O título desta coluna começou por ser “Mortágua não ama os pobres, odeia os ricos”, mas esta frase inicial arranhava apenas a superfície. É verdade que esta esquerdinha que vive entre o Príncipe Real e os estúdios de TV não sabe o que é um pobre. Estes revolucionários de cátedra não reconheceriam um pobre mesmo se este lhes caísse no colo num qualquer Gin Lover da moda, e nem sequer estão interessados na diminuição do número de pobres. Aquilo que os move não é a elevação acima da miséria do maior número possível de pessoas. Esse não é o seu mundo. A esquerda caviar nunca viu, cheirou ou sentiu a opressão da miséria e, por isso, não percebe aqueles que dizem que a meta da sociedade deve ser a diminuição do número de pobres e não o quimérico “combate à desigualdade”. O esquerdista trendy não nasce na pobreza, nasce na corte onde se distribuem cátedras. Em consequência, a sua obsessão não é diminuir a pobreza, é destruir a riqueza; ele não quer acabar com a pobreza num ato de misericórdia, quer destruir a riqueza num ato de ressentimento; o seu motor não é a compaixão, é o niilismo, que é escondido atrás do biombo da novilíngua - “combate à desigualdade”, “justiça fiscal”. E claro que, no final do dia, chegamos todos ao destino fatal do comunismo ou socialismo: a igualdade na miséria que a novilíngua descreve como “sociedade igualitária”.
Mas, como dizia há pouco, isto é apenas a superfície. O ódio das Mortáguas não está reservado apenas para os “ricos”, aquelas figuras que nas telenovelas portuguesas são sempre arrogantes, frios e comedores de papaia ao pequeno-almoço. O ódio radical está reservado para qualquer pessoa, instituição ou sensibilidade que não pense segundo o alcorão esquerdista do BE. Os colégios com contrato de associação não eram propriedade de “ricos”; se calhar, alguns donos destes colégios do país real até vivem pior do que a princesa Mortágua. Só que estes colégios ousavam defender conceitos que são odiosos aos olhos da geringonça: a liberdade de escolha, a autonomia e, muitas vezes, uma autonomia ligada à igreja. Mortágua odeia a ideia de uma sociedade organizada em torno de instituições autónomas como a Igreja e, acima de tudo, despreza a liberdade de escolha dos indivíduos.
Porque o “povo” não tem permissão para pensar livremente. O “povo” só é o verdadeiro “povo” se cumprir as indicações certas.
Isso é claro na questão do dinheiro, que, na cabeça de Mortágua, é sempre de propriedade pública. Ainda há dias vimos como funciona este mecanismo mental. Naquela douta cabeça, “poupar” não é aforrar para o futuro dos nossos filhos; “poupar” é o mesmo que “dissimular”, é o mesmo que esconder dinheiro do Estado, é entrar numa actividade dissimulada, ilícita, semicriminosa. “Temos de perder a vergonha de ir buscar a quem acumula dinheiro”, disse ela. E disse isto com imensa naturalidade, como se estivesse a dizer “temos de perder a vergonha de ir atrás de quem comete crimes financeiros”. Num ápice, a pessoa que faz poupança, uma das maiores virtudes sociais, passa a ser uma subcriminosa a pedir o confisco dos justos. Ora, como é que se responde a este nível de ódio que transforma o adversário num inimigo ou num criminoso? Como é que se responde ao ódio numa sociedade civilizada que foi feita precisamente para elevar a política acima do asco primário que Mortágua destila todos os dias? Para começar, não podemos descer ao nível de Mortágua, não podemos responder ao ódio com ódio, não podemos destruir o que resta do chão comum. Isso é o que ela quer. A destruição daquilo que resta da civilidade do PS, a meta do BE, depende de um clima de guerra civil que a direita não pode alimentar.
Henrique Raposo no Expresso Diário de 19.9.2016
(seleção de imagem 'Spe Deus')
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