Regresso ao texto anterior, para tentar clarificar melhor a importância de estarmos atentos e não nos deixarmos levar por sentimentos de “incapacidade”, de falsa humildade, ou de “obsessão” pelos nossos defeitos, que nos podem afastar de darmos de nós aos outros, pois tudo aquilo que o Senhor nos dá, deve ser sempre partilhado em função do bem comum, na proclamação da Boa Nova, no testemunho de Fé.
Pensemos que, (por uma hipótese totalmente absurda), Pedro e os Apóstolos se tinham deixado levar por sentimentos tais como, “eu não sou capaz”, “eu sou muito pecador”, “eu tenho que viver apenas interiormente a minha fé”, ou que Paulo tinha “perdido” o seu tempo preocupado com um seu “possível” orgulho, com uma sua “possível” vaidade, e assim, todos eles por força disso, não tivessem cumprido a missão a que o Senhor Jesus os chamou.
Se assim tivesse acontecido, não teriam chegado aos nossos tempos, (escrita e oralmente), os ensinamentos de Cristo, os Evangelhos, os Actos dos Apóstolos, as Cartas de Paulo, a Tradição da Igreja, enfim tudo que é a revelação de Deus aos homens, para por Ele chamados e convocados, serem Igreja caminhando em comunhão, vivendo o plano salvífico de Deus para a humanidade.
Ensina-nos a Igreja que a revelação de Deus atinge a plenitude em Cristo, mas ensina-nos também que a missão de todo e cada cristão, é dar testemunho de fé, por palavras, actos e até com a própria vida, (se a tal for chamado), na certeza de que nunca lhe faltará em momento algum a assistência do Espírito Santo.
Diz-nos a Lumen Gentium:
«35. Cristo, o grande profeta, que pelo testemunho da vida e a força da palavra proclamou o reino do Pai, realiza a sua missão profética, até à total revelação da glória, não só por meio da Hierarquia, que em Seu nome e com a Sua autoridade ensina, mas também por meio dos leigos; para isso os constituiu testemunhas, e lhes concedeu o sentido da fé e o dom da palavra (cfr. Act. 2, 17-18; Apoc. 19,10) a fim de que a força do Evangelho resplandeça na vida quotidiana, familiar e social. Os leigos mostrar-se-ão filhos da promessa se, firmes na fé e na esperança, aproveitarem bem o tempo presente (cfr. Ef. 5,16; Col. 4,5) e com paciência esperarem a glória futura (cfr. Rom. 8,25). Mas não devem esconder esta esperança no seu íntimo, antes, pela contínua conversão e pela luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos do mal» (Ef. 6,12), manifestem-na também nas estruturas da vida secular.
Do mesmo modo que os sacramentos da nova lei, que alimentam a vida e o apostolado dos fiéis, prefiguram um novo céu e uma nova terra (cfr. Apoc. 21,1), assim os leigos tornam-se valorosos arautos da fé naquelas realidades que esperamos (cfr. Hebr. 11,1), se juntarem sem hesitação, a uma vida de fé, a profissão da mesma fé. Este modo de evangelizar, proclamando a mensagem de Cristo com o testemunho da vida e com a palavra, adquire um certo carácter específico e uma particular eficácia por se realizar nas condições ordinárias da vida no mundo.»
Ora se percebemos acima que a missão de Pedro, de Paulo e dos Apóstolos foi indispensável para a proclamação da Boa Nova, para a edificação da Igreja, continuada essa acção pelos seus sucessores, (os bispos), «pela imposição das mãos», até aos nossos dias e para sempre, percebemos então também, porque a própria Igreja no-lo afirma como acima lemos, que todos somos co-responsáveis na edificação do Reino de Deus, (hierarquia e leigos), e que é missão de cada baptizado colaborar em e com tudo o que o Senhor lhe dá para essa mesma edificação.
Compreendemos por isso, ou devemos compreender, como é importante para o Demónio a tentação que nos pode levar a não exercermos esse sacerdócio comum a que somos chamados pelo Baptismo, e nos deve levar a cumprir a missão a que somos chamados e convocados.
Vejamos como o Catecismo da Igreja Católica nos ensina a importância da iniciativa dos cristãos leigos.
899. A iniciativa dos cristãos leigos é particularmente necessária quando se trata de descobrir, de inventar meios para impregnar, com as exigências da doutrina e da vida cristã, as realidades sociais, políticas e económicas. Tal iniciativa é um elemento normal da vida da Igreja:
«Os fiéis leigos estão na linha mais avançada da vida da Igreja: por eles, a Igreja é o princípio vital da sociedade. Por isso, eles, sobretudo, devem ter uma consciência cada vez mais clara, não somente de que pertencem à Igreja, mas de que são Igreja, isto é, comunidade dos fiéis na terra sob a direcção do chefe comum, o Papa, e dos bispos em comunhão com ele. Eles são Igreja» (Pio XII, discurso de 20 de Fevereiro de 1946; citado por João Paulo II, CL9).
Queixamo-nos muitas vezes que os cristãos católicos não têm conhecimentos, porque não lhes é dada formação, etc., mas a verdade é que a Igreja coloca ao seu dispor um sem número de documentos, grande parte deles de fácil acesso e simples interpretação, para além de tantas obras de autores católicos, disponíveis a todos os fiéis.
Mas a verdade também é que muitos cristãos preferem ler livros de autores que, longe de estarem em conformidade com a Doutrina da Igreja, os levam muitas vezes de forma encapotada, a seguirem caminhos que os afastam da Verdade.
Vejamos por exemplo o sucesso de livros como “O Código Da Vinci”, e outros parecidos, que sem dúvida tantos cristãos leram, para depois afirmarem que ficaram com dúvidas!
Se ficaram com dúvidas é porque, ou a sua fé é “fraca”, ou não nem sequer tentaram aceder a obras que demonstravam sem dúvidas, os erros de tais livros.
Lêem-se livros de “espiritualidades” duvidosas, (como por exemplo Paulo Coelho e tantos outros), mas não há tempo, nem apetência para ler livros de espiritualidade cristã católica, que estão à disposição de todos, talvez até nas mesmas livrarias.
Lêem-se livros sobre as vidas dos Santos, mas a atenção foca-se mais nos milagres aos Santos atribuídos, (o que leva a uma “espiritualidade” de procura da resolução fácil de problemas como se Deus fosse “mágico”), do que na sua vida de santidade, tentando imitá-los nas suas virtudes.
E no entanto, parecendo que estamos a fazer bem, vamos sendo afastados do essencial, para nos fixarmos no acessório.
E não é isto a acção subtil do Demónio?
E não é acção do Demónio levar-nos pelas razões mais espúrias, a recusarmos a missão que o Senhor colocou nas nossas mãos, para com Ele, e a permanente assistência do Espírito Santo, colaborarmos na edificação da Igreja, e n’ Ela todos sermos participantes do mistério de salvação?
Com certeza que esta missão que o Senhor coloca nas nossas mãos, não é do agrado do Demónio, pois leva à dilatação do reino de Deus no mundo, (o próximo e o mais afastado), para glória de Deus.
E leva também ao nosso próprio crescimento e fortalecimento na fé, porque ao exercermos os dons que o Senhor nos confere, (dos mais simples, aos mais difíceis), eles se vão desenvolvendo e prosperando, levando-nos ao encontro da vontade de Deus, porque:
«Pois, àquele que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado.» Mt 13,12
Como podemos nós invocar motivos tais como, “eu não sou capaz”, “eu não tenho conhecimentos”, “eu não tenho talentos”, etc., etc., para não cumprirmos a missão sublime que Jesus Cristo nos deu?
Muito melhor do que quaisquer palavras que aqui escreva, ensina-nos a Igreja com palavras de compreensão simples, acessíveis a todos.
Decreto sobre o Apostolado dos Leigos - «Apostolicam Actuositatem» - Vaticano II
«2. Existe na Igreja diversidade de funções, mas unidade de missão. Aos Apóstolos e seus sucessores, confiou Cristo a missão de ensinar, santificar e governar em seu nome e com o seu poder. Mas os leigos, dado que são participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, têm um papel próprio a desempenhar na missão do inteiro Povo de Deus, na Igreja e no mundo. Exercem, com efeito, apostolado com a sua acção para evangelizar e santificar os homens e para impregnar e aperfeiçoar a ordem temporal com o espírito do Evangelho; deste modo, a sua actividade nesta ordem dá claro testemunho de Cristo e contribui para a salvação dos homens. E sendo próprio do estado dos leigos viver no meio do mundo e das ocupações seculares, eles são chamados por Deus para, cheios de fervor cristão, exercerem como fermento o seu apostolado no meio do mundo.»
E ainda:
«3. A todos os fiéis incumbe, portanto, o glorioso encargo de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens em toda a terra.
O Espírito Santo - que opera a santificação do Povo de Deus por meio do ministério e dos sacramentos - concede também aos fiéis, para exercerem este apostolado, dons particulares (cfr. 1 Cor. 12, 7), «distribuindo-os por cada um conforme lhe apraz» (1 Cor. 12, 11), a fim de que «cada um ponha ao serviço dos outros a graça que recebeu» e todos actuem, «como bons administradores da multiforme graça de Deus» (1 Ped. 4, 10), para a edificação, no amor, do corpo todo (cfr. Ef. 4, 1). A recepção destes carismas, mesmo dos mais simples, confere a cada um dos fiéis o direito e o dever de os actuar na Igreja e no mundo, para bem dos homens e edificação da Igreja, na liberdade do Espírito Santo, que (sopra onde quer» (Jo. 3, 8) e, simultaneamente, em comunhão com os outros irmãos em Cristo, sobretudo com os próprios pastores; a estes compete julgar da sua autenticidade e exercício ordenado, não de modo a apagarem o Espírito, mas para que tudo apreciem e retenham o que é bom (cfr. 1 Tess. 5, 12.19.21).»
Porque não temos formação, conhecimentos, (porque a ela e a eles não queremos tantas vezes aceder), fechamo-nos na nossa “fé privada” e não partilhamos com os outros os dons que o Espírito Santo derrama em cada um para a edificação de todos, mesmo os dons mais simples, como acima lemos no documento citado.
E assim, em vez de aceitarmos e vivermos a missão que o Senhor nos dá, e em comunhão de Igreja, n’Ela colaborando, (pela graça de Deus), para o seu «crescimento e contínua santificação» LG 33, vamos vivendo uma fé “morna”, individualista, tão ao gosto do Demónio que nos quer fazer perder a salvação que o Senhor nos deu e dá continuamente.
Somos baptizados, somos templos do Espírito Santo que habita em nós permanentemente.
Confiemos n’Ele, porque como diz o Senhor:
«mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.» Jo 14, 26
Marinha Grande, 16 de Fevereiro de 2011
(continua)
Joaquim Mexia Alves
1 comentário:
O Joaquim continua o mesmo tema que tem suscitado inúmeros comentários, prova evidente do interesse dos leitores.
Sem dúvida que o tema "Demónio" é apelativo sobretudo para os que desejam esclarecimentos fiáveis e doutrinalmente correctos.
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