A CONSCIÊNCIA, LUZ DA ALMA – A consciência ilumina toda a vida. Pode deformar-se e endurecer. – A consciência bem formada. Doutrina e vida. – Ser luz para os outros. Responsabilidade.
I. HOJE, SE OUVIRDES a voz do Senhor, não endureçais os vossos corações1, repete-nos a liturgia durante todos os dias deste tempo litúrgico. E todos os dias, de formas muito diversas, Deus fala ao coração de cada um de nós. “A nossa oração durante a Quaresma tem em vista despertar a consciência e torná-la sensível à voz de Deus. Não endureçais o coração, diz o salmista. Com efeito, a morte da consciência, a sua indiferença em relação ao bem e ao mal, os seus desvios, são grandes ameaças para o homem. E indiretamente são também uma ameaça para a sociedade porque, em última instância, é da consciência humana que depende o nível de moralidade da sociedade”2. A consciência é a luz da alma, do que há de mais profundo no ser humano, e, se se apaga, o homem fica às escuras e pode cometer todos os desvios imagináveis contra si próprio e contra os outros. A lâmpada do teu corpo são os teus olhos3, diz o Senhor. A consciência é a lâmpada da alma e, se estiver bem formada, ilumina o caminho, o caminho que termina em Deus, e o homem pode avançar por ele. Ainda que tropece e caia, pode levantar-se e prosseguir. Quem deixa que a sua sensibilidade interior “adormeça” ou “morra” para as coisas de Deus, fica sem qualquer ponto de referência pelo qual orientar-se. É a maior desgraça que pode acontecer a uma alma nesta vida. Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal – anuncia o profeta Isaías –, ai daqueles que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce4. Jesus compara a função da consciência à do olho na nossa vida. Se o teu olho for são, todo o teu corpo estará bem iluminado; se, porém, estiver em mau estado, o teu corpo estará em trevas. Cuida, pois, de que a luz que há em ti não sejam trevas5. Quando o olho está bom, vêem-se as coisas tal como são, sem deformações. Um olho doente engana a pessoa e pode levá-la a pensar que os acontecimentos são como ela os vê com a sua visão distorcida. A consciência pode ficar deformada por não se ter procurado alcançar a ciência devida a respeito da fé, ou então por uma má vontade dominada pela soberba, pela sensualidade, pela preguiça... Quando o Senhor se queixava de que os judeus não se abriam à sua mensagem, não atribuía a causa a nenhuma dificuldade involuntária: a dificuldade era antes uma consequência da sua livre negativa: Por que não compreendeis a minha linguagem? Porque não podeis suportar a minha doutrina6. As paixões e a falta de sinceridade consigo próprio podem chegar a forçar o entendimento e levá-lo a pensar de outra forma, mais de acordo com um teor de vida ou com uns defeitos e maus hábitos que não se querem abandonar. Não existe então boa vontade, o coração se endurece e a consciência adormece e já não indica a direcção certa que conduz a Deus: é como uma bússola avariada que desorienta aquele que a consulta. “O homem que tem o coração endurecido e a consciência deformada, ainda que possa estar na plenitude das suas forças e das suas capacidades físicas, é um doente espiritual e é preciso fazer alguma coisa para que recupere a saúde da alma”7. A Quaresma é um tempo muito propício para pedirmos ao Senhor que nos ajude a formar muito bem a nossa consciência e para examinar se somos radicalmente sinceros connosco, com Deus e com as pessoas que em seu nome têm por missão aconselhar-nos. II. A LUZ QUE EXISTE em nós não brota do nosso interior, da nossa subjectividade, mas de Jesus Cristo. Eu sou a luz do mundo, disse Jesus; aquele que me segue não anda nas trevas8. A sua luz esclarece as nossas consciências e, mais ainda, pode converter-nos em luz que ilumine a vida dos outros: Vós sois a luz do mundo9. O Senhor coloca-nos no mundo para que com a luz de Cristo mostremos aos outros o caminho. Levaremos a cabo essa tarefa com a nossa palavra e sobretudo com a nossa conduta no cumprimento dos deveres profissionais, familiares e sociais. É por isso que devemos conhecer muito bem quais as normas que hão de reger a nossa actuação, segundo os ditames da honestidade humana e da moral de Cristo. Devemos ser conscientes do bem que podemos fazer, e depois fazê-lo efectivamente; ter clara consciência daquilo que, no exercício da profissão, é vedado a um homem de bem e a um bom cristão, e depois evitá-lo; se cometemos um erro, devemos pedir perdão, corrigi-lo e reparar o mal causado, sempre que isso seja possível. E assim por diante. A mãe de família que tem como tarefa santificadora o seu lar, deve averiguar na sua oração se é exemplar nos seus deveres para com Deus, se tem hábitos de sobriedade, se domina o mau-humor, se dedica o tempo necessário aos filhos e à casa... O empresário deve considerar com frequência se se esforça por conhecer a doutrina social da Igreja e por praticá-la nos seus negócios, no mundo da sua empresa, se paga salários justos... A vida cristã se enriquece quando se põem em prática nos assuntos diários os ensinamentos que o Senhor nos transmite através da Igreja. A doutrina adquire assim toda a sua força. Quando por ignorância mais ou menos culposa se desconhece a doutrina ou quando, conhecendo-a, não se põe em prática, torna-se impossível ter uma vida cristã e avançar pelo caminho que conduz à santidade. Todos nós precisamos ter e formar uma consciência recta e delicada, que compreenda com facilidade a voz de Deus nos assuntos da vida quotidiana. Em face de situações menos claras que possam apresentar-se na nossa profissão, devemos considerá-las na presença de Deus e, quando for necessário, procurar o conselho oportuno de pessoas que possam esclarecer-nos; a seguir, poremos em prática as decisões que tivermos tomado, com responsabilidade pessoal; ninguém nos pode substituir no exercício dessa responsabilidade nem a podemos delegar. No nosso exame de consciência, aprendemos a ser sinceros conosco e chamamos os nossos erros, fraquezas e faltas de generosidade pelos seus nomes, sem mascará-los com falsas justificações ou com idéias em voga no ambiente. A consciência que não quer reconhecer as suas faltas deixa o homem à mercê do seu próprio capricho. III. PARA O CAMINHANTE que deseja verdadeiramente chegar ao seu destino, o importante é saber claramente por onde avançar. Essa pessoa agradece as sinalizações claras, ainda que vez por outra indiquem sendas um pouco mais estreitas e difíceis, e fugirá das vias que, embora amplas e cómodas, não conduzem a lugar nenhum... ou levam a um precipício. Devemos ter o máximo interesse em formar bem a nossa consciência, pois é a luz que nos faz distinguir o bem do mal, e que nos leva a pedir perdão e a recuperar o caminho do bem, se o tivermos perdido. A Igreja oferece-nos os meios para isso, mas não nos exime do esforço por aproveitá-los com responsabilidade. Na nossa oração de hoje, podemos perguntar-nos: Tenho um plano de leituras, combinado com o meu orientador espiritual, que me ajude a progredir na minha formação doutrinal de acordo com a minha idade e cultura? Sou fiel às indicações do Magistério da Igreja, sabendo que nelas encontro a luz da verdade que me há de guiar no meio das opiniões contraditórias com que deparo em matéria de fé, de doutrina social, etc.? Rectifico com frequência a intenção com que trabalho, oferecendo as minhas obras a Deus e tendo em conta que tendemos a procurar o aplauso, a vaidade, o louvor naquilo que fazemos, e que por essa fresta entra muitas vezes a deformação da consciência? Necessitamos de luz e critério para nós e para os que estão ao nosso lado. É muito grande a nossa responsabilidade. O cristão é colocado por Deus como tocha que ilumina os passos dos outros em direcção a Deus. Devemos formar-nos “com vistas a essa avalanche de gente que se jogará sobre nós, com a pergunta precisa e exigente: «Bom, o que há que fazer?»”10 Os filhos, os parentes, os colegas, os amigos reparam no nosso comportamento, e nós temos obrigação de levá-los a Deus. E para que o guia de cegos não seja também cego11, não basta que saiba das coisas “meio por cima”, por palpites; para conduzirmos os nossos amigos e parentes a Deus, não nos basta um conhecimento vago e superficial do caminho; é necessário que o percorramos, isto é, que nos relacionemos com o Senhor, que conheçamos cada vez mais profundamente a sua doutrina, que travemos uma luta concreta contra os nossos defeitos; numa palavra: que caminhemos na frente na nossa luta interior e no exemplo; que sejamos exemplares na profissão, na família... “Quem tem a missão de dizer coisas grandes – diz São Gregório Magno –, está igualmente obrigado a praticá-las”12. E só se as praticar é que as suas palavras serão eficazes. Cristo, quando quis ensinar aos seus discípulos como deveriam praticar o espírito de serviço, cingiu-se com uma toalha e lavou-lhes os pés13. É o que nós devemos fazer: dar a conhecer o Senhor sendo exemplares nas tarefas diárias, convertendo em vida a sua doutrina. (1) Sl 94, 8; Invitatório para a Quaresma, Liturgia das horas da segunda-feira da segunda semana da Quaresma; (2) João Paulo II, Angelus, 15-III-1981; (3) Lc 11, 34; (4) Is 5, 20-21; (5) Lc 11, 34-35; (6) Jo 8, 43; (7) João Paulo II, ib.; (8) Jo 8, 12; (9) Mt 5, 14; (10) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 221; (11) cfr. Mt 15, 14; (12) São Gregório Magno, Regra pastoral, 2, 3; (13) cfr. Jo 13, 15.
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