Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

sexta-feira, 21 de março de 2014

O cardeal que não queria ser Papa

Imagem não corresponde à entrevista em apreço
DOM JOSÉ POLICARPO
(1936-2014)

O patriarca emérito de Lisboa morreu no dia 12, durante uma cirurgia, devido a um aneurisma da aorta. Foi sepultado em São Vicente de Fora, no panteão dos patriarcas

A minha vocação sacerdotal vem desde miúdo e o modelo era o prior da minha aldeia [Alvorninha, Caldas da Rainha, onde nasceu]. Era um homem que nos marcou a todos. Nunca pensei chegar a cardeal. Preparei-me para ser o melhor possível no que faço, sempre com um sentido de serviço.

A memória mais antiga que tenho é a morte da minha avó paterna. Lembro-me da imagem dela na cama onde morreu. Eu tinha três anos. Com a mesma idade, lembro-me do meu pai ter chegado a casa anunciando o início da Segunda Guerra Mundial. Vivemos um século XX carregado de atrocidades, porém com coisas igualmente maravilhosas e apaixonantes. Recordo que vivemos com profundo entusiasmo o Concílio Vaticano II, processos de paz e aproximação de nações, o desenvolvimento da ciência, da medicina, das tecnologias.

O mundo é complexo. Eu sou do tempo da segunda guerra, da guerra fria, da bomba atómica... Houve passos importantes, como a autonomia dos povos e o fim do colonialismo. Apesar dos percalços houve períodos de otimismo. Nos últimos anos, o horizonte ficou mais negro. A minha primeira reação é tentar salvar a esperança. A Humanidade tem a possibilidade de vencer, mas também a possibilidade de se autodestruir. A dimensão da esperança é essencial.

A Igreja Católica é, no mundo de hoje, o último baluarte na defesa de uma ética e de valores transcendentes. Às vezes fica acantonada, dá ideia de ser retrógrada, mas é, realmente, este baluarte de defesa. Nunca assumi, no meu percurso de Fé e intelectual, um conflito entre a Fé e a Ciência. São dois universos diferenciados que têm de convergir naquilo que é fundamental: o sentido e a verdade do Homem. Não há dúvida que a Ciência é um bem precioso para a Humanidade.

No caso da sexualidade, julgo que devemos ensinar duas coisas: que as soluções facilitantes não levam a nada e que é preciso aprender a amar. É importante descobrir a generosidade do amor. Aquilo que se complica na comunicação da doutrina da Igreja é quando surge reduzida à casuística, traduzida em casos. A doutrina é mais ampla. É o desafio da liberdade, do amor e da dignidade do Homem.

O pecado supõe uma opção de consciência, quando sabemos que estamos a fazer o pior. Há circunstâncias em que as pessoas fazem o mal sem pecar, porque já não têm a clarividência de consciência, nem a liberdade interior para optar. O pecado, no sentido teológico do termo, é uma opção.

Ser católico é muito exigente. Sempre foi e continua a ser. É um caminho de audácia. Digo que é difícil, contudo também afirmo que é um caminho libertador, porque quando o experimentamos e o percorremos traz-nos tanta alegria, abre de tal forma o horizonte e o sentido da vida, que vale a pena.

Há muito tempo que espero um movimento dentro da Igreja que há de ajudar a purificar o Conselho Vaticano II. É um movimento inevitável de verdade e visão da Igreja no mundo.

Houve um momento em que se especulou sobre a possibilidade de ser escolhido para suceder a João Paulo II. Rezei muito a Nosso Senhor para que me protegesse... Um conclave é um momento único. Foi uma experiência extraordinária. No meu caso concreto, senti muito o efeito da pressão da comunicação social. Foi de tal forma que eu, que por norma resisto bem a este tipo de situações, comecei a ficar nervoso. Depois entrámos em conclave e a coisa pacificou. Não posso contar o que ali se passou... Mas fiquei muito contente por voltar para casa.

Penso que valeu a pena seguir o caminho do sacerdócio. Poderia ter sido melhor, mais perfeito na maneira como servi a Deus e aos irmãos, mas julgo que valeu a pena.

Quando me perguntam o que vou fazer a seguir, digo sempre: só sei o que não vou fazer.

Acredito em Deus. Acredito que o mundo depende mais de Deus do que dos homens.

Excertos editado para a edição do 21º aniversário da revista Visão de uma entrevista de 2008 de Patrícia Reis, publicada na revista Portefólio, da Fundação Eugénio de Almeida

Sem comentários: