O AMOR DE DEUS – O infinito amor de Deus por cada homem. – O Senhor ama-nos sempre. Quando o ofendemos, tem misericórdia de nós. – A nossa correspondência. O primeiro mandamento. O amor de Deus nos acontecimentos de cada dia.
I. TODA A SAGRADA ESCRITURA nos fala continuamente do amor de Deus por nós. Os textos revelados asseguram-nos que, ainda que uma mãe venha a esquecer-se do filho das suas entranhas, Deus jamais se esquece de nós, pois os nossos nomes estão escritos na palma da sua mão, para nos ter sempre sob os seus olhos1. A primeira leitura da Missa, do livro do profeta Oseias, é um desses textos que mostram o triunfo emocionante do amor de Deus sobre as infidelidades e as conversões hipócritas do seu povo. Israel reconhece finalmente que não será salvo pelas alianças humanas, nem por deuses fabricados pelas suas mãos2, nem por holocaustos vazios, mas pelo amor, manifestado na fidelidade à Aliança. A própria conversão é fruto do amor de Deus, pois tudo nasce d’Aquele que nos ama sem medida. Eu os curarei dos seus extravios – lemos –, amá-los-ei de todo o coração, porque a minha cólera se apartou deles. Serei para Israel como o orvalho, e ele florescerá como o lírio, e lançará raízes como o álamo. Os seus ramos estender-se-ão até longe, a sua opulência igualará a da oliveira, e o seu perfume será como o odor do Líbano. Voltarão a sentar-se à sua sombra: cultivarão o trigo, crescerão como a vinha e a sua fama será como a do vinho do Líbano3. Nunca poderemos imaginar quanto Deus nos ama. Para nos salvar, quando estávamos perdidos, Ele nos enviou o seu Unigénito a fim de que, dando a sua vida por nós, nos redimisse do estado em que havíamos caído: Tanto amou Deus o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna4. Este mesmo amor move-o a dar-se inteiramente a cada um de nós, vindo habitar de um modo permanente na nossa alma em graça: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele e nele faremos a nossa morada5; e move-o também a comunicar-se connosco na intimidade do nosso coração, durante estes minutos de oração e em qualquer momento do dia. “Eu até te servirei, porque vim para servir e não para ser servido. Eu sou amigo, membro e cabeça, irmão e irmã, e mãe; sou tudo e só quero chegar à intimidade contigo. Eu, pobre por ti, mendigo por ti, crucificado por ti, sepultado por ti; no céu intercedo por ti diante de Deus Pai; e na terra sou seu legado diante de ti. Tu és tudo para mim, irmão e co-herdeiro, amigo e membro. Que mais queres?”6 Que mais podemos desejar? Quando contemplamos o Senhor em cada uma das cenas da Via-Sacra, é fácil que nos suba do coração aos lábios este grito: “Saber que me amas tanto, meu Deus, e... não enlouqueci!”7 II. NÃO HÁ ENTRE OS DEUSES nenhum que se vos compare, Senhor, porque Vós sois grande e operais maravilhas, Vós sois o único Deus8. Uma das maiores maravilhas é o amor que Deus nos tem. Ama-nos com um amor pessoal e individual, a cada um em particular. Nunca deixou de amar-nos, de ajudar-nos, de proteger-nos, de comunicar-se connosco, nem sequer nos momentos de maior ingratidão da nossa parte ou quando cometíamos os pecados mais graves. Talvez tenha sido nessas tristes circunstâncias que recebemos mais atenções de Deus, como Ele nos mostra nas parábolas em que quis revelar-nos de modo tão expressivo a sua misericórdia: a ovelha perdida é a única que é levada aos ombros do bom pastor; a festa do pai de família é para o filho que dilapidou a herança, mas que soube voltar arrependido; a dracma perdida é cuidadosamente procurada pela dona de casa até ser encontrada...9 Ao longo da nossa vida, a atenção de Deus e o seu amor por cada um de nós têm sido constantes. Ele teve presentes todas as circunstâncias e acontecimentos pelos quais tínhamos que passar. Está ao nosso lado em todas as situações e em cada momento: Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo10, até o último instante da nossa vida. Tantas vezes se fez encontrar por nós! Na alegria, na dor, através de acontecimentos que a princípio nos pareciam uma grande desgraça, num amigo, num colega de trabalho, no sacerdote que nos atendia... “Consideremos juntos esta maravilha do amor de Deus: o Senhor vem ao nosso encontro, espera por nós, coloca-se à beira do caminho, para que tenhamos que vê-lo necessariamente. E chama-nos pessoalmente, falando-nos das nossas coisas, que são também suas, movendo a nossa consciência à compunção, abrindo-a à generosidade, imprimindo em nossas almas o desejo de ser fiéis, de nos podermos chamar seus discípulos”11. Como prova de amor, deixou-nos os sacramentos, “canais da misericórdia divina”. Dentre eles, porque os recebemos com maior frequência, agradecemos-lhe agora de modo particular a Confissão, em que nos perdoa os pecados, e a Sagrada Eucaristia, onde quis permanecer como prova singularíssima de amor pelos homens. Por amor, deu-nos a sua Mãe por Mãe nossa. E como manifestação desse amor, deu-nos também um Anjo para que nos proteja, nos aconselhe e nos preste imensos favores até que chegue o fim da nossa passagem pela terra, onde Ele nos espera para nos dar o Céu prometido, uma felicidade sem limites e sem fim. Ali temos já um lugar preparado à nossa espera. Dizemos-lhe, com uma das orações da Missa de hoje: Senhor, que a acção do vosso Espírito em nós penetre intimamente o nosso ser, para que cheguemos um dia à plena posse daquilo que agora recebemos na Eucaristia12. E lhe damos graças por tanto amor, por tantas atenções que não merecemos. E procuramos inflamar-nos em desejos: amor com amor se paga. Assim expressa alguém poeticamente esta ideia: “Mil vidas, se as tivesse, daria para Te possuir, e mil... e mil... mais eu daria..., para Te amar, se pudesse..., com esse amor puro e forte com que Tu, sendo quem és, nos amas continuamente”13. III. DIZ-NOS O EVANGELHO da Missa: Aproximou-se dele um dos escribas e perguntou-lhe: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu espírito e com todas as tuas forças14. Ele espera de cada homem uma resposta sem condições ao seu amor por nós. O nosso amor a Deus revela-se nos mil pequenos acontecimentos de cada dia: amamos a Deus através do trabalho bem feito, da vida familiar, das relações sociais, do descanso... Tudo pode converter-se em obras de amor. “Enquanto realizamos com a maior perfeição possível, dentro dos nossos erros e limitações, as tarefas próprias da nossa condição e do nosso ofício, a alma anseia por escapar. Vai-se rumo a Deus, como o ferro atraído pela força do imã. Começa-se a amar Jesus de forma mais eficaz, com um doce sobressalto”15. Quando se corresponde ao amor de Deus, transpõem-se todos os obstáculos; e, pelo contrário, sem amor, até as menores dificuldades parecem insuperáveis. Tudo se torna mais fácil de enfrentar se há união com o Senhor. “Todas estas coisas, não obstante, parecem difíceis aos que não amam; aos que amam, pelo contrário, isso mesmo lhes parece leve. Não há padecimento, por mais cruel e insolente que seja, que o amor não torne fácil ou quase inexistente”16. A alegria mantida no meio das dificuldades é o sinal mais claro de que o amor de Deus informa todas as nossas acções, porque – comenta Santo Agostinho – “naquilo que se ama, ou não se sente a dificuldade ou ama-se a própria dificuldade [...]. Os trabalhos dos que amam nunca são penosos”17. O amor a Deus deve ser supremo e absoluto. Dentro deste amor cabem todos os amores nobres e limpos da terra, cada um deles na sua ordem, conforme a peculiar vocação recebida por cada qual. “Não seria justo dizer: «Ou Deus ou o homem». Devem amar-se «Deus e o homem»; este último, nunca mais do que a Deus ou contra Deus ou mesmo na mesma medida que a Deus. Por outras palavras: o amor a Deus prevalece, mas não é exclusivo. A Bíblia declara Jacob santo e amado por Deus; mostra-o despendendo sete anos em conquistar Raquel como esposa, e parecem-lhe poucos, tão grande era o seu amor por ela. A este propósito, São Francisco de Sales faz este comentário: «Jacob ama Raquel com todas as suas forças, e com todas as suas forças ama a Deus: mas nem por isso ama Raquel como a Deus, nem a Deus como a Raquel. Ama a Deus como seu Deus sobre todas as coisas e mais que a si próprio; ama Raquel como sua mulher sobre todas as outras mulheres e como a si mesmo. Ama a Deus com um amor absoluto e ilimitadamente sumo, e a Raquel com o seu amor marital; um amor não é contrário ao outro, porque o de Raquel não viola os supremos benefícios do amor a Deus!»”18 O amor a Deus manifesta-se necessariamente no amor aos outros. O sinal externo da nossa união com Deus é o modo como vivemos a caridade com os que estão ao nosso lado. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos...19, disse-nos o Senhor. Peçamos hoje à Virgem que nos ensine a corresponder ao amor do seu Filho, e que saibamos amar com obras os nossos irmãos, seus filhos também. (1) Is 49, 15-17; (2) cfr. Os 14, 4; (3) Os 14, 2-10; Primeira leitura da Missa da sexta-feira da terceira semana da Quaresma; (4) Jo 3, 16; (5) Jo 14, 23; (6) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 76; (7) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 425; (8) Sl 85, 8-10; Antífona de entrada da Missa da sexta-feira da terceira semana da Quaresma; (9) cfr. Lc 15, 1 e segs.; (10) Mt 28, 20; (11) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 59; (12) Oração depois da comunhão da Missa da sexta-feira da terceira semana da Quaresma; (13) Francisca Javiera del Valle, Decenário ao Espírito Santo; (14) Mc 12, 28-30; (15) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 296; (16) Santo Agostinho, Sermão 70; (17) idem, De bono viduitatis, 21, 26; (18) João Paulo I, Audiência geral, 27-IX-78; (19) Jo 13, 35.
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