O conjunto de circunstâncias que obrigam a prestar cuidados ao processo da unidade europeia faz destacar a questão de prever, com a hesitação dos tempos, em que medida os chamados poderes emergentes tendem para mudar a ordem mundial ou, talvez com mais rigor, para introduzir uma ordem na situação caótica existente.
No que respeita à ordem que se imaginou ressurgir, a partir da Carta da ONU, depois do fim da guerra fria, o facto que pareceu mais saliente foi a chamada desconexão entre a geopolítica, até então dominante, e a geoeconomia. No caso dos EUA o facto parece evidente, tendo em vista que a Europa, embora em crise, representa mais de um terço do comércio mundial (Milani), e que os poderes emergentes crescem de maneira visível.
Quando, em 2011, Jim O'Neill reuniu no termo BRIC a referência ao grupo constituído pelo Brasil, Rússia, Índia e China, previa a separação da geopolítica e da geoeconomia mundiais, mas também implicou em tal observação o facto de um pluralismo de regionalismos vir a pesar em qualquer redefinição da ordem mundial que falta.
Logo o G8 da época poderia ser visto como um regionalismo que defrontava, sem que a inovação estratégica, se existente, tivesse facilmente conseguido uma coerência interna dificultada pela heterogeneidade das tradições, dos Estados envolvidos, e de facto pouco de novo apareceu na formação de novas entidades politicamente plurais.
Para os observadores que coloquem a geoeconomia como abrangente da problemática dominante, a questão da geoestratégia, em mudança também acelerada, desde o fim da guerra fria, pode não aparecer como uma dificuldade maior. Nessa perspetiva, até uma espécie de diferenciação económica poderia enriquecer tal espécie de regionalização dos agentes da nova ordem em vista, por exemplo, o Brasil pondo o acento tónico nos produtos agrícolas, a Índia na área informática, a China para os produtos manufaturados.
Mas é difícil prever e admitir que embora seja evidente a importância crescente da invocada desconexão entre a geopolítica e a geoeconomia, ou, usando termos mais clássicos, a diferenciação das balanças de poderes, não é de esperar que a China, a Rússia e a Índia, sejam quais forem os regionalismos em que se encontram envolvidos, excluam dos seus conceitos estratégicos uma aproximação entre as duas balanças, e portanto visando o fortalecimento individualizado da sua capacidade global.
Para exemplo serve o facto de a China ter mostrado a bandeira ao lançar o seu primeiro porta-aviões, e ao mesmo tempo desenvolver uma evidente política recompensada de expansão económica global, em que Portugal e os países de língua portuguesa estão claramente incluídos desde 2005.
Países como a Rússia e a China não é fácil que deixem de incluir no seu conceito de soberania a exclusão do direito de terceiros terem interferência na sua jurisdição interna, por muito que o declínio económico, mas não a vontade de recuperação, se manifestasse.
Nos países de língua portuguesa, foi talvez o presidente Lula quem mais francamente deu expressão política a estas questões, ao falar em nome da chamada "segunda geração de potências emergentes", mas pondo o acento na soberania do Brasil e na urgência de princípios justos no multilateralismo económico.
Tudo aponta pois no sentido de que a redistribuição mundial do poder, em qualquer das balanças, dá sinais de uma conceção de justiça que se apoia na solidariedade regional para viabilizar uma agenda mundial. Ora, a Europa, não obstante a sua dimensão geoeconómica, tem experiência próxima suficiente para que se torne evidente que a regionalização, chamada União, é uma definição indispensável para ter voz na globalização em progresso, sem ter poder, ainda assim, para desconhecer a inquietação da desconexão com a passada capacidade estratégica. Tendo em conta que qualquer desequilíbrio, mesmo vindo do fraco ao forte, como parece emergir na sua fronteira a leste, poderá não dar tempo para lamentar os descuidos com a sua própria unidade.
Adriano Moreira in DN online
Sem comentários:
Enviar um comentário