Não há ninguém tão bom que não conheça em si mesmo o mal,nem ninguém tão mau que não seja capaz do bem
É um lugar-comum dizer que este mundo não tem conserto. E muitos são os que, verificando as suas deficiências, inferem a inexistência de Deus ou, pelo menos, sustentam que o Criador é um ser insensível às desgraças que flagelam a humanidade.
O nosso planeta está longe de ser aquele aprazível paraíso onde, segundo a Bíblia, Adão e Eva foram criados. Até do ponto de vista físico, esta terra é palco de violentos contrastes: temperaturas que gelam e que escaldam; terramotos em terra e tempestades no mar; vulcões e ciclones; chuvas intempestivas e prolongadas secas; florestas impenetráveis e áridos desertos. E, pior do que estas inclemências da natureza que, mais do que mãe, parece madrasta, a crueldade dos próprios homens: tantas injustiças, tantas crianças órfãs, abandonadas ou maltratadas; tantas pessoas esfomeadas ou sem abrigo; tantas guerras; tanta miséria moral e material …
Que mundo desconsertado!
É verdade. Como certa é, paradoxalmente, a formosura da natureza, que a ecologia defende e que os poetas não se cansam de exaltar, nem os artistas de representar. Mesmo nos antros mais obscuros, brilham diamantes de escondidas belezas.
Mesmo nos corações mais empedernidos, há reflexos de um amor sublime. Não há ninguém tão bom que não conheça, em si mesmo, o mal; nem ninguém tão mau que não seja capaz do bem. Como é misteriosa e aparentemente contraditória a condição humana!
O mundo poderia ser diferente, se Deus não permitisse o mal físico, nem o pecado. Mas, se não existissem essas adversidades naturais, em que outra forja se moldaria o carácter humano e se desenvolveria o seu engenho e arte?! Por outro lado, a impossibilidade do mal moral só seria possível se fosse eliminada a liberdade. Ora, sem ela, o ser humano mais não seria, como dizia Fernando Pessoa, do que um «cadáver adiado que procria», um animal sofisticado, mas sem mérito nem culpa. É que só um ser livre é capaz de amar.
O maestro, para lograr a combinação perfeita de todos os instrumentos da orquestra, obriga os músicos a cingirem-se a uma única pauta: se cada qual tocasse o que quisesse, quando quisesse e como quisesse, em vez de uma melodia, resultaria um ruído insuportável.
Deus compõe uma música maravilhosa, mas sem retirar a liberdade a ninguém, mesmo quando alguns insistem em desafinar. O mal é, apenas, a ausência do bem e, como o nada não é, tudo o que existe é bom. O mal é, afinal, mais uma nota, em si mesma estridente, mas que faz parte da harmonia universal. Sem a prodigalidade do filho, não se conheceria a grandeza do amor de seu pai; sem o adultério da arrependida, não seria possível o perdão que a redime.
Ainda que o bem e o mal não sejam indiferentes em termos morais e pessoais, Deus escreve direito por linhas tortas. A Escritura diz que, onde abundou o pecado, sobreabundou a graça porque, como ensina Paulo de Tarso, todas as coisas concorrem para o bem.
Para a razão, o universo é um caos, porque só pela fé é possível compreender que este mundo desconsertado é, afinal, um concerto, um hino de louvor, um poema escrito pela omnipotência divina e pela liberdade humana. Deus ama todos os homens, que atrai a si e de quem cuida através do plano misterioso e infalível da sua omnipotente bondade: a providência divina.
Gonçalo Portocarrero de Almada in 'i' online http://www.ionline.pt/iOpiniao/misteriosa-sinfonia-universal
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