Era sempre a mesma coisa! Todos os anos, depois das festas do Natal e do novo Ano, prometia e jurava a pés juntos que, para a próxima, não iria deixar tudo para a última, que iria comprar os presentes com tempo, que não se deixaria levar pela lufa-lufa das vésperas, ao cumprir aquela cansativa mas necessária tradição de dar a alguns familiares e amigos, no dia do nascimento de Jesus, alguma pequena lembrança. Mas depois, por inadiáveis compromissos profissionais e não só, postergava sistematicamente a realização desse seu propósito, com a inevitável consequência de se ver obrigado a realizar essas compras precisamente quando as lojas pululavam de clientes e os centros comerciais, pejados de compradores compulsivos, pareciam imensos formigueiros de frenéticas térmitas.
Natal. O Natal é uma maçada! – desabafou para si mesmo, quando bateu com o nariz na porta daquela pequena loja de artigos de bom gosto, onde tencionava comprar alguma coisa para a sua mãe. A velha senhora, já octogenária, via com dificuldade e ouvia mal, para além de outros achaques próprios da idade, pelo que não era fácil encontrar um presente à medida das suas limitações. Mas, apesar disso, gostava de lhe levar sempre qualquer coisa, um mimo que, por insignificante que fosse, expressasse naquele dia o seu amor filial e a sua gratidão.
Quando chegou a abençoada noite de consoada, a que se seguiria, já depois da Missa do galo, a troca dos presentes, encontrou-se desesperadamente de mãos vazias. In extremis, tinha ainda ido à florista do bairro, na expectativa de que um bonito ramo o pudesse livrar de tão aflitivo apuro. Mas também essa tentativa saiu gorada: a simpática «dama das camélias» tinha abalado para a terra e fechado o estabelecimento, não sem antes o guarnecer com um intermitente voto luminoso de Boas Festas, obviamente «made in China».
Estava tudo perdido! Foi de mãos a abanar que tocou à porta da casa que a mãe abriu, com a ternura de sempre. Depois do cumprimento habitual, balbuciou uma desculpa qualquer, que a velha senhora não deixou concluir:
- Mas, meu filho, isso não importa, o que realmente interessa é que tu tenhas vindo!
A verdade é que a sua primeira reacção foi de alívio ante aquela indulgente amnistia maternal, mas só mais tarde lhe descobriu o seu verdadeiro sentido: o Natal não é só, nem principalmente, a festa dos presentes, mas a solenidade do Deus-presente, que se faz dom para a humanidade porque, como escreveu São João, «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu», por presente, «o Seu Filho Unigénito, para que todo aquele que crê n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). No Natal de há dois mil anos, Deus não nos deu nenhuma coisa, mas Alguém: deu-Se a Ele mesmo na pessoa do seu Filho, Jesus.
Neste Natal dê presentes, mas sobretudo dê-se como presente aos outros: em vez do filho, marido, mulher, pai ou mãe ausente, em vez do familiar ou amigo esquecido; em vez do colega ou vizinho distante; seja um filho-presente, uma mãe ou um pai-presente, uma familiar-presente, uma amigo-presente, um colega-presente, um vizinho-presente.
Dar presentes é bom, como fizeram os magos e, certamente, os pastores, mas ser presente é muito melhor, porque é ser como Jesus e dar aos outros aquela inefável alegria que, na pobreza do presépio de Belém, experimentaram tão intensamente Maria e José.
Um Santo Natal!
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
(2009)
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