A consciência
é apresentada [hoje] como o baluarte da liberdade em face das constrições da
existência causadas pela autoridade. [...] Deste modo, a moral
da consciência e a moral da autoridade parecem
enfrentar-se como duas morais contrapostas em luta recíproca. A liberdade do cristão
ficaria a salvo graças ao postulado original da tradição moral: a
consciência é a norma suprema que o homem deve seguir sempre, mesmo quando vai
contra a autoridade. Quando a autoridade, neste caso o Magistério da Igreja,
fala sobre problemas de moral, estará apenas apresentando um subsídio para a
consciência poder decidir, e esta sempre reservará para si mesma a última
palavra [...]. Esta concepção da consciência como última instância é recolhida por
alguns autores na fórmula "a consciência é infalível". [...]
Por um lado, é
inquestionável
que devemos sempre seguir o veredicto evidente da consciência, ou pelo
menos não o infringir com as nossas ações. Mas é muito diferente sustentar
que o ditame da consciência, ou aquilo que consideramos como tal, sempre está
certo, sempre é infalível. Semelhante afirmação seria o mesmo que dizer que não
há verdade
alguma, ao menos em matéria de moral e religião, isto é, justamente no âmbito que é o
fundamento constitutivo da nossa existência. Como os juízos da consciência se contradizem
uns aos outros, só haveria uma "verdade do sujeito" [...].
A pergunta
pela consciência transporta-nos, na prática, para o domínio essencial do problema
moral e para a interrogação acerca da existência do homem. Não gostaria de pôr
estes problemas em forma de considerações estritamente conceptuais e, por conseguinte,
completamente abstratas, mas preferiria avançar de modo narrativo.
Primeiramente,
contarei a história da minha relação pessoal com este problema. Ele pôs-se pela
primeira vez com toda a sua urgência no começo da minha atividade académica.
Um colega meu
mais velho [...] expressou durante uma disputa a opinião de que devíamos dar
graças a Deus por conceder a muitos homens a possibilidade de se fazerem
não-crentes seguindo a sua consciência; se lhes abríssemos os olhos e eles se fizessem
crentes, não seriam capazes de suportar neste nosso mundo o peso da fé e das suas
obrigações morais. Mas, como todos seguiram de boa-fé um caminho diferente, poderiam
alcançar a salvação.
O que mais me chocava nessa afirmação não era a ideia de uma consciência equivocada concedida pelo próprio Deus para poder salvar os homens mediante esse estratagema, isto é, a ideia de uma ofuscação enviada por Deus para a salvação de alguns. O que me perturbava era a ideia de que a fé fosse uma carga insuportável que só naturezas fortes poderiam suportar, quase um castigo ou, em todo o caso, uma exigência difícil de cumprir. A fé não facilitaria a salvação, antes a dificultaria. Livre seria aquele que não carregasse com a necessidade de crer e de se dobrar ao jugo da moral que decorre da fé da Igreja Católica. A consciência errónea, que permitiria uma vida mais leve e mostraria um caminho mais humano, seria a verdadeira graça, o caminho normal da salvação. A falsidade e o afastamento da verdade seriam melhores para o homem do que a verdade.
O homem não seria libertado pela verdade, mas deveria ser libertado dela. A morada do homem seria mais a obscuridade do que a luz, e a fé não seria um dom benéfico do bom Deus, mas uma fatalidade.
Porém, se as coisas fossem assim, como poderia surgir a alegria da fé? Como poderia surgir a coragem de transmiti-la aos outros? Não seria melhor deixá-los em paz e mantê-los distantes dela? Foram ideias como essa que paralisaram, cada vez com mais força, a tarefa evangelizadora. Quem encara a fé como uma carga pesada ou como uma exigência moral excessiva não pode convidar outras pessoas a abraçá-la. Preferirá deixá-los na suposta liberdade da sua boa consciência.
[...] O que inicialmente me estarreceu no argumento mencionado foi, sobretudo, a caricatura da fé que me pareceu haver nele. Mas, numa segunda consideração, pareceu-me igualmente falso o conceito de consciência que pressupunha. A consciência errónea protege o homem das exigências da verdade e o salva: assim soava o argumento. A consciência não aparecia aí como uma janela que abre ao homem o panorama da verdade comum que nos sustenta a todos, tornando possível que sejamos uma comunidade de vontade e de responsabilidade apoiada na comunidade do conhecimento.
Nesse argumento, a consciência também não era a abertura do homem ao fundamento que o sustenta nem a força que lhe permite perceber o supremo e o essencial. Tratava-se antes de uma espécie de invólucro protetor da subjetividade [...] que não dá acesso à estrada salvadora da verdade, a qual ou não existe ou é exigente demais; e convertia-se assim em justificação da subjetividade, que não se quer ver questionada, e do conformismo social que deve possibilitar a convivência como valor médio entre as diversas subjetividades. Desapareciam assim o dever de buscar a verdade e as dúvidas quanto às atitudes e costumes dominantes: bastariam o conhecimento adquirido individualmente e a adaptação aos outros. Reduzia-se o homem às convicções mais superficiais, e, quanto menor a sua profundidade, melhor para ele. [...].
Pouco depois, num debate entre um grupo de colegas sobre a força justificadora da consciência errónea, alguém objectou contra essa tese que, se fosse universalmente válida, estariam justificados - e deveríamos procurá-los no céu - os membros das SS que cometeram os seus crimes com um conhecimento fanatizado e plena segurança de consciência. [...] Não haveria a menor dúvida de que Hitler e os seus cúmplices, que estavam profundamente convencidos do que faziam, não podiam ter agido de outra forma. Apesar do horror objetivo das suas ações, teriam agido de maneira moralmente reta do ponto de vista subjectivo. Como seguiam a sua consciência, embora esta os tivesse guiado erroneamente, deveríamos reconhecer que as suas ações eram morais para eles; não poderíamos duvidar, em suma, da salvação eterna das suas almas.
A partir dessa conversa, passei a ter absoluta certeza de que há algum erro na teoria sobre a força justificadora da consciência subjetiva; em outras palavras, que um conceito de consciência que conduz a semelhantes resultados é falso. A firme convicção subjectiva e a segurança e falta de escrúpulos que dela derivam não tiram a culpa do homem. Quase trinta anos depois, lendo o psicólogo Albert Görres, descobri, resumida em poucas palavras, a ideia que então tentava penosamente reduzir a conceitos e cujo desenvolvimento forma o núcleo das nossas reflexões. Görres indica que o sentimento de culpabilidade, a capacidade de sentir culpa, pertence de forma essencial ao património anímico do homem. O sentimento de culpa, que rompe a falsa tranquilidade da consciência [...], é um sinal tão necessário para o homem como a dor corporal, que permite conhecer a alteração das funções vitais normais. Quem não é capaz de sentir culpa está espiritualmente doente, é um "cadáver vivente, uma máscara do caráter", como diz Görres [1]. "Os animais e os monstros, entre outros, não têm sentimentos de culpa. Talvez Hitler, Himmler ou Stalin também não os tivessem. Com certeza, os chefões da máfia também carecem deles. Mas é bem possível que, na verdade, os cadáveres dos seus «eus» estejam ocultos no sótão, junto com os sentimentos de culpa rejeitados... Todos os homens necessitam de um sentimento de culpa"[2].
Além do mais, uma rápida incursão na Sagrada Escritura poderia ter evitado esses diagnósticos e as teorias da justificação pela consciência errónea. No Salmo 19, 13 encontramos uma proposição eternamente digna de reflexão: "Quem será capaz de reconhecer os seus deslizes? / Limpa-me[, Senhor,] dos [pecados] que me são ocultos".
Isso não é um "objetivismo vetero-testamentário", mas profunda sabedoria humana: negar-se a ver a culpa ou fazer emudecer a consciência em tantos assuntos é uma doença da alma mais perigosa que a culpa reconhecida como culpa. Aquele que é incapaz de perceber que matar é pecado cai mais baixo do que aquele que reconhece a ignomínia da sua ação, pois está muito mais distante da verdade e da conversão.
Não é em vão que, diante de Jesus, o orgulhoso aparece como alguém verdadeiramente perdido. O facto de o publicano, com todos os seus pecados indiscutíveis, parecer mais justo diante de Deus que o fariseu, com todas as suas obras verdadeiramente boas (Lc 18, 9-14), não significa que os pecados do publicano não sejam pecados nem que não sejam boas as obras boas. [...] O fundamento desse juízo paradoxal de Deus revela-se precisamente a partir do nosso problema: o fariseu não sabe que também tem pecados.
Está inteiramente quite com a sua consciência. Mas o silêncio da consciência torna-o impermeável a Deus e aos homens, ao passo que o grito da consciência que aflora no publicano torna-o capaz da verdade e do amor. Jesus pode actuar nos pecadores porque não se fazem inacessíveis às mudanças que Deus espera deles - de nós - escondendo-se atrás do biombo da sua consciência errónea. Mas não pode actuar nos "justos", que não sentem necessidade nem de perdão nem de conversão; a sua consciência, que os escusa, não acolhe nem o perdão nem a conversão.
Voltamos a encontrar esta mesma ideia, ainda que exposta de outro modo, em Paulo, que nos diz que os gentios, quando guiados pela razão natural, sem Lei, cumprem os preceitos da Lei (Rom 2, 1-16). Toda a teoria da salvação pela ignorância fracassa diante desses versículos: no homem, existe a presença inegável da verdade, da verdade do Criador, que se oferece também por escrito na revelação da História Sagrada. O homem pode ver a verdade de Deus no fundo do seu ser criatural. É culpado se não a vê. Só deixa de vê-la quando não quer vê-la, ou seja, porque não quer vê-la. Essa vontade negativa que impede o conhecimento é culpa. Que o farol não brilhe é consequência de um afastamento voluntário do olhar daquilo que não queremos ver.
Nesta fase das nossas reflexões, é possível tirar as primeiras consequências para responder à pergunta sobre o que é a consciência. Agora já podemos dizer: não é possível identificar a consciência humana com a autoconsciência do eu, com a certeza subjetiva de si e do seu comportamento moral. Essa consciência pode ser às vezes um mero reflexo do meio social e das opiniões nele difundidas. Outras vezes, pode estar relacionada com uma pobreza autocrítica, com não ouvir suficientemente a profundidade da alma.
O que se deu no Leste Europeu após a derrocada dos sistemas marxistas confirma este diagnóstico. Os espíritos mais lúcidos e despertos dos povos libertados falam de um imenso abandono moral, produzido por muitos anos de degradação espiritual, e de um embotamento do sentido moral cuja perda -com os perigos que acarreta - pesa muito mais que os danos económicos que a ideologia produziu. O novo patriarca de Moscovo pôs energicamente em evidência este aspecto, no começo da sua atividade, no verão de 1990: as faculdades perceptivas dos homens que vivem num sistema de engano turvam-se inevitavelmente. A sociedade perde a capacidade de misericórdia e os sentimentos humanos desaparecem: [...] "Temos de conduzir de novo a humanidade para os valores morais eternos", isto é, desenvolver de novo o ouvido quase extinto para escutar o conselho de Deus no coração do homem. O erro, a consciência errónea, só são cómodos num primeiro momento. Depois, o emudecimento da consciência convertesse em desumanização do mundo e em perigo mortal, se não se reage contra ele.
Por outras palavras: a identificação da consciência com o conhecimento superficial e a redução do homem à subjetividade não libertam, mas escravizam. Fazem-nos completamente dependentes das opiniões dominantes e rebaixam dia após dia o nível dessas mesmas opiniões dominantes. Aquele que iguala a consciência à convicção superficial identifica-a com uma segurança aparentemente racional, tecida de fatuidade, conformismo e negligência. A consciência degrada-se à condição de mecanismo de escusa, em vez de representar a transparência do sujeito para refletir o divino, e, como consequência, degrada-se também a dignidade e a grandeza do homem. A redução da consciência à segurança subjectiva significa a supressão da verdade. Quando o salmista, antecipando a visão de Isaías sobre o pecado e a justiça, pede a Deus que o liberte dos pecados que lhe estão ocultos, chama a atenção para o seguinte facto: deve-se, sem dúvida, seguir a consciência errónea, mas a supressão da verdade que a precede, e que agora se vinga, é a verdadeira culpa, que adormece o homem numa falsa segurança e por fim o deixa só num deserto inóspito.
[1] A. Görres, "Schuld und Schuldgefuhle", em Internationale katoliscke Zeitschrift "Communio", 13 (1948), pág. 434
[2] ibid., pág. 142
(Cardeal Joseph Ratzinger em ‘Verdad, valores, poder’, págs. 40-55)
O que mais me chocava nessa afirmação não era a ideia de uma consciência equivocada concedida pelo próprio Deus para poder salvar os homens mediante esse estratagema, isto é, a ideia de uma ofuscação enviada por Deus para a salvação de alguns. O que me perturbava era a ideia de que a fé fosse uma carga insuportável que só naturezas fortes poderiam suportar, quase um castigo ou, em todo o caso, uma exigência difícil de cumprir. A fé não facilitaria a salvação, antes a dificultaria. Livre seria aquele que não carregasse com a necessidade de crer e de se dobrar ao jugo da moral que decorre da fé da Igreja Católica. A consciência errónea, que permitiria uma vida mais leve e mostraria um caminho mais humano, seria a verdadeira graça, o caminho normal da salvação. A falsidade e o afastamento da verdade seriam melhores para o homem do que a verdade.
O homem não seria libertado pela verdade, mas deveria ser libertado dela. A morada do homem seria mais a obscuridade do que a luz, e a fé não seria um dom benéfico do bom Deus, mas uma fatalidade.
Porém, se as coisas fossem assim, como poderia surgir a alegria da fé? Como poderia surgir a coragem de transmiti-la aos outros? Não seria melhor deixá-los em paz e mantê-los distantes dela? Foram ideias como essa que paralisaram, cada vez com mais força, a tarefa evangelizadora. Quem encara a fé como uma carga pesada ou como uma exigência moral excessiva não pode convidar outras pessoas a abraçá-la. Preferirá deixá-los na suposta liberdade da sua boa consciência.
[...] O que inicialmente me estarreceu no argumento mencionado foi, sobretudo, a caricatura da fé que me pareceu haver nele. Mas, numa segunda consideração, pareceu-me igualmente falso o conceito de consciência que pressupunha. A consciência errónea protege o homem das exigências da verdade e o salva: assim soava o argumento. A consciência não aparecia aí como uma janela que abre ao homem o panorama da verdade comum que nos sustenta a todos, tornando possível que sejamos uma comunidade de vontade e de responsabilidade apoiada na comunidade do conhecimento.
Nesse argumento, a consciência também não era a abertura do homem ao fundamento que o sustenta nem a força que lhe permite perceber o supremo e o essencial. Tratava-se antes de uma espécie de invólucro protetor da subjetividade [...] que não dá acesso à estrada salvadora da verdade, a qual ou não existe ou é exigente demais; e convertia-se assim em justificação da subjetividade, que não se quer ver questionada, e do conformismo social que deve possibilitar a convivência como valor médio entre as diversas subjetividades. Desapareciam assim o dever de buscar a verdade e as dúvidas quanto às atitudes e costumes dominantes: bastariam o conhecimento adquirido individualmente e a adaptação aos outros. Reduzia-se o homem às convicções mais superficiais, e, quanto menor a sua profundidade, melhor para ele. [...].
Pouco depois, num debate entre um grupo de colegas sobre a força justificadora da consciência errónea, alguém objectou contra essa tese que, se fosse universalmente válida, estariam justificados - e deveríamos procurá-los no céu - os membros das SS que cometeram os seus crimes com um conhecimento fanatizado e plena segurança de consciência. [...] Não haveria a menor dúvida de que Hitler e os seus cúmplices, que estavam profundamente convencidos do que faziam, não podiam ter agido de outra forma. Apesar do horror objetivo das suas ações, teriam agido de maneira moralmente reta do ponto de vista subjectivo. Como seguiam a sua consciência, embora esta os tivesse guiado erroneamente, deveríamos reconhecer que as suas ações eram morais para eles; não poderíamos duvidar, em suma, da salvação eterna das suas almas.
A partir dessa conversa, passei a ter absoluta certeza de que há algum erro na teoria sobre a força justificadora da consciência subjetiva; em outras palavras, que um conceito de consciência que conduz a semelhantes resultados é falso. A firme convicção subjectiva e a segurança e falta de escrúpulos que dela derivam não tiram a culpa do homem. Quase trinta anos depois, lendo o psicólogo Albert Görres, descobri, resumida em poucas palavras, a ideia que então tentava penosamente reduzir a conceitos e cujo desenvolvimento forma o núcleo das nossas reflexões. Görres indica que o sentimento de culpabilidade, a capacidade de sentir culpa, pertence de forma essencial ao património anímico do homem. O sentimento de culpa, que rompe a falsa tranquilidade da consciência [...], é um sinal tão necessário para o homem como a dor corporal, que permite conhecer a alteração das funções vitais normais. Quem não é capaz de sentir culpa está espiritualmente doente, é um "cadáver vivente, uma máscara do caráter", como diz Görres [1]. "Os animais e os monstros, entre outros, não têm sentimentos de culpa. Talvez Hitler, Himmler ou Stalin também não os tivessem. Com certeza, os chefões da máfia também carecem deles. Mas é bem possível que, na verdade, os cadáveres dos seus «eus» estejam ocultos no sótão, junto com os sentimentos de culpa rejeitados... Todos os homens necessitam de um sentimento de culpa"[2].
Além do mais, uma rápida incursão na Sagrada Escritura poderia ter evitado esses diagnósticos e as teorias da justificação pela consciência errónea. No Salmo 19, 13 encontramos uma proposição eternamente digna de reflexão: "Quem será capaz de reconhecer os seus deslizes? / Limpa-me[, Senhor,] dos [pecados] que me são ocultos".
Isso não é um "objetivismo vetero-testamentário", mas profunda sabedoria humana: negar-se a ver a culpa ou fazer emudecer a consciência em tantos assuntos é uma doença da alma mais perigosa que a culpa reconhecida como culpa. Aquele que é incapaz de perceber que matar é pecado cai mais baixo do que aquele que reconhece a ignomínia da sua ação, pois está muito mais distante da verdade e da conversão.
Não é em vão que, diante de Jesus, o orgulhoso aparece como alguém verdadeiramente perdido. O facto de o publicano, com todos os seus pecados indiscutíveis, parecer mais justo diante de Deus que o fariseu, com todas as suas obras verdadeiramente boas (Lc 18, 9-14), não significa que os pecados do publicano não sejam pecados nem que não sejam boas as obras boas. [...] O fundamento desse juízo paradoxal de Deus revela-se precisamente a partir do nosso problema: o fariseu não sabe que também tem pecados.
Está inteiramente quite com a sua consciência. Mas o silêncio da consciência torna-o impermeável a Deus e aos homens, ao passo que o grito da consciência que aflora no publicano torna-o capaz da verdade e do amor. Jesus pode actuar nos pecadores porque não se fazem inacessíveis às mudanças que Deus espera deles - de nós - escondendo-se atrás do biombo da sua consciência errónea. Mas não pode actuar nos "justos", que não sentem necessidade nem de perdão nem de conversão; a sua consciência, que os escusa, não acolhe nem o perdão nem a conversão.
Voltamos a encontrar esta mesma ideia, ainda que exposta de outro modo, em Paulo, que nos diz que os gentios, quando guiados pela razão natural, sem Lei, cumprem os preceitos da Lei (Rom 2, 1-16). Toda a teoria da salvação pela ignorância fracassa diante desses versículos: no homem, existe a presença inegável da verdade, da verdade do Criador, que se oferece também por escrito na revelação da História Sagrada. O homem pode ver a verdade de Deus no fundo do seu ser criatural. É culpado se não a vê. Só deixa de vê-la quando não quer vê-la, ou seja, porque não quer vê-la. Essa vontade negativa que impede o conhecimento é culpa. Que o farol não brilhe é consequência de um afastamento voluntário do olhar daquilo que não queremos ver.
Nesta fase das nossas reflexões, é possível tirar as primeiras consequências para responder à pergunta sobre o que é a consciência. Agora já podemos dizer: não é possível identificar a consciência humana com a autoconsciência do eu, com a certeza subjetiva de si e do seu comportamento moral. Essa consciência pode ser às vezes um mero reflexo do meio social e das opiniões nele difundidas. Outras vezes, pode estar relacionada com uma pobreza autocrítica, com não ouvir suficientemente a profundidade da alma.
O que se deu no Leste Europeu após a derrocada dos sistemas marxistas confirma este diagnóstico. Os espíritos mais lúcidos e despertos dos povos libertados falam de um imenso abandono moral, produzido por muitos anos de degradação espiritual, e de um embotamento do sentido moral cuja perda -com os perigos que acarreta - pesa muito mais que os danos económicos que a ideologia produziu. O novo patriarca de Moscovo pôs energicamente em evidência este aspecto, no começo da sua atividade, no verão de 1990: as faculdades perceptivas dos homens que vivem num sistema de engano turvam-se inevitavelmente. A sociedade perde a capacidade de misericórdia e os sentimentos humanos desaparecem: [...] "Temos de conduzir de novo a humanidade para os valores morais eternos", isto é, desenvolver de novo o ouvido quase extinto para escutar o conselho de Deus no coração do homem. O erro, a consciência errónea, só são cómodos num primeiro momento. Depois, o emudecimento da consciência convertesse em desumanização do mundo e em perigo mortal, se não se reage contra ele.
Por outras palavras: a identificação da consciência com o conhecimento superficial e a redução do homem à subjetividade não libertam, mas escravizam. Fazem-nos completamente dependentes das opiniões dominantes e rebaixam dia após dia o nível dessas mesmas opiniões dominantes. Aquele que iguala a consciência à convicção superficial identifica-a com uma segurança aparentemente racional, tecida de fatuidade, conformismo e negligência. A consciência degrada-se à condição de mecanismo de escusa, em vez de representar a transparência do sujeito para refletir o divino, e, como consequência, degrada-se também a dignidade e a grandeza do homem. A redução da consciência à segurança subjectiva significa a supressão da verdade. Quando o salmista, antecipando a visão de Isaías sobre o pecado e a justiça, pede a Deus que o liberte dos pecados que lhe estão ocultos, chama a atenção para o seguinte facto: deve-se, sem dúvida, seguir a consciência errónea, mas a supressão da verdade que a precede, e que agora se vinga, é a verdadeira culpa, que adormece o homem numa falsa segurança e por fim o deixa só num deserto inóspito.
[1] A. Görres, "Schuld und Schuldgefuhle", em Internationale katoliscke Zeitschrift "Communio", 13 (1948), pág. 434
[2] ibid., pág. 142
(Cardeal Joseph Ratzinger em ‘Verdad, valores, poder’, págs. 40-55)
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