Desde o Concilio Vaticano II que a guerra foi declarada ilegítima em todas as formas, com excepção da legítima defesa, uma restrição mais rigorosa nos seus limites do que a definição ainda acolhida pela Carta da ONU. É certo que a obediência da realidade às proclamações éticas e jurídicas não é nem larga nem semeada de esperanças, tendo-se multiplicado os conflitos internacionais e civis, além dos desvios e abusos a que tem conduzido o complexo militar industrial de que se lamentou Eisenhower, e dos gravíssimos efeitos da privatização da guerra, designadamente no que toca ao envolvimento das crianças como combatentes em várias latitudes.
É corrente avaliar esta situação a partir das intervenções da ONU legitimadas pelos textos normativos, mas a realidade para além das normas abarca uma dimensão confrangedora, que não pode deixar de inquietar a própria Europa, embora esta mantida mais atenta e preocupada com toda a problemática do euro, e dos efeitos positivos ou negativos de que a frágil prospectiva rodeia o seu futuro, em todos os domínios, designadamente no mais significativo, que é a unidade europeia. Mas os riscos militares despontaram pelas suas margens do Mediterrâneo, um mar euro-africano, centra-se visivelmente na incerteza sobre a política do Irão, desta feita com informações mais seguras do que as que desencadearam a infeliz guerra do Iraque.
Mas não é apenas a guerra, em qualquer das suas formas, que suscita a urgência da pregação da paz e da sua defesa, porque a pobreza é outra das circunstâncias que ameaçam essa ambicionada paz, e não existe ideologia orçamental que assegure uma razoável prospectiva neste domínio. Todavia, a velha percepção de que a guerra começa no coração dos homens orienta no sentido de fiar da palavra semeadora de valores a capacidade de manter em exercício princípios como os que afirmam que as armas de destruição maciça não são para ser usadas, embora neste caso talvez mais pela frágil convicção de que o medo guarda a paz.
Um paradigma pouco relacionado com a ética, porque é a paz por adesão, como valor essencial, que tem de ser pregada e implantada, contribuindo assim para o desarmamento, que a política tem o cuidado de pretender controlado. Na realidade o que a doutrina, de novo lembrada e sistematizada na mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial da Paz, anima é que a guerra começa no coração dos homens, e por isso é no coração dos homens que é necessário radicar os valores da paz e da justiça, e isto, desde logo, em todo o processo educativo, formal ou informal.
De novo, embora alguns responsáveis considerem superficial a exigência, todo o processo educativo, nestas sociedades da informação, do saber, e do saber fazer, não pode esquecer as humanidades, e daqui o apelo no sentido de "educar os povos para a justiça e a paz" responsabilizando as famílias, os Estados, os meios de comunicação, com especial apelo ao mundo dos media, porque "na sociedade actual os meios de comunicação de massa têm uma função particular: não só informam, mas também formam o espirito dos seus destinatários, e, conjuntamente, podem concorrer notavelmente para a educação dos jovens". E também para a deseducação quando o credo do mercado limita a genuína liberdade da informação. Um risco que o relativismo que invadiu os ocidentais torna muito evidente quando se avalia o tempo disponível por cada um dos responsáveis pelo processo educativo, a começar pela família, para exercer o dever que não pode deixar de ser-lhe atribuído.
Um risco filiado, com outros, no predomínio que, na modernidade em que estamos, assumiu a tendência para "recorrer exclusivamente aos critérios de utilidade, do lucro, e do ter", esquecendo o "conceito de justiça", entendida esta acima das convenções humanas, mas derivado do reconhecimento da profunda identidade do homem. A crise actual torna muito evidente que o diálogo e entendimento entre as gerações é um pressuposto exigente e difícil para fazer implantar a adesão a que a guerra começa no coração dos homens.
Adriano Moreira in DN online
Sem comentários:
Enviar um comentário