Há cinco meses o mundo não sabia quem era Jorge Mario Bergoglio SJ; desde 13 de Março corre literalmente atrás do Papa Francisco. Há quase um concurso global para encontrar gestos inesperados e atitudes inovadoras do recém Sumo Pontífice.
A personalidade cativante de Francisco tem traços únicos, que o mundo e a Igreja ainda não compreenderam totalmente. Mas a unanimidade à volta deste carácter encantador é, pelo menos por enquanto, quase total. Ouvem-se muitos perguntar se ele é mesmo genuíno, ou se se trata de uma pose, pois parece bom demais para acreditar. Tanto os testemunhos dos íntimos como a experiência crescente destes meses indicam claramente que ele é exactamente como se vê: um grande homem de Deus, límpido, sábio, transparente. Isso leva todos os que se cruzam com ele a esperar muito do seu pontificado.
Aqui termina o consenso. Se sobre a pessoa do Papa há acordo quase geral, variam muito as deduções que daí se tiram. Tão diferentes são os palpites que as apreciações mediáticas tornam-se quase hilariantes. Sobretudo porque muitos, no seu ingénuo entusiasmo pelo deslumbrante Papa Francisco, se esquecem de quem ele é, de onde veio, onde está, para onde vai. Isto significa que, como é habitual nas discussões sobre a Igreja, o que se diz revela menos do tema em análise do que sobre o coração de quem fala.
As causas dos mal-entendidos variam. Alguns, mais infantis, são incapazes de louvar alguém sem criticar os demais. Ele é bom; o resto é horrível. Assim a admiração por Bergoglio torna-se pretexto para atacar a Igreja que ele ama. Aliás até esquecem como o deslumbramento actual é paralelo à espantosa surpresa de 1978 com João Paulo II, 1958 com João XXIII, 1939 com Pio XII, e tantos outros. As épocas diferem e as personagens variam, mas fascínio no início de um pontificado é habitual.
Outra razão é mais profunda: o cativante Jorge Bergoglio é Papa e portanto líder da Igreja Católica. Como todos gostam dele, cada um acha que ele fará aquilo que essa pessoa pensa ser necessário para a Igreja. Ora essas opiniões são legião.
A principal fonte de enganos vem de uma ideia básica, central, nem sempre assumida, que constitui uma negação profunda da própria natureza da Fé. Muitos estão convencidos que, se a Igreja quiser ter sucesso ou até sobreviver, tem de ser aceite pelo mundo. No fundo acham que as suas ideologias e preferências, preconceitos e instituições constituem a referência central de julgamento. A cada passo se ouvem apelos para que a Igreja se adapte aos tempos modernos. Depois de tudo o que se mudou nos últimos 50 anos em métodos e procedimentos, isso só pode significar que ela deixe de ser o que é, passando à irrelevância.
Porque quando a Igreja disser o mesmo que a multidão, opinião pública ou élite pensante, torna-se desnecessária. Para que serve uma doutrina que pactue ou tolere injustiças, abortos, interesses, adultérios, ficções, libertinagem, abusos? Por que razão quereríamos uma Igreja igual à RTP, PSD, UGT ou ONU? Os crentes querem ser, não populares, mas fiéis.
Ao longo dos séculos, após a evaporação do fascínio momentâneo com novos pontificados, os cristãos sempre foram criticados, vivendo em choque permanente com a sociedade da época. As razões variam; o conflito fica. Curiosamente, as gerações seguintes costumavam concordar com aquilo que os católicos contestaram nos seus antepassados, enquanto arranjavam novas razões de oposição. As censuras eclesiais duradouras referem-se aos momentos em que a Igreja esteve demasiado próxima de certos regimes. Precisamente aquilo que o dito axioma quer fazer com a cultura actual.
Quem considera a Igreja ou o Papa deve saber que eles pertencem a Deus. Neste mundo de pecado, a divindade choca sempre. Não é Deus que se adapta ao mundo, mas o mundo que anseia por Deus. Como dizia S. Paulo, citando o profeta Isaías, "Reparai que ponho em Sião uma pedra de tropeço, uma rocha de escândalo, e só quem nela acreditar não ficará frustrado" (Rm 9, 33, cf. Is 28,16). Uma pedra em cruz.
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