e insegurança nas populações europeias. O sentimento do medo evolui rapidamente para a recusa do outro, em hostil defesa. Mais uma vez, como anteriormente no passado, o medo pode causar graves danos às instituições democráticas e ao sistema de valores da Europa. O filósofo MacIntyre, no final do seu ensaio After Virtue, evocando o fim do Império romano, arrisca um paralelo com os nossos tempos, sustentando que os “bárbaros” não são aqueles que pressionam as nossas fronteiras para entrar por elas e partilhar o bemestar e a segurança de vida, mas são antes aqueles que de dentro provocaram a erosão da cultura com ideologias e práticas libertárias[5].
Entre as dificuldades atuais da Europa deve incluir‐se também a recessão económica desencadeada pelo colapso bancário de dois mil e oito (2008) nos Estados Unidos, que trouxe consigo taxas de desemprego e orçamentos estatais insustentáveis, com consequentes medidas severas de austeridade que feriram estratos sociais e pessoas que eram já as mais atingidas pela pobreza, e que desencadeou uma pesada crise monetária. Não faltaram respostas corajosas do Banco Central Europeu, mas uma vez mais a incompleta construção institucional da União Europeia revelou o seu carácter problemático. Uma união monetária sem uma união económica não pode durar muito. É como se entrassem simultaneamente em crise a dúplice relação entre união política e estados nacionais e entre união económica e estados nacionais. Mas talvez seja o impasse da integração política, após a falência do Tratado constitucional, a tornar a União Europeia um híbrido democrático, entre soberania nacional e soberania comunitária. A União permanece neste momento uma combinação de elementos federais supranacionais e confederais intergovernativos. É este, pois, o tema, apesar dos passos em frente realizados pelo Tratado de Lisboa com as instâncias de participação democrática e um novo papel do Parlamento. Não cresceu (antes diminui fortemente) a confiança dos cidadãos nas estruturas comunitárias, vistas sob a forma de burocracias insensíveis, distantes e autorreferenciais. O mesmo confronto político privilegia exclusivamente a dimensão nacional; e as instituições comunitárias não são objeto de um confronto político europeu, mas antieuropeu. Se, no início desta história, os principais líderes fundadores tiveram a visão de uma Europa que superava as nações, hoje desencadeou‐se um processo inverso, com líderes que utilizam a obra incompleta da Europa e a sua crise como argumento para a hegemonia interna das nações individuais, na ilusão de uma soberania autossuficiente no tempo da globalização. Trata‐se de questões complexas hoje ulteriormente carregadas com as tentações de sair da própria União Europeia, encabeçadas pelo Brexit, e que envolve outros países. A vontade democrática da maioria do povo inglês tem de ser respeitada, mas a saída da Grã‐bretanha cria uma situação inédita. Se antes a União Europeia era de certo modo quase identificável com o conjunto da Europa (certamente como processo político aberto e aproximativo), hoje essa identificação deixou de ser possível (e não o será por muito tempo, se é que o será alguma vez). É preciso por isso voltar a redefinir quer a Europa, quer a União Europeia. Redefinir o que são em si mesmas e na relação uma com a outra. Tarefa que se liga tanto aos processos de revisão institucional, como aos da definição de cidadania, ou mais complexivamente à ideia cultural de Europa. Tarefa que respeita aos estados, aos seus parlamentos, às suas lideranças, mas também aos cidadãos da Europa. Tarefa que de maneira diversa nos envolve a todos. Igrejas e cristãos incluídos. Recentemente, coincidindo com a vigília do referendo que decidiu a saída da Grã‐Bretanha da União Europeia, foi publicada uma carta aberta das Conferências das Igrejas europeias (KEK) às Igrejas e organizações associadas na Europa, sob o título: “Que futuro para a Europa?”. Ali diz‐se o seguinte: “A Europa de hoje está assinalada pela falta de visão e esperança e por um medo crescente. O medo do desemprego, da diminuição dos contributos para as futuras pensões, das alterações climáticas, do terrorismo, dos conflitos nas fronteiras, dos migrantes e refugiados, da perda de identidade e de cultura ocupa um lugar sempre mais consistente nas preocupações quotidianas. Muitas pessoas vêm‐se esgotadas e vítimas de processos sobre os quais não têm qualquer controlo. A situação atual e o estado de ânimo dominante representam uma ameaça para os valores sobre os quais a União Europeia foi construída: a paz, a solidariedade, a unidade na diversidade, a democracia, a justiça, o estado de direito, os direitos humanos, a liberdade religiosa e a sustentabilidade ecológica. Se a União Europeia se desagregasse, também os valores comuns em que assenta estariam em perigo. Portanto não é exagerado considerar os atuais desafios radicais ao projeto de cooperação europeia como kairos, momento crucial de verdade para o futuro da Europa”. Como não partilhar esta preocupação e como não sentir‐se plenamente interpelados e comprometidos, como Igrejas e como cristãos, nesta fase crucial de história europeia e da história mundial? Devemos tornar às raízes. Reencontrar as raízes cristãs sobre as quais a história da Europa se desenvolveu para poder exercer até ao fim a nossa responsabilidade pública. Antes de tudo, nós os cristãos.
Quando o Papa Francisco introduz a figura antropológica da “dignidade transcendental”, identifica não apenas o alcance universal da definição de homem que a história europeia ofereceu, mas o fundamento teológico desta perspetiva. Agora, no Ocidente e particularmente na Europa, chegamos a um estádio ulterior do chamado processo de secularização, que não diz respeito apenas à crise da prática religiosa, nem apenas à diferenciação e autonomia dos vários âmbitos sociais, mas a uma profunda alteração da própria natureza da adesão à fé religiosa, doravante estreitamente ligada à escolha individual, num contexto de grande diversidade de crenças e de não crenças. O assunto não respeita somente à relação entre ortodoxia e ortopraxia, tutelada pela autoridade religiosa, mas à autenticidade da fé pessoal de cada um, à vivência da própria vida espiritual, à adesão interior à medida da própria convicção. Falar de Deus neste espaço público requer respeito face a esta adesão pessoal e um estilo e uma linguagem cristã coerentes. O desafio que temos diante de nós é este: oferecer novamente o anúncio do Evangelho à liberdade das consciências, acordando nelas a saudade de Deus. Creio que seja isto que o Papa Francisco entende quando nos instiga a “sair”. A palavra, a diaconia, a comunhão Desejo agora brevemente indicar três lugares ou símbolos que as nossas Igrejas, a começar pela nossa Igreja católica, podem ativar. A primeira figura é a de uma Igreja diaconal. Igreja diaconal não significa renunciar à sua reivindicação de verdade. A verdade e só a verdade, como nos indica o Evangelho de João, torna‐nos livres (cfr. Jo 8,32). Igreja diaconal significa uma Igreja que defende o próprio anúncio querigmático no seu carácter libertador, logo também caritativo, terapêutico, pastoral. Trata‐se de uma figura que se funda no próprio modo como Jesus proclamou o anúncio do Reino. Ele anunciou a salvação seja opondo‐se aos ídolos, seja colocando‐se no meio de nós “como aquele que serve” (Lc 22,27). Mesmo possuindo uma natureza de Deus despojou‐se a si próprio, não concebeu a natureza divina como algo a que se agarrar (cfr. Fil 2,6‐11). Não podemos, por isso, nem isolar‐nos, nem isolar, mas devemo‐nos tornar caridade para os outros. Então as nossas antigas palavras tornarão a ressoar como inauditas nas consciências dos homens e das mulheres de hoje. A dignidade humana voltará então a ser fundada não em simulacros, mas na alteridade e humanidade de Deus. Uma segunda figura refere‐se a um desenvolvimento mais convicto, e quero dizer inédito, da sinodalidade: de Igreja local para Igreja local, de comunidade cristã para comunidade cristã. Temos necessidade de uma transmissão da fé que passe de boca em boca. Sinodalidade como lugar de comunhão participada, na qual possam reflorir e tornar‐se publicamente disponíveis as melhores energias. Sinodalidade como processo formativo, de consciência e partilha das necessidades do nosso tempo. Sinodalidade como verificação da comunhão que existe entre nós. Por fim, quero aludir a uma terceira figura. Que para dizer a verdade é a primeira e a fundamental. A Europa tem necessidade da Palavra de Deus. Para reencontrar a sua identidade espiritual, a Europa precisa de uma nova estação de anúncio da Palavra de Deus. Reportome ao capítulo VI da Constituição Dei Verbum, do Concílio Vaticano II. É necessário que cada pessoa tenha acesso à Sagrada Escritura, que a leia frequentemente, que aprenda a rezar com ela para conhecer autenticamente Jesus. Na Palavra, Deus educa o seu povo. Numa sociedade fragmentada, numa vida fragmentada, temos necessidade de cristãos que alcancem uma familiaridade orante e competente com a Palavra se quisermos abrir o futuro a uma história cultural cristã. Na Palavra reencontramos os nossos valores. Na Palavra podemos refundar uma cultura dialogante, respeitosa, politicamente responsável, consciente de si. Como o apóstolo Paulo temos novamente de acolher o pedido de auxílio do macedónio (hoje da Europa) e levar novamente a mensagem do Evangelho à Europa e aos europeus.
1 Uma expressão semelhante foi utilizada por Rahner K., in “La questione del futuro dell’Europa”, in: Società umana e Chiesa di domani, Nuovi saggi X, Paoline, Milão 1986.
2 Löwith K., La mia vita in Germania prima e dopo il 1933. Mondadori, Milão 1988.
3 Cfr. L’Osservatore romano, 7 Maio 2016.
4 Cfr. Regno‐documenti. 9,2001,317. 5 MacIntyre A., After virtue. A study in Mortal Theory, University of Notre Dame Press, Notre Dame (IN) 1985, 263.
Sem comentários:
Enviar um comentário