O QUARTO MANDAMENTO – Bênção de Deus para quem cumpre este mandamento. O “dulcíssimo preceito”. – Amor com obras. O que significa honrar os pais. – O amor aos filhos. Alguns deveres dos pais.
I. NO EVANGELHO DA MISSA de hoje1, o Senhor declara o verdadeiro alcance do quarto mandamento do Decálogo em face das explicações erróneas da casuística dos escribas e fariseus. O próprio Deus dissera por boca de Moisés: Honra teu pai e tua mãe, e quem maldisser o seu pai ou a sua mãe será réu de morte. O cumprimento deste mandamento é tão grato a Deus que Ele o revestiu de muitas promessas de bênção: Quem honra seu pai expia os seus pecados; e quando reza, será escutado. Quem honra sua mãe é semelhante àquele que acumula um tesouro. Quem respeita seu pai gozará de vida longa2. Esta promessa de uma vida longa para quem ama e honra os seus pais repete-se constantemente. Honra teu pai e tua mãe; assim prolongarás a vida na terra que o Senhor, teu Deus, te dará3. E São Tomás, ao explicar esta passagem, ensina que a vida é longa quando é plena, e esta plenitude não se mede pelo tempo, mas pelas obras. Vive-se uma vida plena quando está repleta de virtudes e de frutos; então vive-se muito, ainda que o corpo morra jovem4. Apesar da clareza com que o mandamento é exposto nestas e em muitas outras passagens do Antigo Testamento, os doutores e os sacerdotes do Templo haviam torcido o seu sentido e cumprimento5. Ensinavam que, se alguém dizia ao seu pai ou à sua mãe: Qualquer coisa que da minha parte possas receber ou necessitar é “corban”, isto é, oferenda6, os pais já não podiam tomar nada desses bens ainda que estivessem muito necessitados, pois cometeriam um sacrilégio apropriando-se de algo que fora declarado oferenda para o altar. Este costume era frequentemente um mero artifício legal para as pessoas continuarem a desfrutar dos seus bens e sentirem-se desobrigadas do dever natural de ajudar os pais necessitados7. O Senhor, Messias e Legislador, explica no seu justo sentido o alcance do mandamento, desfazendo os profundos erros que havia naquela época sobre o tema. O quarto mandamento, que é também de direito natural, exige de todos os homens, especialmente daqueles que querem ser bons cristãos, a ajuda abnegada e cheia de carinho aos pais, sobretudo quando estes entram na velhice ou passam necessidade8. Deus nunca pede coisas contraditórias, e por isso sempre há mil maneiras de viver o amor aos pais, mesmo que se tenham de cumprir primeiro outras obrigações familiares, sociais ou religiosas. Abre-se aqui um grande campo à responsabilidade, que os filhos devem examinar com frequência na sua oração pessoal. Deus paga com a felicidade, já nesta vida, a quem cumpre com amor esses deveres, ainda que vez por outra possam ser custosos. O Bem-aventurado Josemaría Escrivá costumava chamar ao quarto mandamento “dulcíssimo preceito do Decálogo”, porque é uma das mais gratas obrigações que o Senhor nos deixou. II. O CUMPRIMENTO AMOROSO do quarto mandamento tem as suas raízes mais profundas no sentido da nossa filiação divina. Deus, de quem deriva toda a paternidade no céu e na terra9, é o único que se pode considerar Pai em toda a sua plenitude, e os nossos pais, ao gerar-nos, participaram dessa paternidade divina que se estende a toda a criação. Vemos neles um reflexo do Criador: ao amá-los e honrá-los rectamente, estamos honrando e amando neles o próprio Deus como Pai. Na quadra do Natal, contemplávamos a Sagrada Família – Jesus, Maria e José – como modelo e protótipo de amor e espírito de serviço para todas as famílias. Jesus deixou-nos o exemplo e a doutrina que devemos seguir para cumprir o doce preceito do quarto mandamento tal como Deus o quer. Antes de mais nada, Jesus afirmou que o amor a Deus tem uns direitos absolutos, e que a ele se devem subordinar todos os amores humanos: Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o seu filho ou a sua filha mais do que a mim não é digno de mim10. Por isso, é contrário à vontade de Deus – e portanto não é verdadeiro amor – o apegamento à própria família, quando se converte em obstáculo para cumprir a vontade de Deus: E Jesus disse-lhes: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; tu, porém, vai e anuncia o reino de Deus11. Jesus deixou-nos um exemplo cabal de entrega plena à vontade do Pai celestial – Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?12, dirá a Maria e a José quando o encontram em Jerusalém –, mas, ao mesmo tempo, é o Modelo perfeito de como devemos cumprir o quarto mandamento e do apreço que devemos ter pelos vínculos familiares: viveu sujeito à autoridade de seus pais13 e ajudou São José a sustentar o lar; realizou o seu primeiro milagre a pedido de sua Mãe14; escolheu entre os seus parentes três dos seus discípulos15; e, antes de morrer por nós na Cruz, confiou a São João o cuidado de sua Mãe Santíssima16; sem contar os inúmeros milagres que realizou movido pelas lágrimas ou pelas palavras de uma mãe17 ou de um pai18. As orações dos pais pelos filhos chegam a Deus com um acento muito particular. São imensos os modos de honrar e de amar os pais. “Honramo-los quando suplicamos submissamente a Deus que tudo lhes corra prosperamente; que gozem da estima e consideração dos homens e que sejam bem aceitos aos olhos de Deus e dos Santos que estão no céu. “Honramos igualmente os pais quando os socorremos, ministrando-lhes o necessário para o seu sustento e para uma vida digna. Prova-o a palavra de Cristo ao censurar a impiedade dos fariseus... Esse dever é mais exigente sobretudo quando os pais ficam gravemente doentes. Cumpre-nos então cuidar de que não omitam a Confissão e os demais Sacramentos que todos os cristãos devem receber na iminência da morte [...]. “Por último, quando morrem, honram-se os pais cuidando do funeral, promovendo condignas exéquias, preparando-lhes uma honrosa sepultura, garantindo os sufrágios e Missas de aniversário e executando fielmente as suas declarações de última vontade”. Assim se expressa em resumo o Catecismo Romano19. Se, por infelicidade, os pais estão longe da fé, o Senhor dar-nos-á a graça necessária para realizarmos com eles um apostolado cheio de afecto e respeito, que consistirá, ordinariamente, em orar por eles, em dar-lhes o apoio de uma conduta filial alegre, exemplar, cheia de carinho, juntamente com o empenho em procurar ocasiões de aproximá-los de pessoas que lhes possam falar de Deus com mais autoridade do que nós, porque os filhos não podem arvorar-se por iniciativa própria em mestres de seus pais. III. O PRIMEIRO DEVER dos pais é amarem os filhos com um amor verdadeiro: interno, generoso, ordenado, que não olha para as suas qualidades físicas, intelectuais ou morais, e que sabe querer-lhes com os seus defeitos. Devem amá-los. Devem amá-los por serem seus filhos e também por serem filhos de Deus. Por isso é um dever fundamental dos pais amarem e respeitarem a vontade de Deus sobre os seus filhos, mais ainda quando estes recebem uma vocação de entrega plena a Deus – muitas vezes, os pais até a desejarão e pedirão a Deus para este ou aquele filho –, porque “não é sacrifício entregar os filhos ao serviço de Deus; é honra e alegria”20. Este amor deve ser operativo, deve traduzir-se eficazmente em obras. Manifestar-se-á no real esforço para que os filhos sejam trabalhadores, austeros e sóbrios, bem educados no sentido pleno da palavra... Que ganhem raízes neles essas bases do carácter que são as virtudes humanas: a rijeza, a responsabilidade, a generosidade, a lealdade, o amor à verdade, a simplicidade, o optimismo... O amor verdadeiro levará os pais a preocuparem-se pelo colégio em que os filhos estudam, permanecendo muito atentos à qualidade do ensino que recebem, e, particularmente, ao ensino religioso, pois dele pode depender que sejam bons cristãos e, em última análise, que se salvem. Movê-los-á a buscar um local adequado para a época de férias e para os fins de semana – sacrificando não raras vezes as suas preferências pessoais –, de modo a evitarem aqueles ambientes que tornariam impossível, ou pelo menos muito difícil, a prática de uma verdadeira vida cristã. Os pais não devem esquecer – e devem expô-lo aos filhos no momento oportuno – que são administradores de um enorme tesouro de Deus e que, por serem cristãos, não são uma família como outra qualquer, antes formam uma família em que Cristo está presente e que por isso tem umas características inteiramente novas. Esta viva realidade levará os pais a serem exemplares em todas as ocasiões (nas conversas, à mesa, no modo de cumprirem os deveres profissionais, pela sua sobriedade, pela ordem e asseio, pela delicadeza de maneiras...). E os filhos encontrarão neles o caminho que conduz a Deus. “No rosto de toda a mãe pode-se captar um reflexo da doçura, da intuição, da generosidade de Maria. Honrando a vossa mãe, honrareis também aquela que, sendo Mãe de Cristo, é igualmente Mãe de cada um de nós”21. Terminemos a nossa oração pondo as nossas famílias sob a proteção da Santíssima Virgem e dos santos Anjos da Guarda. (1) Mc 7, 1-13; (2) Ecle 3, 4-5, 7; (3) Ex 20, 12; (4) cfr. São Tomás, Sobre o duplo preceito da caridade, Marietti, n. 1245; (5) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, págs. 299-300; (6) Mc 7, 11; (7) cfr. B. Orchard e outros, Verbum Dei, Barcelona, 1963, vol. III; (8) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 48; (9) Ef 3, 15; (10) Mt 10, 37; cfr. também Lc 9, 60; 14, 2; (11) Lc 9, 60; (12) Lc 2, 49; (13) Lc 2, 51; (14) cfr. Jo 2, 1-11; (15) cfr. Mc 3, 17-18; (16) cfr. Jo 19, 26-27; (17) cfr. Lc 7, 11-17; Mt 15, 18-26; (18) cfr. Mt 9, 18-26; 17, 14-20; (19) Catecismo Romano, III, 5, 10-12; (20) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 22; (21) João Paulo II, Alocução, 10-I-1979.
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