Várias coisas interessantes
aconteceram neste Sínodo dos bispos, que começou em Roma no dia 5 de Outubro, para
analisar com o Papa a evangelização das famílias.
A mais previsível foi que muitos
meios de comunicação olharam a Igreja com simpatia, mas sem a compreenderem. Lê-se
que a Igreja «tem de ouvir os homens», enquanto o Papa punha o acento em «ouvir
Deus».
Os caminhos de Deus são sempre
caminhos de felicidade, mas pode surgir uma perturbação quando os homens desconfiam
que seja mesmo assim e se assustam porque a voz de Deus lhes parece incómoda.
No Evangelho, isso aconteceu a Jesus, com uma debandada tão geral que Ele
perguntou aos 12 discípulos «também quereis ir embora?». Pedro respondeu por
todos: «A quem iremos?...». E
os 12 ficaram.
Também neste Sínodo paira a
ameaça de que a voz de Deus não coincida com as expectativas dos homens e por
isso o Papa Francisco começou por lembrar que o Sínodo não é uma reunião de
condóminos (a imagem é minha). Não: «o Sínodo decorre sempre “cum Petro et sub
Petro” [juntamente com Pedro e sob a autoridade de Pedro] e a presença do Papa é
garantia para todos».
O exemplo mais recente de
rejeição generalizada do magistério da Igreja ocorreu em 1968, quando o Papa
Paulo VI publicou a Encíclica «Humanae Vitae», reafirmando que o aborto e a
contracepção são pecados. Grande parte da opinião pública tinha-se convencido
de que a Igreja ia mudar e por isso a «Humanae Vitae» caiu como uma bomba. Os
jornais diziam que toda a Igreja sabia o que queria, excepto o Papa que, em vez
de ouvir o povo, seguia outra fonte.
Desta vez, para evitar
mal-entendidos, o Papa Francisco e os bispos reunidos com ele em Roma
sublinharam que a doutrina da Igreja não ia mudar, absolutamente em nada.
Poucos jornais transcreveram esta parte, porque acharam a declaração
irrelevante: se toda a gente sabe que a doutrina vai mudar, que importa que o
Papa diga o contrário? O Papa Francisco, que não partilha essa opinião, decidiu
que a cerimónia de encerramento desta etapa do Sínodo ia ser a solene
beatificação do Papa Paulo VI, o tal Papa rejeitado pela opinião pública.
Por um acaso – ou porque Deus
assim o quis –, o Evangelho da Missa de hoje, o Domingo exactamente a meio do
Sínodo, é a parábola do grande casamento, das bodas do Filho de Deus. Há um
banquete de um requinte insuperável, mas a história corre mal: os convidados
não querem ir e são castigados; a seguir, o noivo convoca outros convidados,
apanhados de surpresa, quase à força, e no final descobre que um deles não tem
o traje próprio e manda aos seus servos: «Atai-o de pés e mãos e lançai-o nas
trevas lá de fora, aí haverá choro e ranger de dentes».
Esta desgraça quase completa é uma
forma viva, de um dramatismo surpreendente, de Jesus transmitir ensinamentos de
extrema importância. Primeiro, que Deus apostou tudo num projecto fantástico de
felicidade, simbolizado no convite para um grande banquete, para todos os
homens. Em segundo lugar, que os homens não estão muito entusiasmados com a
proposta de Deus, que acham algumas vezes demasiado difícil, ou menos atractiva
que outras formas de viver. Resumindo, o problema é que, segundo Jesus, Deus é
muito exigente, mesmo que nos aponte o caminho verdadeiro da felicidade.
Não é pequena tarefa para o
Sínodo, explicar aos homens os méritos do plano de Deus para o casamento. Os
jornais dizem que a opinião pública não está disponível para se deixar
convencer, mas o Papa Francisco diz que a Igreja tem é de evangelizar mais e
melhor. Ou seja, convocou este Sínodo sobre «Os desafios pastorais da família
no contexto da evangelização» e já marcou outro, para o ano, sobre o mesmo
tema.
José Maria C.S. André
«Correio dos Açores», 12-X-2014
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